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terça-feira, 4 de março de 2014

Para além do homem

Francis Bacon - Man Kneeling in Grass (1952)

                                         Digno de compaixão é o homem que não ultrapassa o homem (Séneca).                                                                                       
Ser mais que homem é o desejo inscrito no coração da humanidade, como se a ideia de se ser aquilo que se é fosse escandalosa e digna de compaixão. Nesta ânsia de ultrapassagem podemos pensar com Nietzsche o sobre-homem, mas também podemos pensar o não homem, a não humanidade. Esta não significa obrigatoriamente uma inumanidade entendida como barbárie e ferocidade animal, mas algo que seja incomensurável com o homem. Por exemplo, Deus que permanece inefável para o discurso humano.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Do céu, da terra e do homem

José Ramón Zaragoza - Prometeo encadenado

Há dias, perante uma certa polémica que se levanta em torno de figuras como Slavoj Zizek e Alain Badiou, alguém me acusou de ser humanista. Zizek e Badiou, dois pensadores com bastante destaque mediático nos dias de hoje, são herdeiros da tradição anti-humanista que cresceu em França à volta do estruturalismo. Os pensadores estruturalistas, em oposição ao existencialismo de Sartre, vieram declarar a morte do homem. As posições humanista e anti-humanista tiveram em Portugal representantes fora do campo da filosofia. Vergílio Ferreira e Eduardo Prado Coelho, respectivamente. Não sendo eu um particular adepto das posições de Zizek e de Badiou, só podia ser um humanista.

A questão do humanismo deve ser colocada, porém, na sua fonte moderna. Os humanistas surgem no final da Idade Média e representam um movimento que pretende ultrapassar a visão teocêntrica do mundo e colocar o homem, a humanidade, como o centro da acção do próprio homem. Este humanismo foi tomando múltiplas colorações - as mais díspares, diga-se - ao longo da modernidade. O cartesianismo, o iluminismo, o liberalismo e o utilitarismo, o marxismo ou o existencialismo, são exemplos desse triunfo moderno do homem sobre a sombra de Deus, exemplos de uma visão prometaica da mundo. Este humanismo foi desafiado pelo estruturalismo, o qual substituiu o homem pelas estruturas, sejam as da linguagem, as sociais e económicas, as do psiquismo, etc., numa proclamação da morte do homem, depois da proclamação nietzschiana da morte de Deus. 

Na verdade, a querela interessa-me pouco. Falando psicanaliticamente, o humanismo não passa de um narcisismo da espécie humana e o anti-humanismo de um sado-masoquismo, marcado pelo prazer-dor de dissolver o homem. Não acho que o homem esteja morto nem que seja o centro do universo. Utilizando a simbologia extremo oriental, diria que o homem está entre a terra e o céu. É o mediador entre aquilo que está abaixo dele e aquilo que o ultrapassa. Nesta ultrapassagem, contudo, não penso o sobre-homem nietzschiano, aquele que vem depois do homem. De certa forma, estarei muito mais perto da concepção medieval do que de quaisquer dos contendores da querela do humanismo e do anti-humanismo. Não que pense na possibilidade de um retorno à Idade Média. Não há retornos na História. O fundamental é pensar que o que há de mais elevado, aquilo que a tradição chinesa denomina como céu e a ocidental como Deus, seja o centro dinâmico da vida dos homens, mas de homens que substituíram o princípio de autoridade pelo princípio da liberdade, e por isso são modernos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Deus

Deus. Terrível palavra onde escondemos as nossas cobardias. Máscara onde se ocultam traições. Quando chegará a hora onde o coração puro não precisará de tal palavra? Agora, o viandante virou hereje? Mas não será a maior das heresias fazer de Deus um vocábulo, essa capa onde o coração se dissimula?

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre a morte de José Saramago

Nestes dias, aqueles que a morte de José Saramago ocupou, muitas coisas sem nexo foram ditas. Sublinho, no entanto, aquela que assumiu o cúmulo da irrelevância. Disse L'Osservatore Romano que Saramago "foi um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao fim numa confiança arbitrária no materialismo histórico, aliás marxismo." Como é possível dizer uma coisa destas? Em primeiro lugar, porque o materialismo dialéctico e o marxismo não passam de metafísica, de uma dada metafísica materialista, mas ainda e só metafísica. Em segundo lugar e mais importante, porque, tendo em conta aquilo que li de Saramago, só a metafísica o parecia interessar.

Mesmo a blasfémia, se é que Saramago era um autor blasfemo, é um louvor a Deus. Mas a recorrência da temática religiosa nas suas obras, mesmo que sejam pequenas notas de raspão, é um confronto de uma subjectividade com o terrível silêncio de Deus. Em Saramago havia uma pulsão de neo-converso ao contrário. Era como se o escritor fosse uma espécie de Paulo de Tarso, mas aspirasse ser um João Evangelista ou, de outra forma, um daqueles monges do deserto que fazem a história inicial da mística cristã. Perante a impossibilidade, ele assumia-se então como um S. Paulo ainda quando tomava o nome de Saulo.

A obra e a personalidade do escritor são o exemplo de uma luta metafísica, uma luta trágica, e deveriam merecer uma atenção redobrada, em vez da lamentável nota de L'Osservatore Romano. Saramago é um exemplo de como a crença na subjectividade própria impede de escutar Aquele que fala no silêncio e na pobreza do deserto. A ânsia de encontrar Deus, de o fazer manifestar-se, e a ânsia de salvar o ego tolheram em Saramago o caminho, transformaram-no numa luta titânica desvairada e fecharam-no dentro de si e no mundo, sempre um pequeno mundo, por amplo que seja. Há aqui mais do que um simples negador, há aqui um exemplo do destino do Ocidente. E não apenas daqueles que não conseguem silenciar-se, não conseguem silenciar a ânsia e o desejo que povoa o ego empírico, para que possam escutar Quem fala, mas também um exemplo de como aqueles que detêm o depósito da palavra já não a percebem ou não conseguem dá-la a perceber.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sou uma palavra dita

Sou uma palavra dita por Deus, diz Thomas Merton, depois acrescenta: Poderá Deus dizer uma palavra sem sentido? Não, Deus não diz palavras insignificantes, mas para muitos, como para mim, é obscura a palavra proferida. O que significa a palavra que eu sou e que me constitui? Se me debruço sobre a minha vida nada de sólido encontro e nada me permite desocultar o mistério dessa palavra. Há desejos em mim, sempre os houve, mas esses desejos nunca se apresentaram com força e coerência suficientes para moverem a minha vontade a realizá-los. Quem nunca desejou a glória do poder ou a do fazer? No entanto, esses pequenos desejos, pequenos porque não se constituíram como móbiles poderosos, nunca me moveram para uma acção determinada e consequente. Talvez não fossem a interpretação da palavra divina que me fez ser. Assim perdido, incapaz de compreender o significado profundo, me fui retirando de tudo o que é específico da realização do desejo e da ambição do homem. Resta-me apenas aquilo que a necessidade me impõe. Mas a palavra, aquela que me constitui no mais fundo de mim, continua, para a minha consciência, sem significado. Será a palavra de Deus que me fez vir à existência a palavra da minha insignificância, do meu sem sentido?