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sábado, 21 de dezembro de 2024

Inclinação de Inverno (1)

Camille Pissarro, Manhã de Inverno no Boulevard de Montmartre

de súbito o inverno germinou

no frio da terra desamparada

 

o deus dos campos recolheu-se

as aves cruzam os ares da cidade

 

vestígios do ouro dos dias quentes

ecoam no murmúrio do meio-dia

 

a desolação de campos e prados

resplandece no néon das avenidas

 

Dezembro de 2024


sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Ofício de Outono (12)

Claude Monet, A ponte de Waterloo, 1903

os dias cederam à tentação

do frio agreste

sem a graça do tempo brando

 

a paisagem é um retalho

de cinza e brancura

um horizonte de sombras hostis

 

nas pontes os homens passam

leva-os a água

do cansaço e o vinho da solidão

 

Dezembro de 2024


quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Haikai urbano (76)

William Klane, Big face, front of Macy's, New York, 1955

Estranhos na noite

caminham pela cidade.

Sombras e ciladas.

sábado, 7 de dezembro de 2024

Ofício de Outono (11)

Amadeo Souza-Cardoso, Étude A [Gëmalde A / Quadro A], 1913 (Gulbenkian) 

a gramática outonal dissolve-se

o caos instala-se

no fraseado da estação

 

colheitas e vindimas esquecidas

cheios de silêncio

dormem adegas e celeiros

 

na cidade incandescente

ouve-se a voz do frio

ecoa nas janelas fechadas

 

Dezembro de 2024


domingo, 1 de dezembro de 2024

Ofício de Outono (10)

Alfred Sisley, Bank of the Seine in Autumn, 1876

despido chegou dezembro

um dia de cinza

no declínio do outono

 

o ano tece a sua rede

a caligrafia incerta

no palácio da desordem

 

um rumor rasga as ruas

abre-as ao fulgor

da penúria e à luz da morte

 

Dezembro de 2024

sábado, 23 de novembro de 2024

Ofício de Outono (9)

Jackson Pollock, Autumn Rhythm: Number 30, 1950

sob o gérmen da candura

vozes bastardas

murmuram no silêncio

 

os astros deslizam no céu

núncios minerais

na vertigem dos espaços

 

uma ave silvestre canta

a fímbria da noite

abre-se no abismo sideral

 

Novembro de 2024

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Haikai do Viandante (440)

Alson Skinner Clark, Autumn Blaze

Folhas amarelas

são cintilações de Outono.

Solidão nos campos.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Ofício de Outono (8)

Paul Klee, The Messenger os Autumn, 1922

de súbito vieram dias frios

o vento cortante

sobre a palidez das faces

 

anuncia-se nos crepúsculos

de novembro

o eco futuro do advento

 

as tardes feitas de cinza

abrem-se

ao silêncio de quem espera

 

Novembro de 2024


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Pintura e haikus (42)

António Sena, Lèvres errentes sur la mer, 1983 (Gulbenkian)

De súbito as ondas

saltam da boca do mar.

Fome e tempestade.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Ofício de Outono (7)

Wassily Kandinsky, Autumn in Bavaria, 1908

mais cedo chegou o verão

de são martinho

sorri o sol a quem passa

 

memória de luz estival

na dança das estações

a caminho da noite invernosa

 

na terra poisam folhas mortas

o vinho novo cai

da taça cintilante do céu

 

Novembro de 2024


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Ofício de Outono (6)

Eloisa Sanz, Camino de Tilos, 1999

mais pequenos os dias

flutuam

na lezíria enlameada

 

a luz indecisa enche

de sombras

a alameda das tílias

 

as palavras ecoam

vozes perdidas

no dédalo do passado

 

Novembro de 2024

sábado, 26 de outubro de 2024

Ofício de Outono (5)

Milton Avery, Autumn, 1944

são agora mais suaves os dias

o sol e a cinza

uma rosa de seda

 

os mortos esperam o sulco

de uma palavra

no rumor lunar da história

 

na humidade das ruas

as folhas caídas

estremecem na sombra da tarde

 

Outubro de 2024


terça-feira, 22 de outubro de 2024

Haikai do Viandante (439)

Ana Hatherly, Palma de Maiorca, 1958 (Gulbenkian)

Sob o céu cinzento

paisagens de azul e verde.

