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sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Meditação breve (57) Desejo

John Loengard, Henry Moore’s Sheep Piece, Hertfordshire, England, 1983

O que a fotografia de John Loengard nos mostra, aparentemente, é a desproporção entre a realidade e os artefactos. No entanto, o que vemos é a desmesura do desejo humano expressa no trabalho de Henry Moore. O deseja celebra-se no seu excesso e este excesso é o sinal de um desejar infinito.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Noites de Verão

Winslow Homer - Summer Night (1890)

Ao pensar-se em noites de Verão, o pensamento, de imediato, é conduzido à ideia de sonho. Certamente, a peça de Shakespeare - Sonhos de uma Noite de Verão - terá, nessa associação, um papel. No entanto, sempre se pode especular que o nome da peça seja já o resultado de uma experiência primordial da humanidade, muito anterior ao dramaturgo inglês, experiência que liga as noites de Verão ao sonho. Essa ligação é feita através do desejo. A combinação da temperatura cálida e da noite torna-se um poderoso estimulante do desejo. O sonho nasce então desse desejo que perdeu as amarras que a luz e o frio sobre ele faziam cair.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O combate decisivo

Arshile Gorky - Combate enigmático (1937)

O maior, mais decisivo e enigmático dos combates não é aquele que opõe os homens entre si ou o que os opõe à natureza. Esses combates por duros e mortais que sejam são superficiais, não porque não sejam dolorosos mas porque resultam de uma visão superficial da vida. O verdadeiro combate é aquele que opõe o espírito a si mesmo, essa noite escura onde se confronta com a ilusão que nasce do desejo, que nasce do seu próprio desejo de verdade e de clarividência.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Da profundeza

Georges Rouault - De profundis (1917-27)

O ser humano é um habitante do mundo do meio. Não pertence nem ao território rarefeito do alto, nem às terras inóspitas das profundezas. Essa vida no mundo mediano, porém, limita-lhe o olhar e o desejo. Acontece, muitas vezes, que, arrastado para essas profundezas, fazendo a experiência da queda e do adverso dos baixios, ele ergue os olhos para cima e o seu desejo leva-o para além daquilo que cabe ao homem.

domingo, 7 de agosto de 2016

O fim do mundo

José Gutiérrez Solana - El fin del mundo (1932)

As grandes visão apocalípticas, como as do fim do mundo, são interessantes não por aquilo que anunciam mas pelo desejo que nelas se manifesta. Não nos dizem o que vai acontecer mas o que o homem, em algum momento da sua história, desejou que acontecesse. A profecia do fim do mundo conta-nos, então, que este - o mundo - se tornou de tal modo insuportável que desejámos que ele tivesse um fim. O que o espírito deve aí procurar, para se instruir e e fazer a sua viagem, não é o que vai acontecer num futuro qualquer, mas aquilo que desencadeia o desejo de rejeição, aquilo que encerra a vida espiritual num círculo de ressentimento e dor. 

sábado, 16 de julho de 2016

Cair em tentação

Max Beckmann - Temptation (1936-37)

A tentação é vista muitas vezes como provação que é colocada à vontade, para testar a sua fortaleza. Esquece-se, porém, o outro lado, o do desejo. Não é só a força da vontade que é testada na resistência à tentação. É também a força do desejo em ultrapassar a resistência da própria vontade. Cair em tentação pode nem significar que a vontade é fraca, mas que o desejo é excessivo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O desejo e o nada

Remedios Varo - O desejo (1935)

Associamos rapidamente o desejo ao fogo e dizemos coisas como o fogo do desejo ou o desejo ardente. O que muitas vezes desencadeia o desejo é uma carência, a ausência de qualquer coisa. Pensa-se então que a energia que se manifesta no desejo vem do objecto desejado e não do nada que se revela na carência ou na falta. Isso será, todavia, um equívoco. A energia que alimenta o desejo não é o objecto que o há-de satisfazer, e assim matar, mas a própria carência, o próprio o nada que se manifesta no desejar. O desejo alimenta-se de si e é a si que vai buscar a energia com que fulge na noite e arde no dia. O desejo deseja-se a si.

sábado, 28 de março de 2015

O destino de Ícaro

Henri Matisse - Ícaro (1943-44)

No destino de Ícaro simboliza-se a condição do homem. Nem demasiado perto das profundidades das águas nem excessivamente chegado à luz do sol. Atraído pela luz, as asas derreteram e a queda foi o destino de Ícaro. Esta queda não deixa de ter uma ambivalência estrutural. Significou a morte e, ao mesmo tempo, a entrada na vida. A morte da sua condição sobre-humana; a vida pela sua redução à mera humanidade. Com Ícaro aprende-se que não cabe ao homem submeter a luz ao seu desejo, mas é sua condição esperar que ela chegue e o ilumine.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Na escura noite

Sol LeWitt - A dark square on a light square and vice versa (1982)

