É um momento
severo de desamparo e oclusão.
As folhas
deslizam secas na terra quente
e os gatos,
a noite os semeia, ocultam-se na sombra
que
escorrega de alguma nuvem perdida no céu.
Não é tempo
de discórdia nem de harmonia,
apenas as
horas passam exaustas e brancas,
transpirando
na indecisão dos teus dedos.
Ouve-se um
grito ou a fala apressada de quem
não tem
idade e da vida tudo espera.
A cidade
macera lentamente ao ritmo dos que passam,
vielas e
recantos albergam olhares furtivos,
traços de
luz suspensos na caliça das paredes.
Os dias
estão semeados de terríveis hesitações,
símbolos
puros à espera de precária decifração.
No pórticos
das igrejas, pedintes e pombos traçam
roteiros e
mapas, e toda a miséria ganha um rosto,
a cor
designada que irrompe na lividez da alma.
Os dias que
nos cabem estão cansados,
e aqueles
que um dia amaram desmedidamente
sentam-se à
espera de uma carta longínqua,
de um amor
que o tempo vendeu ao esquecimento.
Uma paliçada
de canas separa a tua da minha casa
e, quando o
vento sopra trazido pelo norte,
escuto a
música perdida na lira de Orfeu.
Um tremor
floresce na esplêndida fronteira
traçada,
e irrompe na
clareira onde um animal,
cru e
selvagem, esboça uma dança luminosa
e, ambulante, se perde na sombra que cai no umbral.
Pobres e pombos parados à porta das igrejas, que imagem triste.
ResponderEliminarQue cansaço esse que sobra destas sombras que cruzam os campos e as cidades.
Quando um animal cru e selvagem assomou ao poema, ainda pensei que viesse aí algum sopro de vida mas, afinal, até esse se foi embora.
Mas não será o mundo que habitamos, a nossa civilização, um universos exausto? Não poderá essa exaustão falar através do poema? Mesmo o que há de mais dionisíaco no fundo de nós, ocidentais, não se perde na sombra ou no arremedo de uma verdadeira alegria?
ResponderEliminarMas sou mais um medium do que o proprietário do poema... Talvez o cansaço queira falar e nisso haja um sopro de vida.
Boa-noite e um bom domingo
Que o sopro de vida resida dentro do cansaço é uma ideia mesmo desesperançada.
ResponderEliminarreconheço que parece, de facto, que a civilização está a chegar a um 'dead end'.
Mas quando se lêem os pensadores de todas as gerações para trás nota-se a mesma agonia, todos pensaramam que a coisava a bater no fundo, que se tinha dado cabo de tudo - tal como agora.
Mas, se repararmos, ao lado desta agonia há sempre a vida a renascer, a natureza a seguir o seu próprio ritmo, e há a criação artística, e há sentimentos como o amor e há mil motivos para se pensar que o que há é uma necessidade permanente de estar atento e lutar e, ao mesmo tempo, dar valor à vida.
Eu é nisso que acredito.
O conceito de crise é inerente à própria história do pensamento ocidental. Mas se olharmos para a história, os fins aconteceram mesmo. O fim da pólis grega, o fim do império romano, o fim da idade média. Nem sempre o novo foi mais interessante do que o antigo.
ResponderEliminarNo momento actual, a situação parece-me principalmente preocupante pelo envelhecimento da população, a transferência dos centros de decisão mundial para outros lados, a lenta degradação do mundo intelectual europeu. Mesmo a arte parece-me ter entrado num processo de irrelevância acentuada.
A natureza, por certo, seguirá o seu rumo. Mas pode ser que esse rumo seja um que já não nos contemple.
Bom domingo.