Stanley Spencer - Expulsion of the Money Changers (1921)
O episódio da expulsão dos vendilhões do templo é, juntamente com o dai
a Deus o que é de Deus e a César o que é de César, um dos elementos
matriciais da cultura ocidental. Se a separação entre Deus e César prefigura a
separação entre religião e política, a expulsão dos mercadores do templo revela
um topos cuja estrutura merece ser
meditada. Há múltiplas leituras do acontecimento. Por exemplo, Mestre Eckhart,
num dos seus sermões, faz uma leitura simbólica e espiritual, sem qualquer
incidência política e social. A natureza simbólica dos textos evangélicos
implica a existência de múltiplas leituras que não se excluem mas complementam.
Este episódio, do ponto de vista social, não significa apenas a divisão dos
espaços, a separação rigorosa do locus
do espírito do locus do mercado.
Significa também a sua hierarquia. As coisas espirituais estão acima das
questões de mercado, de tal maneira que estas estão impedidas de se misturar
com aquelas. No ideal regulador da vida do ocidente, esta separação e hierarquização
sempre esteve presente, as coisas do espírito estão acima das questões do
mercado e têm sobre estas preeminência.
A modernidade pode ser vista como um processo de subversão desta velha
hierarquia. Lentamente, os mercadores expulsos do templo começaram a invadir as
esferas que não lhe diziam respeito. Infiltraram-se na ciência e na política.
Transformaram a ciência numa cadeia de apoio aos negócios e converteram a
política à protecção do lucro privado dos vendilhões expulsos do templo. A
vingança contra o templo de onde foram expulsos veio a seguir. Veio não apenas
através da conivência entre os guardas do templo e os vendilhões, mas no acto
de substituição do próprio templo. Os bancos são as novas catedrais onde os
mercadores se entregam à corrupção do espírito e à corrosão do carácter dos
homens. A vida, que um dia foi organizada em função do espírito, é agora toda
ela voltada para o mercado e vivida em função do dinheiro. Os mercadores
expulsos por Cristo voltaram e criaram os seus templos, onde o espírito não tem lugar, para invadirem e contaminarem todas as esferas da vida. No entanto, no
fundo dos homens o episódio evangélico da expulsão dos vendilhões não deixa de
ecoar, gerando a sensação de que alguma coisa está mal, de que alguma coisa insensata
inverteu a natureza das coisas, de que o mundo está fora dos eixos.