Johan Thorn Prikker - A noiva (1892-3)
Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado
Cristo. Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava
desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo
poder do Espírito Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e não queria
difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nisto, eis que
o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não
temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito
Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele
salvará o povo dos seus pecados.» Despertando do sono, José fez como lhe
ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. (
Mateus 1,16.18-21.24a) [Comentário proveniente da liturgia grega
aqui]
O texto escolhido para hoje estabelece o vínculo entre uma filiação e
uma função. Contudo, o vínculo funda-se num mistério e exige uma atitude. A
função do Filho de Maria é a de ser Cristo, o Messias, aquele que salvará o
povo da errância. O vocábulo σωσει (terceira pessoa do
singular do futuro do indicativo do verbo σωζω) remete
para um amplo campo semântico. O verbo σωζω significa
libertar, proteger, curar, preservar, salvar, mas também guardar, guardar na
memória, perdoar, não matar. Na figura e função de Cristo encontramos plasmadas
todas estas significações. O vínculo com a filiação – que faz a conexão com
David – mostra que esta função tem uma natureza real. Real porque se inscreve
numa determinada estirpe, a de David, que tem por função reinar, mas real também porque produtora
de realidade.
A salvação, a obra do Messias, é então uma
obra de conferir realidade ao que a tem diminuída. Por isso, por esta
dimensão ontológica da função atribuída ao Filho de Maria, se percebe por que motivo
ele é um libertador, um protector, um salvador, um guardador. Liberta os homens
de um determinado estado em que eles se encontram diminuídos, protege-os da
queda nesse estado, cura-os e guarda-os da deficiência ontológica em que se
encontram. É esta função que, apesar de real, se inscreve no mistério.
A experiência humana corrente é a da deficiência
ontológica, é a da errância, é a da falta que o homem sempre sente mas que, mesmo
se dotado de uma vontade poderosa, nunca consegue colmatar. É a sua natureza
finita e falível, pensará submetido ao âmbito da experiência empírica. Que ele
possa ser outra coisa, não pode deixar de ser, para si mesmo, um mistério. Este
mistério requer o mistério da imaculada concepção do próprio Salvador. Ele é um
homem mas não é um homem. A sua natureza plenamente humana é mais que humana e
o mistério da sua concepção é o testemunho desse excesso de natureza.
Haverá um caminho para o homem compreender esse mistério? Segundo o
texto, fica claro que existe um caminho para a compreensão do mistério. Para
uma consciência moderna, educada na crítica e na recusa de qualquer autoridade
que não a razão, é o mais terrível, cruel e decepcionante dos caminhos, o da
obediência. José figura todos aqueles que se abriram ao mistério da natureza
humana, ao mistério de que ela possa ser outra coisa para além de matéria
corruptível, e obedeceram à voz interior que por eles chamava. Ele fez o que lhe
foi ordenado, isto é, obedeceu e recebeu a sua esposa, abriu-se ao mistério,
abriu-se àquele que, no fundo do seu ser, chamava por ele. Não rejeitando o
filho de Maria, José não se rejeitou a si mesmo, não rejeitou o que de
salvífico e libertador tinha em si mesmo, não rejeitou tornar-se efectivamente real, de se tornar naquilo que ele efectivamente era.