All that understanding can grasp, all that desire can desire, that is not God. Where understanding and desire end, there is darkness, and there God shines. (Meister Eckhart, Sermon Eighty)

Suspender o pensamento e o desejo, suspender a razão e a vontade. Como será possível tal coisa? Não dependemos, na nossa vida, do entendimento e da faculdade de desejar? Não será a escuridão - aquilo que resulta da suspensão do pensamento e do desejo - o que mais tememos? Não será essa escuridão a própria morte? Sim, essa escuridão é a morte, não a morte biológica, mas aquela que elimina as ilusões do nosso entendimento e os devaneios do desejo. Só dela podemos ressuscitar, quando, na escura noite, a Luz brilhar.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O desejo e a moral

Edward Burne Jones - A manhã da Ressurreição (1882)

Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. (Mateus 16:24)

Funda-se o Cristianismo em preceitos morais? Não, eles não são o fundamento da religião que tomou conta da Europa e de uma parte apreciável do mundo. Onde se funda então o Cristianismo? Funda-se no desejo, como refere Mateus: Se alguém quiser vir comigo... Os preceitos morais inscrevem-se num lugar segundo e são inúteis se a faculdade de desejar não estiver mobilizada. Apesar de secundários, esses preceitos são condição necessária. Dois preceitos são indicados por Mateus. A renúncia a si mesmo e o tomar a sua cruz. Através deles o desejo é canalizado - enquanto amor - para o caminho a seguir. E todo o Cristianismo não é outra coisa senão isto.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Cultivar a boa consciência

Robert Doisneau - Hell (1952)

Os outros, segundo a palavra de Sartre, por nos frustrarem a realização do desejo, são o inferno. Ateiam o desejo e pela negação com que o acolhem mantêm viva a dinâmica desejante, sem possibilidade desta se apaziguar no acto da consumação. Mas será que eu sou assim tão inocente no meu desejo? Será que cada um, ao desejar, é vítima duma conspiração vinda de fora? Ora negar a inocência do desejo será atribuir-lhe, na origem, uma decisão, o que contraria a ideia - ideia fundada em sólido senso comum - de que somos irresponsáveis pelo que desejamos. E traria ainda uma outra e não desejada implicação: o inferno não são os outros, somos nós, ou está em nós. O homem sempre gostou de cultivar a boa consciência.

terça-feira, 8 de abril de 2014

O desejo infinito

Joshua Benoliel - Bairro Grandella (Festas dos Santos Populares) - Estrada de Benfica - Lisboa (início do séc. XX)

Há sempre nas festividades humanas, por faustosas que sejam, um rasto de desilusão, como se o prazer e a alegria esperados fossem outros e não aqueles que estão prometidos e são proporcionados. A incomensurabilidade entre o desejo humano e as suas possibilidades de realização é, na verdade, infinita, pois se a festa, aquilo que é o fruto mais raro da vida material, é finita, o nosso desejo é infinito e só no infinito pode ser saciado.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

A promessa e o desejo

Brett Weston - Classic Nude (1975)

Um dos elementos da dinâmica do desejo reside na apresentação do objecto de desejo como promessa. A promessa faz a mediação entre a indiferença do desejado e o compromisso que toda a entrega representa. A promessa é um sim que ainda é não, mas um não que entra num processo de transmutação semântica que culminará na sua metamorfose em sim. Prometer é intensificar o desejo daquele que deseja, levá-lo ao paroxismo. Mas a promessa só funciona desse modo se houver desejo daquilo que se constitui em objecto de desejo. Na ausência de desejo, qualquer promessa se torna risível. 

domingo, 2 de março de 2014

Do finito e do infinito

Jacinta Gil Roncalés - Busca do infinito (1991)

A marca mais manifesta da nossa finitude é a natureza insaciável do desejo humano. Essa insaciabilidade, porém, não nos mostra apenas a nossa limitação e finitude. Torna manifesto, ao sentimento e à razão, o infinito, como se a insaciabilidade de que padece a nossa faculdade de desejar fosse o reflexo - melhor, o negativo fotográfico - do infinito que chama por nós.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Na orla do bosque

Camille Pissarro - Lisière d'un bois (1879)

Estar na orla do bosque é permanecer na fronteira, nessa linha imaginária que separa dois mundos. Ali o viandante hesita, talvez tomado pelo pânico, talvez forçado pela tradição do cálculo. O que ganha e o que perde? O medo ou a interrogação retêm-no nesse lugar ensombrado. Terão mais força os velhos hábitos ou a voz que o chama conduzirá o seu desejo? É na fronteira, nesse espaço irreal, que os homens, indecisos, acabam por dissipar o tempo. Fugir ou adentrar-se no obscuro território que está para além da raia, eis o dilema onde a vida se dissolve.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Liberdade condicional

Ivonne Sánchez Barea - Liberdade condicional (2000)

