Sento-me
nesta cadeira e perscruto a história,
os círculos
de expansão e a flor contraída,
a escuridão
ancestral que sobre nós cai
e o terrível
silêncio de Deus a falar em mim,
trazendo uma
palavra demasiado grande
para que o
meu coração a sustenha,
a saboreie
antes de a entregar ao vento,
ao desejo
dos homens amontoados em tendas
ou à
dissipação das horas sobre a terra furtiva.
Vivemos no
tempo do tempo distorcido,
das aves sem
penas e das casas destelhadas.
Vivemos no
tempo em que o amor rareia
e os homens
intrépidos se escondem na floresta,
pobres
sombras coleccionadoras de amargura,
giesta
precária nascida fora de estação.
Quando o
reflexo do céu fende as águas,
o símbolo
que guia a vida perde a cor
e os homens vêem
o tempo oscilar no trapézio,
mas a
história não finda e gira em torno de ti,
afaga-te a
pele e escurece-te o ventre e o coração,
desenha na
margem do rio estranhos hieróglifos:
uma fiada de
jarros brancos e um bando de patos mudos
para
assegurar o trabalho do futuro decifrador,
perito em
minas e descobridor de alçapões,
o grande
sacerdote do passado irremediável,
pobre
oficiante desconhecedor do tempo distorcido,
amante de um
corpo decomposto em pó e cinzas.
Agostinho de
Hipona sabia o que era o tempo,
se não se
perguntasse pelo o seu ser
e não
aspirasse à vanglória de uma definição,
exercício de
cruel raquitismo inventado pela razão
para
submeter o voo imponderável do mar
ou a
dinâmica dos milhafres sobre a montanha.
Se
suspenderes perante o bosque todas as perguntas,
virão
pássaros furtivos tomar-te a mão
para te
conduzir em silêncio ao centro do mundo.
Desse lugar
sem nome, virá a luz negra do futuro,
o exercício
de adivinhação a que te entregas
no desespero
de todas as causas estarem perdidas.
Abençoa a
perdição e ergue os olhos aos céus,
o caminho
para o cume apenas agora começa,
senda improvável
escavada na pedra dura,
paisagem de
abismos em torno do decrépito corpo.
Canta, pobre
perscrutador, pois a história balança
e descreve
piruetas sob o império do céu,
divorcia-se
do tempo e entrega-se ao celibato,
ao rumor da
solidão feito de metonímias,
de grandes oximoros
com que nega a realidade
e constrói
uma praia de sentido no caos da vida.
Também eu
pertenço à ordem de Melquisedeque
e não tenho princípio
gerador nem fim de geração.
O tempo é
uma corda de sisal e por ela subo e desço
para visitar
os mortos na vida e os vivos na morte,
para Te
escutar a palavra que não cabe em mim.
Sento-me na
nau dos corvos para ouvir o mar
e oiço o
búzio do teu amor a cantar dentro de mim.
Dispo-te e o
fulgor do sexo anuncia-me a morte,
a estranha escada
por onde vou e volto no tempo,
a cadeira
firme com que olho a história:
são
inexplicáveis os ventos de agosto sobre as águas,
os negócios
do mundo na cegueira dos mercadores,
o declínio
da terra no fulgor da ciência.
Também eu sou filho d’Aquele que não tem filhos.
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