Mostrar mensagens com a etiqueta Prudência. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Prudência. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Da prudência e do cálculo

Stipo Pranyko - A chave da despensa (1987)

Ter a despensa cheia é uma expressão que denota estar-se, de certa maneira, preparado para o que der e vier, para as incidências da vida. O auge da prudência está no fechamento à chave, não vá o cálculo ser destruído por algum amigo do alheio. Na verdade, porém, nunca estamos preparados para aquilo que é, efectivamente, importante na vida. Não há despensa cheia, por mais aferrolhada que seja, que nos proteja das grandes tormentas que - como desgraça ou como um sinal de graça - se abatem sobre cada um. Quantas vezes a vida tem mais prazer em proteger a cigarra do que a formiga.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Inocência e prudência

Thomas Gainsborough - Study of a Sheep (1755-57)

Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. (Mateus, 10:16)

O texto de Mateus - um único versículo, na verdade - desenha uma complexa rede de analogias para, em última análise, retratar a situação do homem no mundo social e para lhe propor um determinado modo de acção que está, ao mesmo tempo, ligado a um modo de ser. O que é de imediato visível, porém, nessa rede de analogias é que "aqueles que são enviados" são analogados com animais (ovelha, serpente e pomba) e "aqueles para o meio dos quais os enviados são remetidos" são também comparados com um animal (o lobo). Com isso, o texto sublinha de imediato a nossa condição animal e é perante ela que ele se torna significante.

A relação entre ovelha e lobo, entre presa e predador, está fundada também na analogia. O "ser como" de toda a analogia introduz uma ambiguidade na definição que reflecte uma ambiguidade ontológica. Os homens são como ovelhas ou como lobos. Isso significa um estatuto aberto na natureza humana, significa que o homem é dotado de livre-arbítrio. Nem as ovelhas são definitivamente ovelhas nem os lobos têm o destino fechado na lupinidade. E é por isso que as ovelhas, libertadas do rebanho, são enviadas para o meio da alcateia. De certa forma, todos nós somos enviados para o meio da alcateia, essa é a nossa condição.

Ao exercício da predação não é contraposto o sacrifício da presa. Pelo contrário, o texto liberta o homem da praxis sacrificial e propõe como caminho a prudência (a palavra usada para prudentes é φρόνιμοι) e a simplicidade (o termo usado para simples é ἀκέραιοι). Desta maneira, é resgatada a razão prática da filosofia grega, ao mesmo tempo que, com a analogia com a serpente, se dá a ver o seu limite. A prudência pode ser um mero cálculo da serpente e, por isso, não é suficiente para que a ovelha enviada não se transforme em lobo. A prudência deve ser incrustada na simplicidade, na pureza, na inocência. O modo de agir - ser prudente - deve ter a sua raiz nesse tornar-se inocente, simples, puro.

No mundo social, perante o eterno jogo do predador e da presa, perante o ciclo da animalidade e a visão sacrificial da existência, Cristo propõe uma ruptura onde se combina uma natureza inocente - que se inocenta - e uma atitude prudente, um ser puro e uma razão prática dele dependente, como caminho para a instauração de uma comunidade verdadeiramente humana.