Árvores e vento.

domingo, 20 de outubro de 2024

Ofício de Outono (4)

Camille Corot, Italian lanscape near Marino in Autumn, 1826-27

germinou a semente do outono

as folhas caem

um frémito na fronteira da tarde

 

vieram intermitentes as chuvas

tocam as ruas da cidade

abrem sulcos no cenário da memória

 

uma música estelar desprende-se

da harmonia dos céus

ilumina o silêncio da alma abandonada

 

Outubro de 2024

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Ofício de Outono (3)

Gregorio Prieto Muñoz, Aranjuez, 1918-1919

deixo-me levedar ao sol da manhã

cresço para o esquecimento

ou para a vereda da eternidade

 

a música das glicínias abre o jardim

caminho ao ritmo das flores

e bebo a água azul dos poços

 

os dias são agora uma oração erguida

sobre os abismos da noite

e os sonhos cegos da madrugada

 

Outubro de 2024


terça-feira, 8 de outubro de 2024

Ofício de Outono (2)

Ricardo Asensio, Camino en otoño

são sombrias as flores de outono

sugam a luz do dia

na auréola do anoitecer

 

grávidas caminham nas ruas

no ventre o fruto

o frio e a fronda das neves

 

esta é a morada do silêncio

o jardim onde dormem

os arbustos desflorados pelo tempo

 

Outubro de 2024


sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Haikai do Viandante (438)

Vespeira, Óleo 170, 1961 (Gulbenkian)

Tardes de Verão.

Flocos de chuva e fogo

chamam o Outono.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Sonetos de Verão (12)

Carlos Calvet, sem título, 1967 (Gulbenkian)

Regressou de rompante o Verão.

Crescem fogos, florestas a arder

contaminam os corpos, e as almas

frágeis urdem severos desesperos.

 

Tudo arde na viva luz da tarde,

as imagens passadas resplandecem

no futuro a vir, no presente ávido

de encontrar o caminho destinado.

 

Um suspiro final, pura vingança

feita fogo e fumo, as frias cinzas

do Outono a chegar enlouquecido.

 

Sem destino, os corpos em vão buscam,

no incêndio da noite, as almas puras

que lhes cabem na senda da floresta.

 

Maio de 2024


domingo, 8 de setembro de 2024

Sonetos de Verão (11)

León Kossoff, Christ Church, Spitafields, Summer, 1990

Caminhamos no sulco que outrora

foi rasgado na terra em silêncio

pelas mãos de quem veio antes de nós

e nas sombras do Estio se recolheu.

 

Murmuramos os nomes e tecemos

com a voz litanias e orações.

Damos graças e vamos pela senda

que se abriu na memória descerrada.

 

Devedores, colhemos flor e fruto.

Devedores, clamamos as vitórias.

Devedores, erguemos o espírito.

 

Somos sombras de sombras mais antigas.

Mortas, guiam os nossos passos rudes

nos caminhos por elas lacerados.

 

Setembro de 2024 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Sonetos de Verão (10)

Hein Semke, Também AD., 1980 (Gulbenkian) 

De Setembro o cântico e a sombra,

a promessa de dias de luz amena,

de um mar revoltado no sossego

das manhãs, na volúpia do crepúsculo.

 

Somos anjos perdidos nesta terra,

submetemos o corpo e a alma

ao ditado imposto pelo tempo,

a tragédia trazida ao nascer.

 

Uma rosa translúcida cintila

sobre o mar de Setembro, sobre a luz

do crepúsculo, sobre o sal do dia.

 

Procuramos incógnitos o estado

esquecido na hora de nascer,

olvidado no tempo que se escoa.

 

Setembro de 2024