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terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A sombra da água (36)

Francis Smith, Le Port à Honfleur, 1958 (Gulbenkian)

Portos são grandes armazéns de segredos e mistérios. Neles, se conjuga a sombra oceânica da água e a assombração dos navegadores. O marulhar da ondulação no cais é a música encantatória por onde se perdem, em noites sem mácula, a virgindade dos segredos e a textura dos mistérios.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A sombra da água (35)

John Ruskin, A River in the Highlands, 1847

O lento fluir da manhã traz consigo a bruma das montanhas e o ar frio das terras altas. Os homens suspendem a viagem sem finalidade e cantam o enigma das águas, a luz de coral que se desprende da aurora, o leve estremecer das árvores tocadas pelo espírito do rio. Então, acorda-se do sonho e o mundo renasce virginal perante os atónitos do viandante.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

A sombra da água (34)

Luís Noronha da Costa, Mar Português, 1982 (Gulbenkian)

Um mar que se encerra dentro de um adjectivo perde-se de si mesmo, torna-se uma água coalhada pelo pulsar das palavras, uma visão de sangue espumejante a fugir pela areia das praias, um rasto de luz a ferir-se na solidez das rochas, uma promessa de fuga desfeita pela linha do horizonte.

sábado, 31 de agosto de 2024

A sombra da água (33)

Gustave Courbet, The Wave, 1869-1870

Na onda manifesta-se o poder oculto da água. As forças da luz e das trevas combinam-se e a terra recua perante o avanço desse exército invencível, incendiado pelo vento, soprado pelo fogo, até que a água adormece no frio calor das areias.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

A sombra da água (32)

Henry Peach Robinson, Atlanta, 1896

A água da memória desce como uma sombra. Envolve mundos que desapareceram, destinos consumados, a certeza dos desejos triunfantes e dos que se perderam na mecânica dos corpos. Se abrirmos a sombra, como quem abre um embrulho delicado, descobriremos os mundos que vivem no silêncio dos genes herdados na hora em que fomos concebidos.

domingo, 16 de junho de 2024

A sombra da água (31)

Bernardo Marques, Tejo (Gulbenkian)

Também as águas trazem, na sua memória mais arcaica, o coral de mercúrio da solidão. Por elas se aventuravam, como cavaleiros enlouquecidos, marinheiros experimentados que tinham perdido o desejo da terra. De um pequeno batel faziam o seu palácio e, embalados pela leve ondulação, esperavam a hora que um outro mundo para eles se abrisse.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

A sombra da água (30)

Albrecht Dürer, Study of water, sky and pine trees, 1495-6

Era uma água tornada sombra, animal que se metamorfoseia para se confundir com o ambiente. Esconde-se para evitar os monstros do dia e ser esquecida pelos fantasmas da noite. Água perdida na errância, esquecida do caminho que da terra leva ao oceano.

domingo, 7 de abril de 2024

A sombra da água (29)

W. Eugene Smith, Iwo Jima, 1945

Também pela água chega, como uma milícia, a sombra da morte. Traz com ela uma lua de coral para alumiar os que entregam a alma à floresta do silêncio e deixam o corpo abandonado sobre as areias, onde poisarão bandos de gaivotas e anjos confundidos pelo calor da batalha.

terça-feira, 26 de março de 2024

A sombra da água (28)

Arthur R. Dresser, Die Klippen von Corbière im Sturm, 1891

Também da água se deve dizer que possui, no seu íntimo, a virtude da audácia. Não é fúria ou raiva, tão pouco um exercício de cólera que move as águas tempestuosas, mas a pura coragem de enfrentar a dureza das rochas, o destemor de querer abrir um caminho naquele lugar onde caminho algum parece possível.

domingo, 3 de março de 2024

A sombra da água (27)

Fernando Calhau, sem título #441, 1980 (Gulbenkian)

A água é uma sombra projectada sobre a superfície da Terra. Avança fremente pelos canais desenhados por um arquitecto preso ao flúor da alucinação, rasga as velhas rochas para descobrir um caminho nunca pensado, cobre os abismos para que os mortais possam descansar os seus olhos sem temer a dor da queda.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A sombra da água (26)

