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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O vento

Felix Vallotton - The Wind (1910)

O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz, 
mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; 
assim é todo aquele que é nascido do Espírito. (João 3:8)

Não por acaso, o vento - ou o sopro - é tomado como símbolo da vida espiritual. João diz-nos que nada sabemos daqueles que nascem do espírito. Não sabemos nem a sua origem nem o seu destino. Estão subtraídos à dinâmica da história, como se estivessem acima e para além dela. O vento como símbolo do espírito e da vida espiritual diz-nos ainda outra coisa. O vento suave pode refrescar e tornar a existência aprazível, mas o vendaval tem o poder de destruir. É um equívoco olhar para a vida espiritual como um mero exercício de consolação. Ela é também, e muitas  vezes, a violência que destrói os edifícios anquilosados onde tomou forma e que já não contêm a sua infinita ânsia de liberdade.

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Armar espantalhos

Arturo Souto Feijoo - Espantallo (1934)

Nunca os processos de educação dos seres humanos preparam estes para a liberdade espiritual. Essa liberdade, pela sua vastidão e pela sua profundidade, quando suspeitada, é sentida como um perigo. O espírito tem medo de si próprio, sente-se como uma ameaça para a ingénua tranquilidade em que foi educado. Como o agricultor que vê as suas colheitas ameaçadas pela liberdade das aves, o espírito entretém-se a armar espantalhos para se defender de si mesmo e evitar o confronto com o terrível que a sua liberdade traz.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Liberdade e solidão

Joan Abelló i Prat - Competición motorista en la Isla de Man (1967)

A vida social é marcada por duas orientações que, aparentemente, entram em choque: a competição e a cooperação. Na verdade, estas formas de viver em sociedade referem-se à necessidade de adaptação ao meio que é dado ao homem para viver. A liberdade está, todavia, para além do competir e do cooperar. Começa na assumpção da solidão como ponto de partida da vida do espírito, a qual não se coaduna nem com o fascínio competitivo nem com o instinto gregário do rebanho. A liberdade, como tudo o que é essencial na vida espiritual do homem, exige o confronto com a singularidade de si mesmo e a solidão que essa singularidade exige.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Caçar o tigre

Charles Lapicque - Chasse au tigre (1961)

Pode-se imaginar a caça ao tigre como um momento fundamental de toda a vida espiritual. Não no sentido literal, mas aquilo que no homem pode ser simbolizado pelo tigre, o seu lado selvagem e perigoso. Mas mesmo aqui, caçar o tigre não significa matá-lo ou sequer domesticá-lo. Caçar o tigre significa fazer dele a energia propulsora que permite vencer a gravidade e tornar-se livre como o vento, esse vento que sopra onde quer.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Mito e liberdade

Ker-Xavier Roussel - Cena mitológica

Por muito que a razão se esforce, por muito que ela reivindique a supremacia e a legitimidade, uma legitimidade fundada no conhecimento e, não menos, na técnica, o mito acaba sempre por retornar e invadir a cena do mundo. Com ele triunfa, uma e outra vez, a ambiguidade, a pluralidade de sentidos, as múltiplas possibilidades. Muitas vezes pensa-se que a liberdade está ligada à ordem moral da razão. Podemos, porém, contar outra história e vê-la emergir na plurivocidade que nasce do mito, como se este fosse uma fonte, frágil e equívoca, de onde nascem diversos e caudalosos rios, os quais se abrem à livre navegação.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Na sombra da bandeira

Lorenzo Viani  - All'ombra della bandiera (1911)

A verdadeira vida começa onde acaba a pulsão que conduz os seres humanos a refugiarem-se na sombra de uma bandeira, de qualquer bandeira. Não se trata de uma fuga para a subjectividade, mas de encontrar a vida do espírito. Este não tem bandeiras, nem causas, nem objectivos a realizar.  É pura liberdade e sopra onde lhe apraz. Quando alguém se coloca na sombra da bandeira está morto, pois o que ondula é a bandeira, a causa humana, demasiado humana, que sopra através dela. O que aí sopra é a morte da liberdade.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Da liberdade

Francisco Iturrino - Potros en el campo (1912-14)

Inúmeras vezes se simboliza a liberdade dos homens através da analogia com os animais em plena natureza. Este é um equívoco fundamental. A natureza e a vida dos animais é comandada pela necessidade, pela mais estrita necessidade. A liberdade começa quando, movido pelo espírito, o homem se afasta da manada e limita, tanto quanto pode, a necessidade.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Da tempestade

