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segunda-feira, 16 de maio de 2016

Da prudência e do cálculo

Stipo Pranyko - A chave da despensa (1987)

Ter a despensa cheia é uma expressão que denota estar-se, de certa maneira, preparado para o que der e vier, para as incidências da vida. O auge da prudência está no fechamento à chave, não vá o cálculo ser destruído por algum amigo do alheio. Na verdade, porém, nunca estamos preparados para aquilo que é, efectivamente, importante na vida. Não há despensa cheia, por mais aferrolhada que seja, que nos proteja das grandes tormentas que - como desgraça ou como um sinal de graça - se abatem sobre cada um. Quantas vezes a vida tem mais prazer em proteger a cigarra do que a formiga.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Céu negro

Jacqueline Lamba - Ciel Noir (1986)

A tonalidade negra do céu anuncia um fenómeno tempestuoso, mais ou menos intenso, mas sempre em contradição com o que o hábito faz desejar ao homem como normal. Na vida espiritual, porém, a ruptura com a normalidade, o pôr em causa o hábito e o desafio das rotinas é um elemento central na criação de alguma coisa que torne a vida mais digna de ser vivida. O céu negro ou a negra noite do espírito são, desse modo, não o pronúncio de uma desgraça, mas o sinal de que uma graça se apresta para descer sobre o homem.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Nos caminhos que se cruzam

JCM - Black & White Dreams (2014)

Imaginar a viagem como um exercício infinito de escolha entre caminhos que se cruzam. Uma viagem sem mapa, sem roteiro, sem bússola. O viandante, despido de todos os dispositivos de orientação, entrega-se  à pura disposição da graça, como se cada escolha fosse, ao mesmo tempo, a realização da mais pura liberdade e o cumprimento de uma insuperável necessidade.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Da distribuição da dádiva

JCM - Raiz e Utopia (os trabalhos e os dias) (2014)

O viandante não tem sítio onde guardar aquilo que colhe, pois guardar o que recebe é dissipar a dádiva. Tudo o que transporta consigo é dádiva gratuita, dádiva que pede para ser distribuída, uma e outra vez, como se quanto mais distribuísse mais houvesse para distribuir. Aquele que retém o recebido acumula não o bem mas a dívida, que será tanto maior quanto mais a dádiva for retida.

sábado, 14 de junho de 2014

O espírito e a guerra

Arnold Böcklin - A Guerra (1896)

É preferível que não nos lamentemos da sujeição a que nos submete uma miséria como a guerra e não pretendamos que ela impeça a entrega à vida do espírito; pelo contrário, é nela que a vida do espírito toma toda a sua força e todo o seu ardor. (Louis Lavelle, Carnets de Guerre 1915-1918)

Com estas palavras, o filósofo francês Louis Lavelle, inicia os seus Carnets de Guerre 1915-1918. A vida espiritual não pertence apenas ao puro domínio da contemplação no deserto ou na vida cenobítica. Ali, onde a vida se manifesta no que tem de mais trágico e aterrador, também é o lugar do espírito. O trágico da existência  faz parte da viagem espiritual. Onde deveria o espírito manifestar-se com mais força e com mais ardor se não no lugar da maior tormenta? Não era Paulo que dizia: onde abunda o pecado, superabunda a Graça? Não é a guerra a superabundância do erro e da errância, isto é, do pecado?

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Uma clareira azul

Fernando Lerín - Sem título (1985)

De súbito, no meio da mais tenebrosa das tempestade, surge uma clareira azul no céu. Os elementos estão em fúria, mas um novo caminho abre-se diante do viandante, chamando-o para o outro lado, oferecendo-lhe a graça de uma passagem.

terça-feira, 20 de maio de 2014

A incerta viagem

Ho Fan - Journey to Uncertainty (1956)

Na inauguração dos tempos modernos, a certeza foi definida como o alvo a atingir pelo pensamento humano. A vida riu-se de tamanha pretensão e tornou tudo mais incerto, como se o caminho que cabe a cada um devesse ser feito na escura noite, onde apenas a fé e a graça podem iluminar o homem na incerta viagem que lhe cabe.

