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sábado, 10 de outubro de 2015

A reconstrução da totalidade

Georgia O'keeffe - Blue and Green Music (1919)

A realidade sensível que nos atinge cinde-se nas portas de entrada da nossa consciência. Sabor, cor, tacto, som e cheiro são já exercícios que resultam de um processo analítico de abstracção imposto pela nossa natureza. Toda a vida espiritual passa pela reconstrução daquilo que foi cindido, num esforço de apreensão do todo que a nossa sensibilidade fragmentou, numa experiência que espera sempre descobrir que o todo é mais do que a mera soma das partes.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Cegueira e sabedoria

Manuel Vega - Caravana de ciegos (1919)

Édipo não é sábio quando responde ao enigma da esfinge nem quando se torna rei de Tebas. A verdadeira sageza chega quando, perante a verdade do seu casamento com Jocasta, ele se cega. Também é no estado de cegueira que Paulo de Tarso acede à suprema sabedoria. Há toda uma tradição que assenta no paradoxo da necessidade de ser cego para poder ver. Como compreender isto? Vale a pena voltar ao livro A da Metafísica de Aristóteles, ao seu início: "Por natureza, todos os homens desejam saber. Um sinal disto está no prazer que têm nos seus sentidos; para além da sua utilidade, eles são amados por eles mesmos; e acima de qualquer outro o sentido da visão. Não apenas quando se visa a acção, mas mesmo quando não se está a fazer nada, preferimos a visão a todos os outros sentidos. A razão é porque a visão, mais que os outros, faz-nos saber e traz à luz muitas diferenças entre as coisas".

O prazer de ver, esse prazer enraizado na nossa natureza, vai muito para além da sua utilidade, permitindo ao homem uma determinada forma de saber. Ora o que o texto de Aristóteles nos diz é que esse saber tem uma natureza analítica, ele faz-nos ver as diferenças, permite introduzir cortes na realidade global. A particularização e especialização que o sentido da vista permite e fomenta acabam por tornar-se numa espécie de alienação e de enviesamento. Preso no prazer de ver, o homem entrega-se  ao divertimento da diferenciação, ao prazer da multiplicação de aspectos da realidade que, desse modo, são cindidos e tornados independentes.

Este saber visual torna-nos cego para a unidade da realidade, prende-nos na multiplicidade e nos jogos que essa multiplicidade permite. O saber natural, por prazer que vê, apenas permite um saber que não é sábio e não o é porque, seduzido que está pela capacidade de diferenciar, é incapaz de perceber a unidade de tudo, o sentido dessa unidade. Por isso, várias tradições sublinham a necessidade da cegueira para ver. Ver não o particular, mas o universal, o todo, aquilo que as diferenças escondem. O mundo é uma caravana de cegos, de cegos que o são porque dependem da visão e do prazer que ela permite. Tornar-se cego para ver é o caminho da sabedoria.