Max Klinger - Caminho
Naquele tempo, apareceram alguns
a contar a Jesus, dos galileus, cujo sangue Pilatos tinha misturado com o dos
sacrifícios que eles ofereciam. Respondeu-lhes: «Julgais que esses galileus
eram mais pecadores que todos os outros galileus, por terem assim sofrido? Não,
Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos igualmente. E
aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os, eram mais
culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não, Eu vo-lo digo; mas,
se não vos converterdes, perecereis todos da mesma forma.» Disse-lhes, também,
a seguinte parábola: «Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha e foi
lá procurar frutos, mas não os encontrou. Disse ao encarregado da vinha: 'Há
três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não o encontro. Corta-a;
para que está ela a ocupar a terra?' Mas ele respondeu: 'Senhor, deixa-a mais
este ano, para que eu possa escavar a terra em volta e deitar-lhe estrume. Se
der frutos na próxima estação, ficará; senão, poderás cortá-la.'» (
Lucas 13,1-9) [Comentário de Astério
de Amaseia
aqui]
O texto do Evangelho seleccionado, pela Igreja Católica, para este
terceiro domingo de Quaresma conjuga o que parece uma conversa informal, embora
de âmbito doutrinal, e uma parábola com a sua natureza alegórica e simbólica. É
da tensão entre o explícito e o não explícito que se poderá encontrar um
sentido para o texto. O diálogo inicial termina com um apelo à conversão, a uma
radical mudança de ponto de vista e de caminho existencial. Esta conversão,
porém, parece conter uma promessa, uma promessa paradoxal perante o próprio
destino do Promitente.
Os galileus executados sob Pilatos ou os dezoito que morreram sob a
torre de Siloé são vítimas da injustiça e do acaso, segundo as regras políticas
e o entendimento humano. Não são melhores nem piores do que todos os outros. A
morte aconteceu-lhes segundo uma lógica que não dominamos e que não se inscreve
numa contabilidade de méritos e deméritos. É esta natureza ilógica da morte que
é confrontada pela promessa. A promessa parece prometer que a conversão nos
salva de uma morte injusta ou casual. Mas é a própria morte de Cristo, marcada
pela injustiça e pelo acaso da decisão da opinião pública, que surge como refutação
desta ideia.
A morte dos homens não deixará de ser um acidente – seja provocado
pela injustiça, pelo acaso, pela doença, pela desconcerto próprio, etc. – e um
acidente que nenhum cuidado poderá evitar. A conversão, porém, poderá trazer-lhe
aquilo que lhe falta, o sentido. E o sentido da morte não é dado por esta, mas
pela própria vida. A conversão inscreve-se na vida como uma forma de transição
da errância ao sentido, um sentido que une aquilo que a morte separa. Encontrar
o seu próprio caminho é o sentido último da conversão e é ele que retira tanto
a vida como a morte do reino da insignificância e do ilógico.
A parábola da árvore que não dá fruto enxerta-se, para usar ainda uma metáfora
agrícola, neste caminho e na conversão que se lhe associa. Duas ideias são
sugeridas. É preciso tempo e é preciso alimento para que esse encontro do
caminho frutifique. É na história humana e na história individual que a
conversão se coloca, e coloca-se como uma inscrição no real, como um sentido
que se abre e que torna significante a vida humana, a desprende da irrelevância
a que uma vida meramente animal e social a condena. Frutificar é encontrar a raiz profunda da sua humanidade.