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sábado, 21 de janeiro de 2017

Meditação breve - 4. Niilismo

Jesús de Perceval - Hasta que se aniquile (1965)

O que é o niilismo? A desvalorização de todos os valores? Não, propriamente. O niilismo é a consumação da tendência para o nada que habita tudo aquilo que existe. O niilismo é a retirada do espírito de um modo de vida que, um dia, pareceu eterno e que o tempo, essa máscara vulgar da eternidade, revelou na sua verdade, isto é, no nada que era.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Da vida dos sonhos

David Lynch - A Bug Dreams of Heaven (1992)

Há a ilusão que o sonho é o veículo de uma comunicação entre o sonhador e uma qualquer realidade de natureza espiritual que reside num além. A ilusão nasce, em primeiro lugar, da cisão que leva a pensar na existência de um aquém e de um além. Em segundo lugar, da ocultação - embora as diversas escolas psicanalíticas tenham chamado a atenção para o equívoco - de que, no sonho, o espírito comunica consigo mesmo. Sendo como o vento, ele sopra onde quer. Fala do passado e fala do futuro, mas fá-lo sempre porque quer falar do presente, desse puro acontecer aqui e agora e no qual se manifesta toda a eternidade. 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Estrela polar

Salvador Dali - Visiones de la Eternidad (1936-7)

Ver tudo "sub species aeternitas", mas a vida exige inscrever cada acção no tempo. A viagem é sempre a tensão entre a visão do eterno e a contaminação da temporalidade. O essencial é saber o que faz de estrela polar, se o eterno se o temporal.

domingo, 7 de setembro de 2014

Um sinal de eternidade

JCM - Still-life (2014)

No conceito de still-life (natureza morta) é essencial pensar não o modo estético de composição de um certo objecto artístico mas aquilo que se revela através de uma natureza morta, a suspensão do movimento e a abolição da temporalidade. Uma natureza morta está longe, então, de ser uma manifestação daquilo que está morto, do inanimado. É antes um sinal do que está para lá do tempo e, por isso, não se deixa captar pela armadilha física da cinemática. Uma natureza morta, ao fixar definitivamente uma hora, dirige o seu dedo indicador para a eternidade.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

A presença do eterno

JCM - Ruínas, Évora (2008)

Esses lugares abandonados pela vida a que chamamos ruínas são sinais dispersos pelo mundo. Sinalizam o passar do tempo e a precariedade de tudo o que é feito pelo homem. Mas a sua insistência em persistir ultrapassa toda a medida humana e aponta para o que há de mais incompreensível para a nossa experiência. Ruínas, mais do que o restolho que a vida abandonou, são a presença do eterno naquilo que é tecido de tempo.

terça-feira, 29 de julho de 2014

Do tempo e da eternidade

JCM - Do tempo e da eternidade (2007)

Água e árvores. A água, claro, é um símbolo da temporalidade, do fluxo do tempo. As árvores, não sendo eternas, podem sem dificuldade simbolizar a eternidade. Se nos deixarmos guiar por esta simbólica talvez possamos penetrar um pouco no mistério da criação daquilo que é temporal. Como as árvores precisam de água para se alimentar, também aquilo que é eterno mergulha as suas raízes no fluxo temporal, alimentando-se do sentido que assim faz nascer.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Da imobilidade na natureza

Karl Schmidt-Rottluff - Natureza-morta no espaço (1950)

A representação imóvel de frutas, flores, utensílios quotidianos, etc. tomou, na História da Pintura, a designação de natureza-morta. O que encontramos, porém, nas representações pictóricas de naturezas-mortas é a suspensão do movimento, a imobilidade, o repouso. O que pode ser inquietante para o espírito é, porém, a suspeita de que esta imobilidade não seja a da morte mas a expressão máxima da vida. Na suspensão do movimento, na mais pura quietude, as coisas dão-se no seu ser. São como os corpos de dois amantes. A verdade do seu amor não reside na dinâmica do jogo sexual mas na imobilidade que os convoca a tal dinâmica, no repouso em que se fundem e se subtraem ao movimento e ao tempo. Na imobilidade das coisas e dos seres encontramos um reflexo da eternidade.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Do tempo à eternidade

René Magritte - Eternidade (1935)

Naquele tempo, disse Jesus aos judeus: «Em verdade, em verdade vos digo: se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá.» Disseram-lhe, então, os judeus: «Agora é que estamos certos de que tens demónio! Abraão morreu, os profetas também, e Tu dizes: 'Se alguém observar a minha palavra, nunca experimentará a morte'? Porventura és Tu maior que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas morreram também! Afinal, quem é que Tu pretendes ser?» Jesus respondeu: «Se Eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória nada valerá. Quem me glorifica é o meu Pai, de quem dizeis: 'É o nosso Deus'; e, no entanto, não o conheceis. Eu é que o conheço; se dissesse que não o conhecia, seria como vós: um mentiroso. Mas Eu conheço-o e observo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou feliz.» Disseram-lhe, então, os judeus: «Ainda não tens cinquenta anos e viste Abraão?» Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: antes de Abraão existir, Eu sou!» Então, agarraram em pedras para lhe atirarem. Mas Jesus escondeu-se e saiu do templo. (João 8,51-59) [Comentário de Gregório Magno aqui]

