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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Da convergência

Jackson Pollock - Convergence (1952)

A vida, devido à multiplicidade de experiências que proporciona, é o lugar onde a consciência, ao romper com a sua unidade ingénua, é arrastada de divergência em divergência, o que a poderá conduzir à cisão absoluta, à mais escura das patologias. A vida espiritual é o exercício de um retorno a si, de uma convergência consigo mesmo para além da unidade ingénua e da dissipação na divergência, é o lugar da salvação, entendida esta como a terapia dessa cisão que torna o homem estranho a si mesmo.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Estátuas de sal

Rafael Canogar - Arqueologia III

A psicanálise terá sido uma das invenções que mais influência exerceu - e exerce - no mundo ocidental. Propõe uma espécie de salvação pelo exercício da arqueologia. O paciente é convidado a escavar no seu passado remoto para encontrar o conflito que se manifesta na sua patologia. O processo, porém, é perturbante pois traz à memória o destino da mulher de Lot. Ao olhar para trás foi transformada em estátua de sal. Quando passamos da arqueologia pré-histórica para a arqueologia pessoal, em vez de encontramos a salvação, corremos o risco de sermos transformados em estátuas de sal.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Bóia de salvação

JCM - Raiz e Utopia (bóia de salvação) (2014)

Talvez a aprendizagem mais difícil a fazer seja a de que não há bóia de salvação que permita ao homem salvar aquilo que ele anseia salvar. E esta inexistência não se deve à avareza da natureza ou a um particular descuido da divindade. Não há porque aquilo que o homem sonha salvar é nada, uma inexistência, a quimera a que, em desespero, se agarra.

terça-feira, 19 de março de 2013

Conferir realidade

Johan Thorn Prikker - A noiva (1892-3)

Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo. Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.» Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. (Mateus 1,16.18-21.24a) [Comentário proveniente da liturgia grega aqui]

O texto escolhido para hoje estabelece o vínculo entre uma filiação e uma função. Contudo, o vínculo funda-se num mistério e exige uma atitude. A função do Filho de Maria é a de ser Cristo, o Messias, aquele que salvará o povo da errância. O vocábulo σωσει (terceira pessoa do singular do futuro do indicativo do verbo σωζω) remete para um amplo campo semântico. O verbo σωζω significa libertar, proteger, curar, preservar, salvar, mas também guardar, guardar na memória, perdoar, não matar. Na figura e função de Cristo encontramos plasmadas todas estas significações. O vínculo com a filiação – que faz a conexão com David – mostra que esta função tem uma natureza real. Real porque se inscreve numa determinada estirpe, a de David, que tem por função reinar, mas real também porque produtora de realidade.

A salvação, a obra do Messias, é então uma obra de conferir realidade ao que a tem diminuída. Por isso, por esta dimensão ontológica da função atribuída ao Filho de Maria, se percebe por que motivo ele é um libertador, um protector, um salvador, um guardador. Liberta os homens de um determinado estado em que eles se encontram diminuídos, protege-os da queda nesse estado, cura-os e guarda-os da deficiência ontológica em que se encontram. É esta função que, apesar de real, se inscreve no mistério.

A experiência humana corrente é a da deficiência ontológica, é a da errância, é a da falta que o homem sempre sente mas que, mesmo se dotado de uma vontade poderosa, nunca consegue colmatar. É a sua natureza finita e falível, pensará submetido ao âmbito da experiência empírica. Que ele possa ser outra coisa, não pode deixar de ser, para si mesmo, um mistério. Este mistério requer o mistério da imaculada concepção do próprio Salvador. Ele é um homem mas não é um homem. A sua natureza plenamente humana é mais que humana e o mistério da sua concepção é o testemunho desse excesso de natureza.

Haverá um caminho para o homem compreender esse mistério? Segundo o texto, fica claro que existe um caminho para a compreensão do mistério. Para uma consciência moderna, educada na crítica e na recusa de qualquer autoridade que não a razão, é o mais terrível, cruel e decepcionante dos caminhos, o da obediência. José figura todos aqueles que se abriram ao mistério da natureza humana, ao mistério de que ela possa ser outra coisa para além de matéria corruptível, e obedeceram à voz interior que por eles chamava. Ele fez o que lhe foi ordenado, isto é, obedeceu e recebeu a sua esposa, abriu-se ao mistério, abriu-se àquele que, no fundo do seu ser, chamava por ele. Não rejeitando o filho de Maria, José não se rejeitou a si mesmo, não rejeitou o que de salvífico e libertador tinha em si mesmo, não rejeitou tornar-se efectivamente real, de se tornar naquilo que ele efectivamente era.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A fonte que mata a sede

Se pretender encontrar-me a mim mesmo, onde poderei descobrir esse fundo que me permite reconhecer uma identidade? Cada um dos meus traços, físicos ou psicológicos, é evanescente, mutável, redutível a nada. Essa aniquilação parece, então, ser o centro da minha identidade e cada um dos traços com que me apresento a mim ou aos outros não passa de uma máscara que esconde a ausência substancial de uma realidade. É nesse nada que deverei mergulhar, pois esta imersão é a aceitação plena daquilo que sou: nada, ou para o dizer de um outro modo: sou pó e ao pó tornarei. O nada, porém, deixa-me livre e é nessa liberdade que posso abrir-me para aquilo que em mim é mais do que eu. Uma substância? Uma coisa? Um objecto? Não, é um nada de onde as substâncias, as coisas e os objectos tiram a sua substancialidade, a sua coisidade, a sua objectidade. Procurar esse nada é procurar a fonte que mata a sede.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Abrir o espaço

Cada um deverá encontrar o seu caminho, mesmo que esse caminho seja obscuro e incompreensível. Ir para além das aparências empíricas, escutar em silêncio o silêncio que fala, deixar que a palavra que cada um de nós é se torne no inaudível som que nos deve guiar, tudo isso só pode acontecer na liberdade mais estrita e na responsabilidade perante a própria existência. Poderemos salvar os outros? Se isso se entender como proselitismo, então é impossível salvar seja quem for. Mas se salvar for entendido como a abertura de espaço para que cada um encontro o seu caminho, poderemos não impedir que o outro encontre a sua via. Nos dias de hoje, não faz qualquer sentido falar com os homens modernos como se eles fossem destituídos de autonomia e não passassem de crianças a quem se lhe tem de meter medo para não caírem no maior dos perigos. Não era S. Paulo que dizia que onde abunda o pecado, abunda a graça?

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Caminho da salvação

O que entendo quando oiço palavras como caminho da salvação? Fico perplexo e nessa confusão que me tolhe o raciocínio deixo a mente deambular até esquecer esses sons magníficos. Mas eles lá ficam, prendem o espírito com as suas curvas bamboleantes, sempre prontos para saltar para cima do viandante. Aquele que está perdido aspira a salvar-se, mas o que quererá ele salvar? Salvar-se a si? Talvez. Mas não será este si a perdição de que se quer salvar? Não há caminho da salvação para quem deambula perdido pela vida, pois encontrar um rumo ainda é perder-se nessa mesma vida e ofuscar-se no trono que então conquistará. Aquele que anda perdido apenas terá de ser perder mais e mais, ir mais fundo para além de todas as perdições, para o sítio de todos os esquecimentos. Haverá coragem para tão dura jornada?