Piotr Mondrian, Farm with Trees and Water, 1906

É uma água sem o sal da viagem, sem a sombra das noites. Irrompe pura na Terra ou cai solícita dos céus. Nela, não há navios, nem os pescadores procuram a harmonia dos peixes. De noite, murmura canções tecidas com o fio do silêncio; de dia, deixa que da sua boca se evapore um hálito de rosas.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

A sombra da água (25)

Ricardo da Cruz-Filipe, Mar n.º 1, 1983 (Gulbenkian)

Sento-me a ver o mar. Oiço o cântico das ondas, prescruto-lhes o ritmo, escando, no silêncio da praia, cada verso que traz e leva, como uma sombra de seda, a água salgada. Em transe, observo o oceano desdobrando-se, tomado pela inquietação que se abre no ventre da manhã rasgada pelos dardos do Sol.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

A sombra da água (24)

François Boucher, The Waterfalls of Tivoli, 1730

As águas caem como sombras inquietas sobre a terra. Tomadas pela ânsia, precipitam-se do alto da montanha. Anima-as um desejo de fogo, um chamamento vindo de longe. Querem ser rio para deslizar pelo leito escavado na rocha e encontrar na imensidão secreta do oceano o lar de onde partiram.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

A sombra da água (23)

Carl Rottmann, Santorini (Thira), c. 1843

Olha as águas e a luz fulminante cega-me, como se no fundo germinassem monstros luminosos ou fantasmas iridescentes, como se um enigma subisse à superfície e se entregasse a uma incansável cintilação. Fecho, então, os olhos e toda a luz aquática reflui para o centro sombrio do meu corpo. 

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A sombra da água (22)

Karl Schmidt-Rottluff, Lua sobre a costa, 1956

Uma solidão construída com a minúcia das coisas vagarosas abre-se nas águas que se acolhem na fantasia da costa. Ilumina-a uma lua feita de promessas vagas e juras eternas. Então, a água move-se e rompe a linha do horizonte, onde o dia e a noite se tocam, e o céu e a terra se confundem.

sábado, 14 de outubro de 2023

A sombra da água (21)

Paul Signac, Venice, Grand Canal, 1904

Os canais abrem-se lentamente para que a água deslize, fecunde a terra e proteja a cidade dos grandes calores e do desvario da severidade dos tempos. Os barcos são cavalos de silêncio. Passam como se fossem chamados de um outro mundo, de uma outra terra feita de sombras, sal e silêncio.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

A sombra da água (20)

Andreas Achenbach, Storm at Sea off the Norwegian Coast, 1837

Espuma de tempestade, ondas de revolta, o império da água mostra as suas garras, impenitente e impiedoso. Ensurdecido com o seu grito, não escuta o ruir dos rochedos nem as orações dos homens. Vai e vem, como se toda a paz fosse um perjúrio, como se toda a tranquilidade, uma traição.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

A sombra da água (19)

Piet Mondrian, Farm with trees and water, 1906

Água de ambrósia envolta no âmbar do acaso. Assim, arrastado pelo ritmos da assonância, pensou o poeta a essência obscura da vida, pois nesta tudo é um fluir ora delicado, ora tempestuoso, como se fosse a sombra de um cedro no Verão ou o cio primaveril de um animal divino.

sábado, 19 de agosto de 2023

A sombra da água (18)

Jacob van Ruisdael, Wooded Landscape with Waterfall and Approaching Storm, c. 1655 [Städel Museum, Frankfurt am Main]

Toda a água contém em si, como uma sombra nascida no princípio do tempo, uma inclinação para a tempestade. Umas vezes, o tempestuoso reside na própria água. Noutras, são elas que o chamam, para que, negro e ameaçador, traga cerzida na desordem a anunciação de uma nova ordem.
 

domingo, 30 de julho de 2023

A sombra da água (17)

Thomas Joshua Cooper, Cabo de São Vicente (meia-noite), 1994

Produzidas na fábrica do silêncio, as águas da meia-noite vestem-se como viúvas a quem o mar roubou os maridos. Então, murmuram canções desconhecidas que o vento, tocado pela maresia, transporta para terra, como se anunciasse a vinda de um mundo novo nascido do cristal salgado dos oceanos.