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sábado, 15 de fevereiro de 2014

O turista e o peregrino

José Bellosillo - Adentrándome (1992)

Há duas formas de fazer o caminho que se abre ao chegarmos à vida. Podemos ir de estação em estação, percorrendo múltiplos e diversos caminhos como se, apesar da diferença, fossem o mesmo. Podemos, todavia, fazer o caminho sem sequer sairmos do local que nos cabe, penetrando-o mais e mais, percebendo a sua espessura, compreendendo-o na diferenciação que constitui a sua identidade. No primeiro caso, escolhe-se a via do turista. No segundo, a do peregrino.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

O eco do Espírito

Hans Baldung Grien - Adão e Eva (1511)

Há muito que a Igreja Católica viva obcecada com o sexo. Ao longo dos tempos, a paranóia com o comportamento sexual das pessoas adultas substituiu o papel de acolhimento e, acima de tudo, de criação de espaços para uma experiência espiritual profunda. Pela primeira vez, na minha vida, vejo um Papa a dizer estas evidências. Estas posições de Francisco, embora não de forma explícita, sublinham duas coisas essenciais nos tempos de hoje. Em primeiro lugar, o respeito pela autonomia das pessoas e pelas suas decisões privadas. Em segundo lugar, a necessidade de colocar a Igreja não no lugar do professor de moral, mas no de peregrino que acolhe outros peregrinos, aqueles que se perderam na errância, os viandantes transviados, os filhos pródigos. Em suma, todos nós. Não para lhes dar lições de moral, mas para os ajudar na viagem. Nas palavras de Francisco ouve-se o eco do Espírito.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

O jockey enquanto figura

Toulouse-Lautrec - The Jockey (1899)

Olhamos o quadro de Toulouse-Lautrec e corremos o risco de nos deixarmos arrastar pelo hábito e pelas ilusões que este introduz no nosso julgamento. A ilusão está em centrarmo-nos no carácter desportivo e competitivo representado, a corrida de cavalos e as apostas. O jockey pode, todavia, ser olhado como uma figura metafísica, como uma metáfora do viandante. Não é a competição que está em jogo, mas a harmonização entre o homem e o cavalo, entre razão e natureza, entre aquele que peregrina e o veículo da peregrinação. Não se trata de dominar o cavalo, de lhe impor um caminho, mas de se fundir com ele, durante a viagem, de serem apenas um. Como se, pela arte de cavalgar, a separação que cinde o homem em dois fosse cerzida e, naqueles instantes, o homem tivesse um vislumbre da sua verdadeira natureza.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Caminhos entrelaçados

Virginia Lasheras - Caminos entrelazados (1993)

A viagem, à primeira vista, parece um acto solitário. Um viandante sente o apelo à procura de si, à busca da verdade, e toma, em solidão, o caminho. Com o decorrer do tempo, quer a viagem se faça por senda direita, quer o viajante se perca em labirintos, descobre-se que toda a viagem é um entrelaçamento de caminhos, dos caminhos vários que cabem ao viandante percorrer, mas também um entrelaçamento com os caminhos de outros viandantes que, também eles, sentiram um solitário apelo à viagem. Torna-se assim a viagem num exercício de comunidade, na construção de uma comunhão entre indivíduos que procuram, um exercício de solidões discretamente partilhadas.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A via do viandante

Ernst Ludwig Kirchner - Il sentiero dell'alpe; Sentiero di montagna-paessagio montano con alpeggio (1921)

Muitas vezes pensa-se que, em oposição aos caminhos batidos, às sendas mil vezes palmilhadas, o viandante deve inventar novas rotas, caminhos que sejam singulares e só por ele transitáveis. Abrir um caminho não seria, nesse sentido, rasgar a terra por onde os outros passassem, mas dar o exemplo de encontrar o seu próprio caminho, de afirmar a sua singularidade, de se mostrar único. Tudo isto, por interessante que possa ser, ilude uma outra questão mais decisiva. O importante não é o caminho que se faz mas a forma como se caminha, como se viaja, como se peregrina. O inédito de cada viagem e a novidade de cada peregrinação não residem na estrada que se toma, mas na forma como o viandante a percorre. Não há via fora do viandante e aquele que ainda se preocupa com que estrada deve tomar, por muito que ande nunca sairá do lugar onde está.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Via Crucis

De onde vem e para onde vai o homo viator, o viandante que percorre os caminhos do mundo? Se escutarmos a voz do cristianismo, o viandante vai de Adão para Adão. O mundo surge assim como uma longa peregrinatio de si para si mesmo. Como Ulisses, o viandante sai da aprazível Ítaca para a guerra de Tróia. De certa maneira, Ulisses é o homem caído, um Adão helénico, sendo a queda simbolizada pela saída da pátria para a multiplicidade do mundo, da qual a guerra é a metáfora mais acabada. Mas, como o filho pródigo, também Ulisses tem necessidade de retornar ao seu estado adâmico original e empreende a viagem de retorno, uma viagem cheia de armadilhas e perigos. Ulisses é então o peregrino que se perde na terra estrangeira até encontrar, com o beneplácito dos deuses, a graça, dir-se-á em linguagem cristã, o paraíso perdido. O viandante é ao mesmo tempo Adão e Ulisses, mas o Adão que é expulso do paraíso só retorna a ele como Cristo, o crucificado. A peregrinatio do viandante é a via crucis que o leva do primeiro ao segundo Adão. Os caminhos que percorre só podem então ter dois sentidos: ou conduzem ao engano, à ilusão e à delapidação de si, ou apontam para o paraíso de onde Adão e Ulisses foram, por uma necessidade imperiosa, postos fora. Mas saberá o viandante destrinçar um e outro? Quantas vezes não é o caminho do engano, da ilusão e da delapidação de si uma autêntica via crucis? Mas sabê-lo-á aquele que a está a trilhar?