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sexta-feira, 5 de abril de 2024

O Espírito da Terra (29)

Autor desconhecido, Hawaiian Tree Study, 1900-1910

É uma terra tocada pela sombra da solidão. Os que por ela caminham trazem nas veias o sangue tocado pela substância porosa da loucura. Sentam-se sob a copa das árvores e esperam que o espírito lhes sopre nos ouvidos o caminho a seguir. Então, levantam-se e enfrentam o horizonte com a resina luminosa do poente.

sábado, 13 de janeiro de 2024

O Espírito da Terra (28)

Bartolomeu Cid dos Santos, Terra Incógnita (Gulbenkian)

Nenhuma terra é como esta. Uma terra coroada de mistérios e enigmas, uma terra atravessada por rios cintilantes e caminhos escavados na púrpura das paisagens. Habitam-na seres que trazem na boca o bastão das palavras. Quando assentam arraiais, constroem aldeias e cidades, onde se entregam à lenta decifração dos segredos ou ao cansaço das noites polvilhadas de sonhos.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

O Espírito da Terra (27)

Louis Eysen, The Earth Pillars by the Schalderer Bach near Vahrn, 1878

Também a Terra assenta em poderosos pilares, não de cimento ou nascidos na rocha dura, mas mais fortes e resistentes que o diamante. O espírito, na sua constância inconstante, é a matéria de dos pilares da Terra. Invisíveis na sua presença, invisíveis no seu ser, eles erguem a Terra e não a deixam afundar no abismo eterno. São o espírito da Terra.

segunda-feira, 10 de julho de 2023

O Espírito da Terra (26)

Daniel O'Neill, Returning Home, 1956

Quem volta ao lar pisa o chão com leveza, para que a terra permaneça silenciosa e, envolta no seu silêncio, deixe que o espírito que a guia conduza quem se fez ao caminho para retornar ao lugar que é seu, como se voltasse ao paraíso de onde fora há muito expulso.

quarta-feira, 1 de março de 2023

O Espírito da Terra (25)

Charles Job, Ploughing on the South Downs, 1907

Rasgar a terra para que dê fruto e o homem se alimente não do pão que dela nasce, mas do espírito que se liberta pelo infindável labor de cada dia. Então, o homem falará e, nas suas palavras, ecoará o espírito da terra, o rumor da casa onde nasceu e que o aguarda para o fazer escutar a última, a mais decisiva das palavras.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

O Espírito da Terra (24)

Albert Renger-Patzsch, Heidesheim (Sandaue), 1940s

Sob a erva a terra esconde-se, para que nela a vida, como um segredo, possa germinar. Tudo o que nasce vem do silêncio da terra, de uma lenta urdidura, para que a novidade chegue envolta no véu transparente da surpresa. Os dias passam como anéis deslumbrantes de mármore, que se recolhem em dedos afilados, enquanto, no solo, cresce o odor daquilo que, ainda sem nome, virá.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

O Espírito da Terra (23)

Frederick Britton Hodges, November skies, c. 1915

Sob os céus de Novembro, a terra recebe os pesados encargos que o homem lhe trouxe. Serva submissa e fiel, entrega a sua pele para o livre devaneio ou a imperativa necessidade dos homens. As nuvens sorriem-lhe, e as árvores despem-se para que as suas folhas, ao morrer, a cubram e lhe levem o alimento que a tornará uma e outra vez criança mergulhada no rubor da inocência.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

O Espírito da Terra (22)

Gertrude Käsebier, Blossom Day, 1904-05
Os dias em que a Terra se elava pela metamorfose de um botão em flor são marcos miliários no caminho da glória. O sólido e árido crucificam-se para que a seiva corra como um rio em busca da foz. Então, chega a hora em que a beleza se manifesta e tudo o que pertence à Terra se transforme em puro espírito.

sábado, 1 de outubro de 2022

O Espírito da Terra (21)

Benvenuto Benvenuti, Avanti il tramonto, 1908

Ao pôr-do-sol, a terra liberta-se do cansaço do dia e, por instantes, deixa reverberar todas as cores que a habitam. Depois, deixa que as aves se calem e  os animais se escondam para dormir. Então, chama a noite e, embalada pelo vento, adormece até que a aurora chegue com a promessa de um novo dia

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O Espírito da Terra (20)

Artur Pastor, Santa Luzia, Algarve, da Série Outras Geometrias, anos 40-50 (ver aqui)
A brancura que se exalta de luz na luz de um olhar, a cantaria gasta pelo arrastar dos anos e o sopro dos ventos vindos do mar, as redes que trarão o que comer, se marés estiverem de feição. Também onde o oceano impera se faz ouvir no bramir das águas a voz da terra.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

O Espírito da Terra (19)

