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sábado, 2 de setembro de 2017

Destruições e escombros

Edward Weston - Wrecked Car, Crescent Beach, British Columbia, 1939

Há uma tendência para ver a vida do espírito como alguma coisa de glorioso, onde o viandante vai de luz em luz, de glória em glória. A esta fantasia edulcorante contrapõe-se uma realidade feita de destruições e escombros, ambos dolorosos. Não haverá para o homem maior dor que a destruição da suas mais íntimas ilusões. Olha e à sua volta tudo são escombros.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Criadores de espantalhos

Arturo Souto Feijoo - Espantallo (1934)

Na ideia de espantalho pensa-se uma ilusão capaz de provocar medo e, desse modo, evitar que certo objectivo seja realizado. É um truque difundido há muito nos campos para protecção das culturas. O ser humano, contudo, é exímio em criar espantalhos para si mesmo, para que não seja confrontado com os objectivos que a vida lhe coloca e os tenha de realizar. Muitas vezes, o maior dos espantalhos, a grande ilusão, reside numa aparência de realização e na congratulação com aquilo que se costuma designar por triunfo na vida.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O cavalo de Tróia

Lovis Corinth - The Trojan horse (1924)

Nos dias de hoje tornou-se natural interpretar as narrativas míticas como uma reminiscência - por norma, distorcida - de acontecimentos reais. O efeito é rasurar a carga simbólica que a narrativa mítica traz consigo e, através dessa rasura, pôr de lado a natureza espiritual que o mito concentra em si e desencadeia naquele que o escuta e o perscruta. O cavalo de Tróia não foge à regra. As leituras ficcionais ou científicas anulam o ensinamento espiritual que o mito traz consigo. Muitas vezes, o espírito ilude-se a si mesmo e, julgando-se vencedor da aventura espiritual que elegeu, traz para si, como se fosse um prémio, o cavalo de Tróia que tornará patente a sua derrota e a ilusão em que persistia. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Prisioneiros

Lorenzo Viani - I carcerati (1912-15)

Pelo menos desde Platão e a famosa Alegoria da Caverna que se elaborou a estranha concepção de que somos todos, de alguma forma, prisioneiros. Esta ideia, de uma fecundidade ainda não devidamente avaliada, conduziu, no Ocidente, a uma série de processos de emancipação. Não será, porém, a ideia de que o mundo e o corpo são uma prisão para o espírito uma derradeira prisão de que o homem precisa de se libertar? Não será essa cisão entre o espírito e o corpo, o espírito e o mundo, a mais perniciosa das ilusões. A crença de que o espírito está prisioneiro é, na verdade, a própria prisão a que o homem voluntariamente se sujeita.

domingo, 30 de outubro de 2016

O estado arenoso

Gonzalo Chillida - Arenas (1969)

A educação dos seres humanos tende a privilegiar a solidez. Torná-los sólidos, com uma vida solidamente assente na terra, com uma função consistente, em instituições, também elas, firmes como a rocha. A ilusão da solidez é o resultado dessa educação, uma ilusão persistente e, muitas vezes, inultrapassável. A vida do espírito, porém, procura a fluidez, tornar o homem livre como o vento, aquele que sopra onde quer. O primeiro passo é o da fragmentação daquilo que é sólido. As areias são já um compromisso com essa fluidez. Não são líquidas, mas também, na verdade, já não são inteiramente sólidas. O estado arenoso é o primeiro passo da libertação do espírito da ilusão da solidez. Tudo o que é solido se fragmenta e se desagrega.

quarta-feira, 23 de março de 2016

A grande tentação

Max Beckmann - Tentação (1936-37)

Há neste mundo as pequenas tentações e as grandes tentação. A maior das tentações, contudo, é a de se eximir a qualquer tentação. Eximir-se à tentação significa esquivar-se ao confronto com a realidade, fingir que não se está presente no mundo e que não se está sujeito ao regime da nossa finitude e a sua concomitante fragilidade. A maior tentação é a de se iludir a si mesmo.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Da vida como sonho