Este é um dos textos evangélicos com maior carga filosófica. Opõe ser e existir. Sem a compreensão desta oposição, uma oposição relativa, não será possível compreender a afirmação inicial se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá. Abraão e os profetas existiram. A sua vida foi balizada pelo tempo, começou, durou e terminou. O tempo é a sua condição. Estavam, como todos aqueles que vêm à vida condicionados pela temporalidade. A resposta que Jesus dá à objecção de que ele não teria idade para ver Abraão mostra que ele se coloca num outro plano que não é o da duração. Antes de Abraão existir eu sou.

Antes não significa uma mera anterioridade temporal. Significa a pertença a uma realidade anterior – mais essencial – àquela onde o tempo é a condição de existência. Cristo diz aos interlocutores que está no tempo mas que não pertence à temporalidade, por isso não será afectado pela morte. Mas o que o texto põe claramente em jogo é outra coisa. Também o homem não pertence ao tempo, também a sua existência condicionada é uma limitação que ele pode ultrapassar.

São dois os momentos em que essa condição não condicionada do homem é manifestada. Uma delas está expressa nos enunciados constatativos Abraão, vosso pai, exultou pensando em ver o meu dia; viu-o e ficou feliz. O dia, apesar da sua carga temporal, surge como símbolo daquilo que está para lá do tempo e do condicionamento que este impõe à existência. Abraão só de pensar em ver esse dia exultou. Dir-se-á que era o júbilo da esperança, a alegria da expectativa. A felicidade, porém, nasce da experiência directa dessa realidade, da experiência do Cristo em si mesmo.

O outro momento está no início do texto. Ele manifesta-se num acto de linguagem promissivo ou, na linguagem de John Searle, comissivo: se alguém observar a minha palavra, nunca morrerá. A promessa (nunca morrerá), todavia, está antecedida por uma condição (observar a minha palavra), sem a qual a promessa deixa de ter efeito. Nos actos comissivos, o locutor fica comprometido com um estado futuro. O escândalo do texto – escândalo que se expressa na violenta reacção dos interlocutores de Cristo – reside no paradoxo que ele contém: o futuro prometido é o da abolição do próprio futuro, a saída para lá do tempo, do qual o futuro é apenas uma das suas instâncias.

Abraão atingiu a felicidade porque fez do Verbo (Logos) a sua casa e o seu modo de ser. Quem assim o fizer, quem observar a Palavra (Logos) elevar-se-á a uma condição onde o condicionamento temporal – com as suas três instâncias, passado, presente e futuro – deixará de ter efeito. Desse modo, segundo a promessa, deixará de existir para passar a ser, ser que não contém um fui nem um serei, mas um eterno sou.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Uma estranha presença

Jean de Beaumetz - The Cruxifixion with a Carthusian Monk (1389-1395)

Esta intromissão anacrónica de um monge cartuxo na crucificação de Cristo não é um devaneio artístico nem, tão pouco, um acto arrebatado de fé, mas uma meditação sobre a natureza dos acontecimentos religiosos. O que Jean de Baumetz faz é abolir a história, dissolver o tempo. Mas não pretende negar nem história nem tempo, mas tornar evidente que o acontecimento histórico e temporal da morte de Cristo não pertence à história, mas à eternidade. A morte do Cristo, bem como o seu nascimento e a sua ressurreição, por serem eternos, podem acontecer a cada instante do tempo. O monge cartuxo representa cada um de nós contemplando esse acontecimento central na história da humanidade ocidental. Central, porque não pertence a essa história, e por não lhe pertencer move-a, organiza-a, prescreve-lhe, no silêncio da eternidade, o seu secreto fim. A estranha presença não é a do monge perante o Cristo crucificado, mas a presença de Cristo perante cada um de nós, aqui e agora.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O mar da eternidade

O tempo passa tão rapidamente entre os trabalhos que a vida traz, que parece nada já existir para além do tempo que passa. Pesados grilhões são o tributo ao ardil do relógio, obscura volúpia que nos suga para o interior vazio que o habita. Agora que cheguei aqui, peço ao silêncio redentor a carícia da solidão. Fecho os olhos e penso na luz que me habita, nessa palavra que proferiu o meu nome e me trouxe ao mundo. Esqueço-me do tempo e calo o coração ao mergulhar no mar a que, à falta de melhor, chamo eternidade.