Artur Pastor, da exposição Montalegre, Pequeno Grande Mundo (2022), anos 50 do sec. XX (visitar o site dedicado a Artur Pastor)

A vida rude abre-se ao olhar, banhada pela intensa luz do abandono e do esquecimento. Nesta pobreza feita de contenção, de gestos medidos pela força dos dias e das noite, ouve-se a canção da Terra. Esta ergue a sua voz de vento e silêncio e deixa que o seu espírito, tomado pela quietude da inquietação, sopre onde quiser, ora como vendaval, ora como zéfiro benfazejo.

domingo, 31 de julho de 2022

O Espírito da Terra (18)

Otto Scharf, Memento Mori, 1902
Também a morte faz parte do jogo sem fim em que se manifesta o espírito da Terra. Recordar-se como mortal é abrir uma das portas que levam à compreensão desse espírito, à solenidade com que ele cobre  de bênçãos tudo o que é finito.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

O Espírito da Terra (17)

W. Rothermundt, Eckbauer bei Garmisch in Oberbayern, 1900

No agreste da montanha, a terra fala no silêncio com que acolhe a luz do dia e o céu estrelado da noite. Quando o vento assobia, se se encoleriza por algum desejo frustrado, a terra escuta-o, como se escutasse a voz de um deus perdido na floresta da solidão.

terça-feira, 5 de julho de 2022

O Espírito da Terra (16)

 Lee Miller, Oasis village (Egypt), 1936
Se pensarmos no sistema solar a que pertencemos, a Terra é um pequeno oásis na imensidão desértica. Se olharmos para a própria Terra, também esta é um jogo entre o deserto e o oásis. Este é a diferença específica que distingue o planeta onde vive o homem de muitos outros que habitam os espaços celestes. E aquilo que distingue é a marca do espírito, desse espírito da Terra que vê em cada oásis um vestígio do paraíso.

terça-feira, 21 de junho de 2022

O Espírito da Terra (15)

Julius Strakosch, Fin du Jour, 1895

A brancura urdida pela neve deixa-se tomar pelo crepúsculo. Não tarda, será cinza perante os olhos cansados que para ela olham. Depois, quando a noite se aproximar, o espírito da terra, como a ave de Minerva, levantará voo, para que do alto possa cuidar de quem vive rente ao chão.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

O Espírito da Terra (14)

Autor desconhecido, Cypress Trees on Side of Roadway, 1912

Nos ciprestes, oculta-se, dia e noite, o espírito da terra. Feito de silêncio, ele apodera-se das raízes, transforma-se em seiva pura e, levado pela ramagem, ergue-se aos céus, como se estes fossem a sua própria casa. 

domingo, 5 de junho de 2022

O Espírito da Terra (13)

Léonard Misonne, Crépuscule, 1908

Ao cair da noite, nesse momento a que se dá o nome de crepúsculo, as potências da luz entretêm um breve diálogo com as das trevas. Asseguram que a Terra não ficará para sempre cativa pelas grades da escuridão e que o seu espírito se libertará para, num novo dia, fruir os grandes prazeres trazidos pelos dardos incendiados pelo Sol.

domingo, 22 de maio de 2022

O Espírito da Terra (12)

Otto Scharf, Waldbach, 1902

O som do silêncio não deve ser tomado como uma figura de retórica, mas tido como a descrição de uma realidade. Quando a floresta é sulcada pelo murmúrio das águas de um pequeno ribeiro, o que se ouve é o próprio silêncio, aquele que habita no centro dos elementos, no coração da terra e na seiva das águas.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

O Espírito da Terra (11)

Leonard Misonne, Sortie de la Gare, 1939

Dir-se-á que nada haverá de mais estranho ao espírito da terra do que a parafernália tecnológica, o maquinismo onde o ferro exerce o seu império despótico e arranca os homens à lentidão do passo animal. Contudo, não há como o caminho de ferro para fazer sonhar com grandes viagens em que os olhos devoram a terra que diante deles passa, em contínua mutação, sempre com novo espírito. Partir e chegar num comboio é ainda uma visita ao que há de mais enigmático neste nosso planeta.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

O Espírito da Terra (10)

Jean Dieuzaide, Vue aérienne, Montagne Noire, reboisement, 1968

Há em nós, seres humanos, uma alucinação persistente. Cremos que tudo o que existe está à nossa disposição. As velhas florestas estavam aí para que tivéssemos madeira. Exauridas, a terra fica disponível e não hesitamos em reflorestar aquilo que despimos. Estamos convencidos de que as novas florestas substituirão as que destruímos. Não compreendemos, porém, que uma floresta não é o produto do trabalho humano, mas a lenta maturação da natureza, na qual as árvores escolhem o seu lugar, para se abrirem aos céus e mergulharem as raízes na fundura da Terra. Criar autênticas florestas é um trabalho para o qual não nos foi outorgado poder.