Léonard Misonne - A Storm Arrive

Também as tempestades fazem o caminho do viandante. Não, não digo que fazem parte do caminho. Digo antes que elas também são o caminho. Fazer parte do caminho seria ainda dizer que se podem evitar, que enfrentá-las ou não está na mais do viajante, no seu arbítrio. Se elas também são o caminho, isso significa que não está nas mãos do viandante vivê-las ou não. Elas impõem-se-lhe, são uma necessidade inexorável, uma disciplina obrigatório num currículo que sendo o seu o ultrapassa infinitamente.

terça-feira, 9 de junho de 2015

A sacralidade do pão

Nicolas de Staël - O Pão (1955)

A natureza sagrada do pão não deriva da Última Ceia e da instituição da Eucaristia por Cristo. Diria antes que essa instituição foi feita porque o pão era já um símbolo sagrado. Nele se conjugava a vitória da humanidade sobre a dura necessidade natural e a descoberta de uma liberdade que eleva o homem acima da natureza. O pão era, na verdade, sentido como um verdadeiro milagre, uma dádiva, um dom, o qual não poderia ser a criação de um mero animal mesmo racional. A racionalidade era sentida como a capacidade de acolher o dom e não de o criar por si mesmo.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

O homem livre

Felix Vallotton - The Wind (1910)

O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito.  (João 3:8)

Nunca deixa de me espantar a visão da liberdade trazida por João. A liberdade do espírito é analogada ao vento e este é visto como possuindo uma vontade que determina onde soprar. O homem perfeitamente livre - aquele que nasceu do espírito - não apenas possui uma vontade livre, mas move-se numa outra dimensão que não a da necessidade, a dimensão que cabe aos homens que apenas nasceram da carne. Move-se de e para onde toda a necessidade cessou. 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Nos caminhos que se cruzam

JCM - Black & White Dreams (2014)

Imaginar a viagem como um exercício infinito de escolha entre caminhos que se cruzam. Uma viagem sem mapa, sem roteiro, sem bússola. O viandante, despido de todos os dispositivos de orientação, entrega-se  à pura disposição da graça, como se cada escolha fosse, ao mesmo tempo, a realização da mais pura liberdade e o cumprimento de uma insuperável necessidade.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Do aparente improviso

Albert Bloch - Impromptu (1959)

Não, não é improviso aquilo que, na viagem, pode ter essa aparência, por ausência de planeamento prévio. Não se trata de responder às solicitações do caminho, da vida, ao acaso ou de forma casuística. Aquilo que tem a aparência de um improviso, como um impromptu musical, não é mais do que a expressão da mais funda liberdade do viandante, daquilo que, através dessa liberdade, necessariamente se exprime. Em todo o aparente improviso, devemos aprender a ler a expressão de uma ordem que antecede e supera as pequenas ordens que o pobre planeamento humano traz consigo.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Um grão de areia na duna

Brett Weston - Dune, Oceano (1934)

Recebemos uma estranha educação. Devido a ela, o homem convence-se que é livre quando, de ego inflacionado, impõe aos outros a sua vontade. Não estranha que liberdade e império possam conflituar. A liberdade, porém, nasce da ausência de ilusões sobre si mesmo, nasce quando o homem se descobre como um grão de areia perdido na imensidão da duna.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Liberdade condicional

Ivonne Sánchez Barea - Liberdade condicional (2000)

De certa maneira, o que relativiza já a afirmação, a velha discussão sobre se o homem possui livre-arbítrio ou é completamente determinado na sua acção é ociosa. Talvez seja mais sensato pensar o homem sob a figura da liberdade condicional. Como a liberdade condicional de um condenado, também a liberdade condicional de cada homem pode, a qualquer instante, ser revogada. Não por um qualquer juiz exterior, mas por si mesmo, pela submissão àquilo que, pelo ardil do desejo, o prende. Se a nossa liberdade é sempre condicional, o caminho do homem na Terra é um infinito processo de libertação.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O homem livre

Ignacio Iturria - Armário genealógico (1998)

Todos transportamos o peso do passado. Nobres ou plebeus, os homens são verdadeiros armários genealógicos, de onde salta o passado para nos assombrar ou consolar, para nos oprimir ou incendiar o orgulho de casta. O homem livre, porém, deixou a árvore genealógica e, separado das raízes, é uma semente que vai onde o vento a levar. Não tem pai nem mãe, não tem genealogia.

domingo, 17 de novembro de 2013

A libertação do destino

Raquel Forner - Destinos (1939)

Se o viandante se põe a caminho não é para cumprir um destino ou para certificar a inexorabilidade de um fado. Não, o pôr-se a caminho do viandante visa enfrentar o destino e dissolver a fatalidade. A vida espiritual é a aprendizagem íntima de ser livre, a conquista da liberdade. Não da mera liberdade social, mas da liberdade que nasce da emancipação da fria e cruel necessidade, que nasce da libertação de todos os fados e de todos os destinos.

