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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Da graça e da força

George Grosz - Kraft und Anmut (1922)

Poder-se-á traduzir o título do quadro de Grosz, Kraft und Anmut, por vigor e elegância. Estaria certamente de acordo com o espírito da obra. No entanto, prefiro outra tradução: força e graça. Graça no sentido daquilo que é gracioso, não no sentido de graça divina, pois em alemão esta graça diz-se Gnade. Este afastamento lexical entre Anmut e Gnade não permite compreender aquilo que é de imediato perceptível em português: o carácter gratuito da graciosidade, da beleza. A graça de uma mulher, a sua elegância, não é uma mera obra sua mas uma dádiva recebida, um dom. e sem ele não há esforço que dê graça a uma mulher. Dito de outra maneira, a graça é uma Graça. Já Kraft reenvia para a ideia de exercício e de esforço. A força ou o vigor são um produto próprio, o resultado de um exercício que pretende transformar a fragilidade do homem em força. Daí, o carácter eternamente rude da força, ao contrário da natureza etérea da graciosidade feminina. 

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Adão e Eva


Uma simbólica essencial inscreve-se no mito de Adão e Eva. Não dirá tanto respeito à queda, mas à tarefa de ressurreição e de emancipação que se coloca aos seres humanos na sequência da queda. Homem e mulher tornam-se um para o outro caminho, mediação, possibilidade. A consumação da feminilidade de toda a Eva passa pela mediação de Adão e vice-versa, a consumação da virilidade de qualquer Adão passa pela mediação de uma Eva. Talvez o sentido mais profundo da indissolubilidade do matrimónio não resida na proibição da separação dos casais reais, mas na indissolubilidade entre o masculino e o feminino na experiência espiritual.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A floresta-mulher


Se o homem é aquele que percorre a floresta, como lenhador ou guarda-florestal, a mulher é a própria floresta. A floresta não é um sítio onde, vinda do exterior, a mulher penetre e procure um caminho. O caminho da mulher é o reconhecimento da sua própria natureza florestal, com os múltiplos caminhos que a atravessam, com a obscuridade que lhe pertence, mas também com as árvores, os fetos, os líquenes e os musgos. Labiríntica, selvagem, suave, ameaçadora e disponível para ser trilhada. O homem percorre a floresta, intui caminhos, tenta orientar-se. A viagem na floresta, para o homem, é um caminho, uma peregrinação. Para a mulher a única viagem na floresta é a da coincidência consigo mesma, o estar plenamente em si, um ser-se na florestidade que a constitui, com os seus trilhos, perigos e segredos. A floresta é o símbolo da eterna inocência feminina; para o homem, é a oportunidade de, ao percorrer os trilhos florestais, tornar-se inocente.