sábado, 17 de maio de 2014

Exercícios da errância

Deborah Turbeville (desconheço título e data)

Os caminhos que levam a lado nenhum, o estar perdido na floresta, tudo exercícios da errância, desse errar que nos afasta do alvo e nos faz cair da esperança de chegar a bom porto. Esperamos apenas um sinal, talvez a companhia de alguém que, perdido também, possa acompanhar-nos e partilhar connosco a dor da perdição. Talvez nesses instantes Paulo de Tarso tenha razão. Ali onde abunda a perda, superabunde a graça.

domingo, 18 de agosto de 2013

Palhaços por natureza

Albert Gleizes - Palhaço (1914)

Sempre que se usa de forma figurada o termo palhaço, esse uso toma uma coloração pejorativa. Chega-se a ver o epíteto como uma ofensa contra a honra. Esta recusa generalizada de se ser palhaço é sintoma de algo muito mais profundo do que parece. Na verdade, lidamos mal com aquilo que em nós é ridículo, risível, volúvel e distorcido. A cada momento compomos a máscara e afivelamos traços de dignidade que, como bem sabemos, estamos longe de poder ostentar. Finitos, frágeis e mortais, nós queremos esconder essa realidade que o palhaço, com os seus jogos burlescos e actos cómicos, torna evidente. O palhaço não é um artista, mas o espelho que devolve a nossa realidade material, a nossa natureza destituída de graça, a qual é insuportável para o orgulho da nossa razão.

sábado, 3 de novembro de 2012

Serenidade

Miró Mainou - Serenidad (1968)

Este é o tempo que exige do viandante a maior serenidade. A violenta tempestade aproxima-se e não há abrigo onde se possa recolher nem homem que lhe estenda a mão. Nada depende da pequena vontade que lhe cabe. Resta a pura entrega ao acontecer e esperar o que à graça lhe aprouver.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Da graça e da força

George Grosz - Kraft und Anmut (1922)

Poder-se-á traduzir o título do quadro de Grosz, Kraft und Anmut, por vigor e elegância. Estaria certamente de acordo com o espírito da obra. No entanto, prefiro outra tradução: força e graça. Graça no sentido daquilo que é gracioso, não no sentido de graça divina, pois em alemão esta graça diz-se Gnade. Este afastamento lexical entre Anmut e Gnade não permite compreender aquilo que é de imediato perceptível em português: o carácter gratuito da graciosidade, da beleza. A graça de uma mulher, a sua elegância, não é uma mera obra sua mas uma dádiva recebida, um dom. e sem ele não há esforço que dê graça a uma mulher. Dito de outra maneira, a graça é uma Graça. Já Kraft reenvia para a ideia de exercício e de esforço. A força ou o vigor são um produto próprio, o resultado de um exercício que pretende transformar a fragilidade do homem em força. Daí, o carácter eternamente rude da força, ao contrário da natureza etérea da graciosidade feminina. 

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Abrir o espaço

Cada um deverá encontrar o seu caminho, mesmo que esse caminho seja obscuro e incompreensível. Ir para além das aparências empíricas, escutar em silêncio o silêncio que fala, deixar que a palavra que cada um de nós é se torne no inaudível som que nos deve guiar, tudo isso só pode acontecer na liberdade mais estrita e na responsabilidade perante a própria existência. Poderemos salvar os outros? Se isso se entender como proselitismo, então é impossível salvar seja quem for. Mas se salvar for entendido como a abertura de espaço para que cada um encontro o seu caminho, poderemos não impedir que o outro encontre a sua via. Nos dias de hoje, não faz qualquer sentido falar com os homens modernos como se eles fossem destituídos de autonomia e não passassem de crianças a quem se lhe tem de meter medo para não caírem no maior dos perigos. Não era S. Paulo que dizia que onde abunda o pecado, abunda a graça?