Arnold Böcklin - A vida é um sonho breve (1888)

A definição metafórica da vida como um sonho breve traz nela a ocultação de uma necessidade que se coloca a todos aqueles a quem esse sonho, ainda que breve, foi dado. Trata-se da necessidade de despertar. Por breve que seja o tempo do sonho, o sonhador recebe também a injunção de despertar do sonho, de abandonar o sono e de chegar ao estado de vigília. A vida espiritual do homem, nas suas múltiplas facetas, não é outra coisa senão esse processo de despertar e de transitar do sono para a vigília. No despertar do espírito, o homem morre, mas morre apenas para aquilo que é um sonho, uma ilusão, ainda por cima breve.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

A promessa

Umberto Boccioni - Manhã (1909)

Quando a luz matinal chega tudo parece possível. A manhã irrompe sempre como uma promessa excessiva. A sabedoria não está em querer que essa promessa se cumpra, mas em saber como adaptar-se à realidade e à desilusão que a passagem das horas sempre traz consigo. A sabedoria está em saber ler o excesso mesmo nas promessas mais sedutoras.

domingo, 18 de outubro de 2015

O cavalo de Tróia

Oscar Dominguez - O cavalo de Tróia (1947)

Gostamos sempre de nos identificar com os vencedores. Na guerra de Tróia, somos, na nossa imaginação, os companheiros de Ulisses, de Agamémnon e de Aquiles. Esta identificação, porém, oculta a nossa verdadeira situação espiritual. Presos a ilusões, perdido na errância, somos como os troianos que trazem para dentro de casa aquilo que os há-de derrotar. No caminho que cabe a cada um, o mais difícil é resistir à tentação de trazer para dentro de si o cavalo de Tróia de onde sairão os inimigos que nos aniquilarão na viagem.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Estar na margem

Vincent Van Gogh - Na margem do Oise em Anvers (1890)

Estar na margem significa não estar no centro do acontecer. A condição marginal é contudo fundamental para que se possa contemplar o que acontece. Não se pense, porém, que a visão periférica é o fim último. Da periferia ao centro, há todo um caminho a fazer. Não para que o marginal se torne o centro de acção, mas para que se descubra a ilusão que há na separação entre a margem o leito do rio.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Enfrentar a fantasia

Rafael Durancamps - La del alba sería cuando salió Don Quijote 

Será o viandante como o Quixote? Tomará ele por gigante o que não passa de moinho. D. Quixote parte para encontrar a ilusão, o viandante sabe já que está na ilusão e se se faz ao caminho é para enfrentar as suas próprias fantasias. É para descobrir que um moinho é um moinho e um gigante é um gigante. Descobrir isso não é fácil, pois os seres humanos vivem sempre mais confortáveis se a ilusão desce sobre eles e os protege da realidade.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Estátua de sal

Raoul Dufy - Paisagem  de Munique (1909)

E a mulher de Lot olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal. (Génesis 19:26)

O passado tem um terrível poder de sedução. Quadros ou fotografias de um tempo que passou, com o mistério que todo o passado contém pelo simples facto de ter passado, retêm o espírito e dão-lhe a ilusão que a verdade que busca ou a casa que procura residem nesse tempo inacessível e belo na sua inacessibilidade. Esta nostalgia do passado não é, para a vida do espírito apenas uma ilusão. É um perigo. Como a mulher de Lot, também o espírito que olha para trás corre o risco de se solidificar e converter numa inútil estátua de sal.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

De periferia em periferia

Henri Rousseau - House on the Outskirts of Paris (1902)

Os homens, levados pela vaidade e a frívola ilusão, julgam que o lugar que lhes cabe é sempre o central. E para chegar ao centro do mundo gastam a pouca energia que lhes cabe. O viandante há muito que tomou o caminho da periferia. Por vezes, entra numa casa e descansa, para logo retomar o caminho e, de periferia em periferia, seguir a voz que, na distância, o chama e o conduz para onde a frivolidade dos homens não se deixa arrastar.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Bóia de salvação

