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sábado, 8 de agosto de 2015

Como um arquitecto

Ángel Orcajo - Arquitecturas IV (1986)

A viagem espiritual - essa aventura que nos cabe ao recebermos o dom da vida - é tão excessiva que não há imagens que esgotem o seu sentido. Por isso, recorrentemente é necessário voltar à viagem e a uma nova imagem, como, por exemplo, a da arquitectura. A viagem é um exercício de projecção e de construção de estruturas arquitectónicas, um exercício em que o viandante, como o arquitecto que extrai o cosmos do caos, retira do informe e do não sentido aquilo que ostenta uma forma e ganha um sentido. 

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Um convite à sabedoria

Charles Lapicque - L'invitation à la sagesse (1961)

Ao olhar para a vida, é-se atraído ou pela consideração de que a vida dos homens é destituída de qualquer sentido ou pela ideia contrária, de que existem múltiplos sentidos em conformidade com a natureza de cada um. O caminho do viandante, porém, permite-lhe perceber a unidade que se opõe à ausência e que contém em si os múltiplos sentidos . A vida é um convite à sabedoria, à sageza, e esse é o sentido que unifica todos os sentidos possíveis.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Uma composição

Alexander Mikhailovich - Composição (1943)

Muitas vezes o viandante julga perder-se no caminho. Entra numa senda, depois noutra e ainda noutra. O espírito é tomado pelo pânico que todo o labirinto traz consigo. Tudo isso não passa, porém, de uma questão de perspectiva. Vistos de perto, esses caminhos que se cruzam e bifurcam parecem, de facto, constituir um labirinto, mas se o viandante se dispõe a subir a montanha tudo se apazigua e, com o progresso da subida, começa a ganhar sentido, como se fosse uma deliberada composição.

sábado, 9 de novembro de 2013

Diálogos sobre a morte

Karl Schmidt-Rottluff - Conversation on Death (1920)

Poder-se-á falar num diálogo sobre a morte? Platão, no Fédon, colocou a discussão sobre a imortalidade no dia em que Sócrates é executado. Não se tratou de um efeito cénico ou de uma estratégia retórica. Foi, antes, a constatação de que mesmo que se queira falar da morte, só é possível falar da vida, pois, em si mesma, a morte é destituída de sentido . Só a vida lhe dá um sentido e um horizonte.

domingo, 3 de março de 2013

Caminho e sentido

Max Klinger - Caminho

Naquele tempo, apareceram alguns a contar a Jesus, dos galileus, cujo sangue Pilatos tinha misturado com o dos sacrifícios que eles ofereciam. Respondeu-lhes: «Julgais que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros galileus, por terem assim sofrido? Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos igualmente. E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé, matando-os, eram mais culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos da mesma forma.» Disse-lhes, também, a seguinte parábola: «Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha e foi lá procurar frutos, mas não os encontrou. Disse ao encarregado da vinha: 'Há três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não o encontro. Corta-a; para que está ela a ocupar a terra?' Mas ele respondeu: 'Senhor, deixa-a mais este ano, para que eu possa escavar a terra em volta e deitar-lhe estrume. Se der frutos na próxima estação, ficará; senão, poderás cortá-la.'» (Lucas 13,1-9) [Comentário de Astério de Amaseia aqui]

O texto do Evangelho seleccionado, pela Igreja Católica, para este terceiro domingo de Quaresma conjuga o que parece uma conversa informal, embora de âmbito doutrinal, e uma parábola com a sua natureza alegórica e simbólica. É da tensão entre o explícito e o não explícito que se poderá encontrar um sentido para o texto. O diálogo inicial termina com um apelo à conversão, a uma radical mudança de ponto de vista e de caminho existencial. Esta conversão, porém, parece conter uma promessa, uma promessa paradoxal perante o próprio destino do Promitente.

Os galileus executados sob Pilatos ou os dezoito que morreram sob a torre de Siloé são vítimas da injustiça e do acaso, segundo as regras políticas e o entendimento humano. Não são melhores nem piores do que todos os outros. A morte aconteceu-lhes segundo uma lógica que não dominamos e que não se inscreve numa contabilidade de méritos e deméritos. É esta natureza ilógica da morte que é confrontada pela promessa. A promessa parece prometer que a conversão nos salva de uma morte injusta ou casual. Mas é a própria morte de Cristo, marcada pela injustiça e pelo acaso da decisão da opinião pública, que surge como refutação desta ideia.

A morte dos homens não deixará de ser um acidente – seja provocado pela injustiça, pelo acaso, pela doença, pela desconcerto próprio, etc. – e um acidente que nenhum cuidado poderá evitar. A conversão, porém, poderá trazer-lhe aquilo que lhe falta, o sentido. E o sentido da morte não é dado por esta, mas pela própria vida. A conversão inscreve-se na vida como uma forma de transição da errância ao sentido, um sentido que une aquilo que a morte separa. Encontrar o seu próprio caminho é o sentido último da conversão e é ele que retira tanto a vida como a morte do reino da insignificância e do ilógico.

A parábola da árvore que não dá fruto enxerta-se, para usar ainda uma metáfora agrícola, neste caminho e na conversão que se lhe associa. Duas ideias são sugeridas. É preciso tempo e é preciso alimento para que esse encontro do caminho frutifique. É na história humana e na história individual que a conversão se coloca, e coloca-se como uma inscrição no real, como um sentido que se abre e que torna significante a vida humana, a desprende da irrelevância a que uma vida meramente animal e social a condena. Frutificar é encontrar a raiz profunda da sua humanidade.

domingo, 22 de maio de 2011

Esperar

Por vezes, sem algo que o anuncie, tudo se torna sem sentido, como se de dentro de vísceras invisíveis viesse sobre a vida um cheiro putrefacto a nada. Não a um nada que indique a plenitude da ausência de odor ou gosto, mas de um nada que toma as células por dentro e as dissolve, corrompendo a vontade, liquefazendo os neurónios, tomados agora por uma sonolência sem fim. Como se abre o ser para que isto entre em nós? O ridículo. Tudo se torna risível e qualquer pretensão, gesto, desejo, mostra de nós o burlesco. Esperar a graça, desesperar por ela, ser incapaz de levantar a voz ao Alto. Dormir dias sem fim, deseja o corpo, reivindica, absurdo e ousado, o cérebro, condescende um coração mole. Dormir como se nada importasse. No silêncio da noite, erguer os olhos ao céu estrelado e esperar que a ferida se feche e uma voz ressoe no fundo do ser.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Um mar agitado

Retorno à escrita. Estes dias de ausência foram também tempos de dispersão e esquecimento. Talvez o meu coração seja frágil e a vontade que me move fraca. Se procuro o caminho, por que motivo o ardor se esvai e tudo se prende aos pequenos nadas que os dias trazem consigo? Mais uma vez descubro o quanto não dependo de mim e que, se quero pôr mão na minha existência, tudo parece soçobrar num mar agitado e destituído de sentido.