De certa maneira, o que relativiza já a afirmação, a velha discussão sobre se o homem possui livre-arbítrio ou é completamente determinado na sua acção é ociosa. Talvez seja mais sensato pensar o homem sob a figura da liberdade condicional. Como a liberdade condicional de um condenado, também a liberdade condicional de cada homem pode, a qualquer instante, ser revogada. Não por um qualquer juiz exterior, mas por si mesmo, pela submissão àquilo que, pelo ardil do desejo, o prende. Se a nossa liberdade é sempre condicional, o caminho do homem na Terra é um infinito processo de libertação.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Do caminho e da viagem

Wassily Kandinsky - À volta da linha (1943)

Talvez a viagem que cabe fazer a cada um de nós seja sempre por uma linha recta. Isso significaria que teríamos o dever de a fazer o mais rapidamente possível. Porém, à volta da linha amontoam-se os objectos, as solicitações, as miragens, tudo aquilo que desvia o desejo e torna o caminho perigoso e lento, tão lento que uma vida generosa em anos não chega para o percorrer e consumar a viagem.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

A casa do desespero

Brull Carreras - Desierto de Atacama

O deserto é a casa do desespero. E o desespero, hoje em dia, está por todo o lado. Não vamos pensar, contudo, que a nossa solidão interior consiste na aceitação da derrota. Não podemos escapar de seja do que for por consentir tacitamente em sermos derrotados. O desespero é um abismo sem fundo. (Thomas Merton, Thoughts in Solitude)

Devemos pensar que a relação do homem com o deserto, com o vazio, pode ter uma dupla natureza. O vazio pode ser sentido como a casa do desespero, de um desespero que nasce da multiplicidade dos desejos frustrados, das ilusões desfeitas, da errância onde nos perdemos. Mas o vazio interior - a pobreza de espírito - pode ser o lugar da esperança. Esperança que nasce ao libertarmo-nos de tudo o que é ilusório, irreal e, na verdade, irrelevante. Este vazio é aquele que tem o poder de transformar em lugar de esperança aquilo que a vida contemporânea tem o condão de tornar em casa de desespero.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Tornar-se completo

Edouard Manet - Cristo escarnecido por dois soldados (1865)

Jesus respondeu: «Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me. (Mateus 19:21)

A resposta dada poderia e - deveria -, no seu início, ser traduzida por Se desejas ser completo no lugar de Se queres ser perfeito. A opção por Se queres acentua uma dimensão da razão prática, onde o que é sublinhado é a vontade racional, enquanto a opção por Se desejas (Se estás inclinado) acentua uma dimensão mais funda, enraizada no que há de mais essencial e mais vital em cada ser humano.  Também é preferível traduzir  τέλειος por completo e não por perfeito. Na verdade, são sinónimos, mas no uso corrente da língua portuguesa, completo torna mais acessível o que está em jogo. A resposta de Cristo não deixa de ser surpreendente. Um jovem questiona-o sobre o que fazer para atingir a vida eterna, e ele responde antepondo ao que deve fazer a seguinte condição para a acção: Se desejas ser completo.

O que está em jogo, então, é a realização da completude de si-mesmo. Como é que eu me torno efectivamente naquilo que sou? Que fazer se desejo essa completude? Se eu quiser ser completo, se for esse o desejo radical do meu ser, então encontro uma dupla prescrição dada num movimento de ir e vir. Devo ir para me despojar do que tenho mas não sou. Os bens não são apenas a propriedade material, mas aquilo que eu posso dizer que é meu, pois na possessão o eu já está submetido ao que possui. Este é o momento da emancipação do homem daquilo que lhe é estranho. Este ir que conduz à desapropriação só tem sentido pelo vir subsequente; vem e segue-me. Se desejo ser completo, então devo ir para me despir do que é inútil e devo vir para seguir o Cristo que em mim me chama à completude, isto é, a seguir o seu caminho, a tornar-me nele. Quem é esse Cristo que assim responde? É esse Eu que, sendo já completo, se torna completo nesse movimento de ir e vir.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Da dinâmica do desejo

Max Pechstein - Três nus numa paisagem (1912)

Os objectos mundanos que solicitam o nosso desejo têm uma dupla característica. Inscrevem-se sempre numa dada paisagem, que pode atenuar ou intensificar, por vezes até ao paroxismo, o desejo. São múltiplos e, desse modo, estilhaçam a intencionalidade do desejo, solicitado por múltiplos focos desejáveis. Descobrimos assim que, devido à inscrição numa paisagem, não há, no nosso estar no mundo, um desejo puro, mas sempre um desejo revestido pela ambiência. Descobrimos ainda que a multiplicidade dos objectos desejáveis fragmenta o desejo e cinde a vontade. Impuro e fragmentário, o desejo abre em nós uma brecha que a vida parece incapaz de cerzir.