segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Poemas do Viandante (333)

333. TODAS AS COISAS QUE ESQUECEMOS JAZEM NO FUNDO

Todas as coisas que esquecemos jazem no fundo
que há no centro do coração, pequeno baluarte
abandonado às intempéries, ao vento ocioso
que do norte chega, inunda ruas e traça mapas
de desespero nos teus olhos cansados de solidão.
Por vezes, há tumultos nas ruas ornadas de silêncio,
homens correm no desvario e ouvem-se gritos,
palavras repetidas como se a língua minguasse
e nada mais houvesse do que aqueles sons.

Pegas no que é teu e leva-lo para dentro de ti,
é agora um segredo, matéria vegetal para combustão,
memória que busca no futuro o rasto do passado.
Estremeces, se te olho deste lado do mundo,
e as tuas mãos tornam-se imprecisas, sombras delidas,
uma chaga tardia a arder sob o império da noite.
Depois, olhas o céu e contas angústias e desencantos,
tortuosas estrelas com que inventas constelações,
uma leitura da vida, o breve rosário da ressurreição.

Quando chega o mês de setembro e o verão moribundo
regurgita de vida, começam contagens e balanços,
exercício inútil de um deve e haver que corrói a alma,
a inunda de ferrugem e a abre para a secura do jardim.
A falta de água trouxe a morte à pequena flora,
inscreveu, no solo bravio, uma poeira persistente e
infinita, o traço de um desejo que se extraviou no calor.
Sentas-te perante o tumulto das ruas e ouves cantar os ralos,
o imperativo da vida num campo semeado pela morte.

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