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quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Vida interior

Meyer Schapiro - Abstract Interior (1950)

Um dos equívocos mais perigosos para a vida interior é confundi-la com uma existência plena de abstracções. Um conceito, por exemplo, é uma mera representação, enquanto a vida é sempre uma presença, um estar presente aqui e agora. O caminho do espírito começa sempre por um elevar-se da inocência concreta ao domínio da abstracção - é o momento da representação - para, de seguida, conquistar-se a si mesmo como realidade viva e plena, como presença pura no devir. Este é o tempo da sabedoria.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Criadores de espantalhos

Arturo Souto Feijoo - Espantallo (1934)

Na ideia de espantalho pensa-se uma ilusão capaz de provocar medo e, desse modo, evitar que certo objectivo seja realizado. É um truque difundido há muito nos campos para protecção das culturas. O ser humano, contudo, é exímio em criar espantalhos para si mesmo, para que não seja confrontado com os objectivos que a vida lhe coloca e os tenha de realizar. Muitas vezes, o maior dos espantalhos, a grande ilusão, reside numa aparência de realização e na congratulação com aquilo que se costuma designar por triunfo na vida.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Do caminho

Max Klinger - O caminho

Toma-se com frequência o caminho como metáfora indicativa de um percurso de vida, de uma aventura espiritual, de uma demanda da verdade. No entanto, dever-se-ia ser mais sensível à ideia heideggeriana de caminhos que levam a lado nenhum. Esse é o verdadeiro caminho. Não há lado algum aonde ir, nem lado algum de onde sair, pois o lugar de partida e o sítio de chegada são um e o mesmo. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

Dançar numa casa de loucos

George Wesley Bellows - Dance in a Madhouse (1917)

Dançar numa casa de loucos poderia ser uma metáfora sobre os transtornos - e eles são sem fim - da vida no mundo. No verdade, porém, a metáfora ilumina a vida espiritual. Num mundo caótico e irrazoável, a vida do espírito é como uma dança, na qual os que dançam se entregam, sem premeditação ou projecto, ao ritmo da música num espaço tornado caótico pela presença de todos os que dançam.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sem bandeiras

Lorenzo Viani - All'ombra della bandiera

O espírito não tem bandeiras nem causas. Manifesta-se de diversos modos - na arte, na religião, na filosofia - e estes modos de manifestação são as únicas limitações que admite. Erguer uma bandeira ou arvorar uma causa - mesmo que artística, ou religiosa ou filosófica - é limitar-se a um ponto de vista particular de tal modo que deixa de ser vida espiritual. Causas e bandeiras sombreiam um solo juncados de morte. A pátria do espírito é a vida infinita.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Música e vida

John Yardley - A break in Rehearsal

Tome-se a música como uma metáfora da vida. Na analogia que sustenta a metáfora, porém, há que considerar apenas  a ideia de um fluir dos sons de um princípio em direcção a um fim. Aquilo que se deve excluir, porém, é a ideia de ensaio. Os músicos ensaiam uma e outra vez até chegarem ao palco. Nós caímos no palco e sem qualquer ensaio temos de levar o concerto ou a sinfonia do princípio até ao fim. Sem pauta e, muitas vezes, sem maestro.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Um corpo a corpo

Thomas Hart Benton - Boxing match (1930)

Um corpo a corpo, um combate de boxe, e não o refúgio numa hiper-realidade ou num qualquer além que a imaginação humana, demasiada humana, está sempre pronta a criar para nos proteger da crueza da existência. Falo da vida espiritual, seja qual for o âmbito em que esta se desenrole. Não é uma fuga mundi, mas um estar no mundo. Não é o lugar da paz mas o da espada. Começa sempre com um corpo a corpo consigo mesmo. A vida espiritual não é tema para revistas cor-de-rosa.

domingo, 5 de junho de 2016

Construtores de labirintos

Felo Monzón - Construção (1975)

Podemos pensar na vida como uma construção. Não dessas construções que trazem o reconhecimento dos outros, mas a construção de um labirinto. De um labirinto secreto, como o devem ser todos os labirintos. Construímo-lo para podermos encontrar o Minotauro. Para o matar? Não. Para nos reconciliarmos com ele, isto é, connosco.

sábado, 28 de maio de 2016

Da animação

Francis Picabia - Animação (1914)

O uso corrente do termo animação liga-o à ideia de alegria e de entusiasmo. Animação, porém, remete para a essência da vida espiritual. Toda esta é um contínuo dar alma e, ao dar alma, dá-se vida. Animação é o acto pelo qual a vida se extrai da não-vida. A alegria e o entusiasmo não são a efectiva animação, mas uma sua consequência, o resultado de uma operação criadora.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Na sombra da bandeira

Lorenzo Viani  - All'ombra della bandiera (1911)

A verdadeira vida começa onde acaba a pulsão que conduz os seres humanos a refugiarem-se na sombra de uma bandeira, de qualquer bandeira. Não se trata de uma fuga para a subjectividade, mas de encontrar a vida do espírito. Este não tem bandeiras, nem causas, nem objectivos a realizar.  É pura liberdade e sopra onde lhe apraz. Quando alguém se coloca na sombra da bandeira está morto, pois o que ondula é a bandeira, a causa humana, demasiado humana, que sopra através dela. O que aí sopra é a morte da liberdade.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Da prudência e do cálculo

