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domingo, 29 de março de 2015

Um jardim para Orfeu

Paul Klee - A garden for Orpheus (1926)

Se ouvirmos a expressão um jardim para Orfeu, é provável que o espírito se interrogue sobre aquilo que será possível escutar em tal lugar. Será a música de Orfeu ou o seu lamento pela perda de Eurídice, pela perda do amor. Mas um jardim para Orfeu só pode ser compreendido se compreendermos o que representa a morte e perda de Eurídice. Esta não é diferente da queda de Adão e a consequente expulsão do Éden. O jardim para Orfeu não pode ser outro senão aquele de onde Adão foi expulso.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cuidar o jardim

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

De um ponto de vista racional, pode-se sempre pensar que a ideia do paraíso, do jardim do Éden, foi construída à imagem e semelhança dos jardins que homem teria já inventado para seu deleite na terra. A imaginação, porém, pode, com o poder arquetípico que a constitui, dizer o contrário. Todos os jardins humanos são uma cópia ou uma reminiscência do paraíso, dessa experiência originária que habita o fundo da espécie humana. Ao dizer isto, a imaginação está ainda a dizer outra coisa. Tendo o homem sido expulso, o jardim foi abandonado. E esta ideia traz uma injunção para cada homem sobre a terra. A vida, no seu significado último, não deveria ser outra coisa do que a viagem de retorno. O jardim precisa de ser cuidado.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Uma nova inocência

Mère Geneviève Gallois - Adam et Eve chassés du paradis (1926)

Na narrativa de Adão e Eva, a expulsão do paraíso é vista como um castigo, um acontecimento negativo, algo que sucedeu devido à queda, à perda ingénua da inocência. Esta é, contudo, apenas uma parte da história. A expulsão do paraíso é o começo da viagem, a dolorosa procura de uma nova inocência, uma inocência que, abandonada a ingenuidade, se sabe e se quer inocente.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Paraíso terrestre

Pierre Bonnard - Le paradis terrestre (1916-20)

Os séculos XIX e XX alimentaram o equívoco sonho de construir o paraíso na terra. Decepcionados com os resultados infernais obtidos, os homens abandonaram o projecto e declararam-no uma utopia. Esqueceram-se, todavia, de questionar se tinham escolhido os meios mais adequados para tão desmedido desiderato. E se o problema fosse não do projecto mas dos meios escolhidos para o realizar? E se o equívoco residisse na escolha do caminho e não na meta a alcançar?

terça-feira, 17 de junho de 2014

O destino da viagem

Diane Arbus - Patriotic young man with a flag, N.Y.C. (1967)

Qual o destino da viagem? O retorno à pátria, mas a uma pátria onde não há bandeiras nem o exacerbado orgulho de excluir o outro. Não se trata de voltar a Ítaca ou a Argos depois de vencer os troianos. Trata-se apenas de voltar para onde nunca se esteve, onde a nossa ausência espera por nós.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O paraíso perdido

Charles Marville - Stream of Armenonville, Bois de Boulogne (1858-60)

Talvez todos os seres humanos tragam dentro de si uma secreta imagem do paraíso perdido, desse lugar ameno de onde teria sido excluído todo o conflito. Sempre que podem, tentam reproduzi-lo na terra, imaginando lugares onde os homens se possam recolher na natureza e esquecer a dura vida a que estão condenados. Estar num lugar desses é sempre um exercício de rememoração, um activar de uma memória de algo que não vivemos mas que trazemos dentro de nós. Uma memória projectiva.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Na cintilação da água

Joshua Benoliel - Fragatas do Tejo (1912)

Na trémula cintilação da água navegam os velhos sonhos da humanidade. Fragatas não são fragatas, mas símbolos de um desejo vindo de tão longe que não sabemos onde nasceu. Por maiores que sejam as rotas ou por mais exactas as cartas de marear, voltamos sempre aquele mistério que nos fala da queda do homem e da expulsão do velho paraíso.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O jardim abandonado

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

Quando se pensa no jardim do Éden, pensa-se sempre na história da expulsão do homem e do duro destino que lhe coube. O mito, com o fascínio que exerce, acaba por ocultar uma outra vertente da narrativa. O homem foi posto no jardim para cuidar dele. O jardim era, desse modo, algo que precisava do cuidado do homem. Ao ser expulso, o jardim foi abandonado. Podemos supor, na nossa imaginação, pois é a ela que os mitos se dirigem, que esse lugar, ao perder o jardineiro, se tornou selvagem e espera pelo retorno do homem. Dito de outra maneira, há um jardim que espera por nós, pois precisa do cuidado do homem.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A música das esferas celestes

Francisco Iturrino - Romaria (1905-1909)

A tradição religiosa ocidental, cujo núcleo é o cristianismo, é atravessada por uma ambiguidade que nos pode deixar perplexos sobre o significado da vida neste mundo. Por um lado, ela é um vale de lágrimas onde os homens suspiram, gemem e choram. Por outro, é uma romaria, onde a peregrinação e a festividade se combinam num arraial em perpétua deslocação. Facilmente se percebe como estas duas concepções reflectem a visão do inferno e a do paraíso celeste. Mas isso é secundário. O essencial é compreender que as visões não devem ser opostas mas vistas como complementares. Sim, a vida pode ser um vale de lágrimas - para muitos, pelo sofrimento recebido, uma antevisão mesmo do inferno - mas aquele que peregrina, que vai na romaria, atravessa esse vale de lágrimas dançando e cantando, pois aquilo que chama por ele e o guia soa-lhe no coração como a mais pura e envolvente música. Provavelmente, a música que o velho Pitágoras dizia provir da revolução das esferas celestes e para a qual o hábito nos tornou surdos.

sábado, 21 de abril de 2012

A transparência dos corpos

Pierre Bonnard - Le Paradis Terrestre (1916-1920)

A ideia de um paraíso terrestre poderá ter chegado aos homens através da experiência do seu corpo, da carnalidade do seu corpo. No mito bíblico isso torna-se evidente pela transição da nudez para a necessidade sentida de ocultação dos genitais. Estamos ainda antes da sentença de expulsão proferida pelo Juiz Supremo, mas esta sentença é apenas a confirmação de algo que já tinha ocorrido: Adão e Eva já estavam fora do paraíso. O que está em jogo é a experiência da opacidade da carne. A cobertura dos genitais simboliza essa opacidade e marca a consciência de uma tensão entre a transparência e a opacidade. Por desnudado que esteja, um corpo é opaco, a luz não penetra nele. Se o ilumina, é ainda e só na sua dimensão exterior. A nudez inconsciente anterior à falta de Eva simboliza um ideal de transparência da carne. Esta apresenta-se aí como aquilo através do qual se vê. Mais do que um corpo belo e perfeito na sua materialidade, os homens sonham um corpo transparente, através do qual a luz possa fluir. A beleza e a perfeição de um corpo residiria, desse modo, nessa transparência, o que significa a invisibilidade do corpo. Belos são os corpos que se vêem como se não se vissem. O castigo divino é, em última análise, o tornar visível da carne. O fascínio que esta exerce, por isso, é ambíguo. Ela atrai para si o espírito - como acontece no desejo sexual - mas atrai-o com a promessa de se tornar transparente. O que os amantes aspiram no amor é à fusão, que não é outra coisa senão o desejo de transição do corpo opaco ao corpo transparente, a transição para a invisibilidade corporal.