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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O frio invernoso

George Wesley Bellows - A Morning Snow - Hudson River (1910)

Nos ciclos da vida espiritual não é importante apenas a sua natureza cíclica, o facto de uma estação antecipar já a próxima, como se a vida fosse uma deriva em espiral. Em cada estação - como nas estações da via crucis - há que permanecer na natureza que a constitui e abrir-se à experiência a que ela convoca. Também o frio invernoso faz parte do caminho do viandante, nessa aproximação infinita à voz que o chama.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Via Crucis

De onde vem e para onde vai o homo viator, o viandante que percorre os caminhos do mundo? Se escutarmos a voz do cristianismo, o viandante vai de Adão para Adão. O mundo surge assim como uma longa peregrinatio de si para si mesmo. Como Ulisses, o viandante sai da aprazível Ítaca para a guerra de Tróia. De certa maneira, Ulisses é o homem caído, um Adão helénico, sendo a queda simbolizada pela saída da pátria para a multiplicidade do mundo, da qual a guerra é a metáfora mais acabada. Mas, como o filho pródigo, também Ulisses tem necessidade de retornar ao seu estado adâmico original e empreende a viagem de retorno, uma viagem cheia de armadilhas e perigos. Ulisses é então o peregrino que se perde na terra estrangeira até encontrar, com o beneplácito dos deuses, a graça, dir-se-á em linguagem cristã, o paraíso perdido. O viandante é ao mesmo tempo Adão e Ulisses, mas o Adão que é expulso do paraíso só retorna a ele como Cristo, o crucificado. A peregrinatio do viandante é a via crucis que o leva do primeiro ao segundo Adão. Os caminhos que percorre só podem então ter dois sentidos: ou conduzem ao engano, à ilusão e à delapidação de si, ou apontam para o paraíso de onde Adão e Ulisses foram, por uma necessidade imperiosa, postos fora. Mas saberá o viandante destrinçar um e outro? Quantas vezes não é o caminho do engano, da ilusão e da delapidação de si uma autêntica via crucis? Mas sabê-lo-á aquele que a está a trilhar?