Stipo Pranyko - A chave da despensa (1987)

Ter a despensa cheia é uma expressão que denota estar-se, de certa maneira, preparado para o que der e vier, para as incidências da vida. O auge da prudência está no fechamento à chave, não vá o cálculo ser destruído por algum amigo do alheio. Na verdade, porém, nunca estamos preparados para aquilo que é, efectivamente, importante na vida. Não há despensa cheia, por mais aferrolhada que seja, que nos proteja das grandes tormentas que - como desgraça ou como um sinal de graça - se abatem sobre cada um. Quantas vezes a vida tem mais prazer em proteger a cigarra do que a formiga.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Em configuração

Joost Schmidt - Estudio de una figura (1930)

Chegar à sua própria figura, configurar-se, é o destino daquele que foi lançado na vida. A vida espiritual dos homens não é outra coisa senão uma preparação da sua figura, um conjunto de ensaios e erros até que, inopinadamente o rosto, o seu verdadeiro rosto, brote na luz da clareira. Configurado, o viandante lança-se de novo ao caminho. Novas configurações o esperam.

sábado, 30 de abril de 2016

Dos náufragos

Andrés Cortés Aguilar - El Naufragio

É a condição de náufrago aquela que melhor retrata a situação do homem no mundo. O que nos ensina acerca da condição humana a metáfora do naufrágio? Duas coisas. A primeira, a mais evidente, mostra-nos que a linha que separa a vida da morte está sempre pronta a partir-se. A segunda, a mais surpreendente, mostra-nos que, tal como a água não é o elemento do homem, o mundo, onde ele é um eterno náufrago, também não é a sua casa.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Um furacão contínuo

Gaspard Dughet - O Furacão

O hábito linguístico tornou corrente tomar o furacão como imagem das grandes perturbações da vida. Esta imagem - ou esta metáfora já morta - tem um efeito consolador e tranquilizador, pois esconde que a vida, e não apenas uma parte dela, é uma grande perturbação, um furacão contínuo, contra o qual não há defesa possível. Resta apenas o silêncio interior para que o redemoinho das coisas encontre o seu lugar.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Fogos de artifício

Darío de Regoyos y Valdés - Fuegos de Artificio

Muitas vezes, a vida espiritual não é outra coisa senão um fogo de artifício, a produção de uma grande coreografia luminosa para esconder a realidade e a incapacidade para enfrentar e lidar com essa realidade. A vida do espírito, contudo, só começa quando se deixa para trás qualquer ilusão sobre essa mesma vida. Só a realidade conta. O caminho é sempre árduo e nunca está sinalizado. A mais das vezes, é percorrido na noite mais escura.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Confronto entre a vida e a vida

Artur Bual - Pietá

O filho morto nos braços da Virgem - essa eterna cena que dá pelo nome de Pietá - deixa-se captar, na pintura de Artur Bual, em toda a complexidade que ela contém. Não se trata apenas da dor humana sentida pela mãe que perde o filho, mas da situação equívoca onde esse filho se encontra. Essa equivocidade é idêntica à da semente que, morta na terra, ressuscita com e para uma outra vida. Também na morte do Cristo, no acolhimento que os braços da mãe fazem do filho morto, se joga o terrível - pois inclui nele a morta, por simbólica que ela seja - confronto entre duas formas de vida. Na Pietá de Bual - no seu gestualismo figurativo - capta-se o momento onde, na morte, essas duas vidas se misturam, se confrontam e se separam.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O duelo

Albert Bloch - Duel (1912)

Em tempos, o instituto do duelo servia para lavar a honra. A lei acabou por triunfar sobre a honra. A verdade, porém, é que não eliminou o duelo. Este retirou-se do exterior e fixou-se dentro de cada um. O espírito confronta-se consigo mesmo e desse duelo sairá o caminho que a vida deve seguir.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Como uma orquestra

Paul Ackerman - A Orquestra

Da ideia moderna de orquestra pode-se retirar uma poderosa analogia da vida espiritual. Na verdade, olhada desta perspectiva, a vida pode ser encarada como um contínuo ensaio de orquestra, onde um maestro desconhecido tenta conjugar os vários naipes de instrumentos, os poderes do corpo, os anseios da alma e as faculdades do espírito, para que o indivíduo, na sua singularidade, se descubra como pura harmonia.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Fogo de artifício

Darío de Regoyos y Valdés - Fogos de artifício

A vida quotidiana é um exercício contínuo de fogos de artifício. Ansioso por provar a sua própria existência, o ego é incapaz de se conter e, sempre que tem um público, entrega-se à produção do mais vivo espectáculo de fogo de artifício. A vida do espírito, contudo, começa no momento em que se decide pôr de lado o fogo de artifício e se inicia a procura do fogo que arde sem se ver.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O infinito da vida

Frantisek Kupka - O princípio da vida

Sim, todos sabemos que a vida - a vida biológica - tem um princípio, um começo. Se pensarmos, todavia, a vida tal como ela se revela no homem, facilmente somos seduzidos pela ideia de que ela, a vida, não tem princípio nem fim. E é esta sedução pelo infinito da vida que se torna símbolo e é deste símbolo que toda a vida espiritual, nas suas múltiplas dimensões, é exegese e realização.