sábado, 21 de setembro de 2013

A condição da liberdade

Ivonne Sánchez Barea - Liberdade condicionada (2000)

O homem recebeu duas qualidades que parecem incompatíveis. A liberdade e o estar condicionado. A liberdade começa por ser uma liberdade condicionada. Mas a viagem que se apresenta como destino do Viandante tem por finalidade torná-lo aquele que é, sobre a Terra, a condição de toda a liberdade.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

O espírito e a liberdade

George Seurat - Cows in a Field (1882)

A ideia de disciplinar o espírito, de o submeter a uma pesada e rigorosa regra, pode ter um certo valor instrumental. Amestrado, poderá servir para fins que lhe são estranhos. Um espírito que serve fins que lhe são estranhos nunca deixará de ser um espírito servil. A rigorosa disciplina pode ser o mais terrível dos equívocos. A vaca que queremos prender revolta-se, esperneia, fustiga o agressor. Livre, em campo aberto, ela encontra o seu lugar e tranquilamente faz o seu caminho. Assim é o espírito. Desacorrentado, aberto à liberdade, esquecido das servidões, ele encontrará o seu caminho e o seu lugar, que não é outro senão o caminho que encontrar. Quantas vezes, porém, para descobrir a liberdade, o espírito precisa de passar pela servidão da disciplina?

domingo, 5 de maio de 2013

Um espaço para a liberdade

Giorgio de Chirico - El enigma de la fatalidad (1914)

O determinismo - crença de que tudo o que acontece se regula por uma causalidade necessária - é uma espécie de secularização do fatalismo metafísico. Uma providência inescrutável determina a priori a ordem do mundo e o destino de cada um. Muito curiosamente, não foi a ciência moderna que libertou os homens da pesada mão da fatalidade mas as religiões, na sua dimensão de experiência espiritual. A liberdade foi uma criação do espírito religioso - e de forma absolutamente acentuada do espírito do cristianismo - que abriu uma brecha entre a fatalidade metafísica e o determinismo secular, lembrando aos homens que são feitos para a liberdade, fornecendo-lhes mesmo métodos de emancipação e de libertação da subjugação à pura necessidade. Na verdade, aquilo que está em causa nas religiões - apesar de tantas vezes obscurecido - é esta possibilidade de ser livre, é esta proposta de emancipação da fatalidade do mundo.

sábado, 6 de abril de 2013

O horror da história

Adam & Christ Composição de duas pintuas de Hans Bauldung Grien ("Adam" e "Crucifixion") (ver aqui)

A reorientação de toda a vida humana numa direcção que não é imediatamente perceptível à inteligência natural do homem é o trabalho característico do Cristo, segundo Adão. É a reparação do mal causado à raça humana. O segundo Adão chega, e encontra o homem na desordem mais profunda, no caos e na desintegração moral onde o mergulharam os pecados do primeiro Adão e de todos os nossos antepassados. O Cristo descobre Adão, a raça humana, como a ovelha perdida que Ele reconduz para via que ela seguia antes de se ter afastado da verdade. (Thomas Merton, Le Nouvel Homme)

Sem esta relação entre Adão e Cristo, o segundo Adão, todo o cristianismo é incompreensível. Adão é a própria humanidade, a humanidade que se afastou da verdade e se perdeu no caminho. As palavras usadas por Merton para descrever a situação existencial do homem são esclarecedoras: desordem, caos, desintegração. Mesmo para aqueles que o símbolo da queda nada significa, a história dos homens é a prova evidente da situação existencial em que a humanidade está mergulhada. Toda a nossa história, e também as fases anteriores da existência humana, são marcadas por esses três conceitos. A desintegração moral, a desordem social e o caos existencial são os verdadeiros conteúdos da história, aos quais o homem vai tentando opor os seus débeis esforços.

Percebido a partir deste ponto de vista, o cristianismo é uma resposta ao horror da história, a tudo o que de inqualificável o homem fez e faz ao seu semelhante e a tudo o que o rodeia. Só por isto, o cristianismo é um acontecimento decisivo nessa mesma história. Decisivo não porque seja mais um dos eventos que constroem o horror, mas porque abre uma brecha na muralha de horrores que nos circunda. Se o primeiro Adão significa a humanidade que se afasta da verdade e, por isso, vive na desintegração, na desordem e no caos, Cristo, o segundo Adão, significará uma humanidade reconciliada com a verdade e que encontra o caminho da integração, da ordem e do cosmos. O judaísmo tinha e tem a vinda do Messias como expectativa a realizar no futuro. O cristianismo mostra que Ele já se encontra aqui, que a cada momento nós podemos optar pelo velho Adão ou pelo novo Adão. A vinda de Cristo significa que a liberdade do homem foi restaurada e que, certamente com o auxílio da graça, podemos optar pela verdade.