JCM - Raiz e Utopia (bóia de salvação) (2014)

Talvez a aprendizagem mais difícil a fazer seja a de que não há bóia de salvação que permita ao homem salvar aquilo que ele anseia salvar. E esta inexistência não se deve à avareza da natureza ou a um particular descuido da divindade. Não há porque aquilo que o homem sonha salvar é nada, uma inexistência, a quimera a que, em desespero, se agarra.

quinta-feira, 31 de julho de 2014

A maior das quimeras

Max Ernst - Quimera (1925)

Não há gente mais dada a quimeras do que aquela que se diz realista e apenas interessada na materialidade do mundo. A abertura ao espírito - a vida contemplativa - tem por pressuposto o abandono de toda e qualquer ilusão, seja uma ilusão material, seja uma ilusão dita espiritual. Pois aquele que quiser salvar a sua vida - a maior das quimeras-, perdê-la-á.

terça-feira, 3 de junho de 2014

O inimigo interno

Grete Stern - Consentimiento (Sueños) (1949)

Não são as ilusões ou o mal que caem sobre nós e, contra a nossa vontade, nos tomam de assalto e subjugam. Somos nós que consentimos e nos entregamos. O inimigo externo tem sempre poderosos aliados dentro de muralhas.

domingo, 1 de junho de 2014

Seguir em frente

Leo Matiz - Polígono

Adentrar-se mais e mais no mistério, percorrer a longa galeria onde luz e trevas se sucedem sem fim, seguir em frente sem olhar para trás. Orfeu não suportou a exigência que a vida lhe pôs e perdeu Eurídice. Quem busca uma certificação ganha a certeza da perda. Resta, ao homem, apenas seguir em frente, saber que a luz ofusca e que as trevas são a noite escura da purgação dos equívocos e das ilusões. O resto é o mistério indecifrável.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Do caminho e da viagem

Wassily Kandinsky - À volta da linha (1943)

Talvez a viagem que cabe fazer a cada um de nós seja sempre por uma linha recta. Isso significaria que teríamos o dever de a fazer o mais rapidamente possível. Porém, à volta da linha amontoam-se os objectos, as solicitações, as miragens, tudo aquilo que desvia o desejo e torna o caminho perigoso e lento, tão lento que uma vida generosa em anos não chega para o percorrer e consumar a viagem.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Da alma decepcionada

Ferdinand Hodler - Alma decepcionada (1891)

A decepção, qualquer que ela seja, é sempre o sinal e a prova de uma ilusão. Se o mundo, o outro ou mesmo o próprio eu são motivos de decepção, isso significa que uma fantasia se apoderou de nós e perverteu a avaliação. Na base dessa perversão está sempre a maquinação da vontade egoísta que, desejando apoderar-se da realidade e sentindo-se impotente para tal, tece uma ficção que confirme o seu desejo. Quando a realidade fala, a trama rompe-se e o espírito vê-se confrontado com a decepção. Esta impõe, então, uma escolha: fazer-se de vítima, de alma decepcionada, ou aceitar o caminho da pobreza de espírito, que não é outra coisa senão o contínuo exercício da humildade perante a realidade e a verdade.

sábado, 6 de julho de 2013

A viagem e o carrossel.

Arpad Szenes - Carrossel (1937)

A viagem não é uma volta de carrossel. Não é que divertimento daquele que toma o caminho lhe esteja interdito, pelo contrário. O caminho não deixará de ter os seus momento de grande humor, fundamentalmente quando o viandante se confronta com a risibilidade das suas ilusões. A viagem, contudo, não é um passeio em torno de um eixo fixo, mas a descoberta de que não há fixidez nem eixo, apenas um infinito caminho aberto.