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terça-feira, 11 de julho de 2017

O acrobata

Marino Marini - Acrobats (1960)

Pensamos as acrobacias como exercícios de equilíbrio fundados na destreza, agilidade, força e risco. Vale, porém, a pena fazer a arqueologia da palavra. Descobrimos a sua origem no vocábulo grego akróbatos, aquele que anda em bicos dos pés. Há uma certa continuidade de ideia. Andar em bicos dos pés implica equilíbrio. A destreza física do equilibrar-se acaba, todavia, por nos esconder o desejo que se esconde nessa estranha forma de andar. Tem duas características. Por um lado, é uma diminuição da base de apoio do homem, diminuindo o contacto do corpo com a terra. Por outro, é um elevar-se em direcção ao céu. Na essência da acrobacia há, deste modo, um desejo de elevação e de superação da condição terrestre do homem.

sábado, 24 de junho de 2017

Fugas

Jackie Greene, Seminole Park. Model Sailboat Race (1974) 

Há uma tendência para perceber como compensação actividades como aquela que a fotografia nos dá a ver. Não podendo participar em regatas com veleiros a sério, compensa-se a inclinação com corridas de modelos. Se se pensar um pouco mais talvez se faça uma constatação surpreendente. Mais que uma compensação este tipo de actividades mostra-nos a natureza da actividade humana, de grande parte da actividade humana. Na verdade, esta não passa, na generalidade dos casos, de puro divertissement pascaliano, fuga à sua própria e insuportável realidade. A natureza e a dimensão dos modelos são irrelevantes.

sábado, 8 de outubro de 2016

O centro negro

Albert Gleizes - O centro negro (1925)

O núcleo central do homem, aquilo que há de mais fundo nele, pode ser compreendido com um centro negro. Não porque  seja algo sombrio ou implique uma relação com o negativo. Pelo contrário, o excesso luminoso que o constitui é incompreensível para o homem. Ao tentar olhá-lo de frente fica cego. Olha para mas tudo o que apreende é a mais negra escuridão.

sábado, 6 de agosto de 2016

O filho pródigo e o homem moderno

Giorgio de Chirico - Ritorno del fliglio prodigo (1965)

Na parábola do filho pródigo (Lucas 15:11-31) há uma equivocidade central que tem o efeito surpreendente de transformar em filho perdido não aquele que dissipou os bens herdados mas o que se manteve fiel à casa paterna e à regra nela existente, isto é, que se manteve fiel à tradição formal. O reconhecimento é dado ao que experimentou o peso e as consequências da autonomia e se reencontrou depois de se ter perdido. Aquele que nunca se perdeu, o que se manteve fiel à forma, fica preso no ressentimento, incapaz de lidar com as mudanças introduzidas pelo tempo. Esta parábola é fundamental para podermos compreender por que motivo a modernidade, com todas as suas características, emergiu no âmbito do cristianismo. O filho pródigo é o arquétipo ancestral do homem moderno, o que faz de cada um de nós filho pródigo em busca de si mesmo.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

A casa do Homem

Felix Vallotton - In the Shadow (1916)

Pensamos, em primeiro lugar, a sombra como o lugar do mal. Este não suportaria a sua exposição à luz, que o denunciaria, e recolhe-se na sombra para exercer o seu império. Num segundo momento, constatamos que a pura luz seria insuportável mesmo para o bem. A intensidade da luz tornar-nos-ia cegos. Por fim, percebemos que a sombra é o lugar do homem, tanto para o mal como para o bem. Nem as trevas absolutas nem a pura a luz, mas a sombra. É neste registo sombrio que uns caminham de claridade em claridade, mas sempre sob a protecção da sombra, e outros vão de escuridão em escuridão, mas ainda e sempre na forma de sombra, cada vez mais densa. A sombra é a casa do homem sobre a Terra.

domingo, 27 de março de 2016

A ressurreição

El Greco - Ressureição (1605-1610)

A pintura de El Greco permite perceber uma dimensão da ressurreição do Cristo para além das leituras literais correntes. O que se vê é a elevação de Cristo acima das contingências temporais e mundanas, as quais estão representadas pela confusão e pelo espanto que se apodera dos restantes figurantes da cena. Ressuscitar é então um elevar-se acima das condições do espaço e do tempo, às quais estamos submetidos e são o limite das nossas possibilidades. A ressurreição de Cristo surge como um desafio aos limites e uma ultrapassagem das condições mundanas do homem.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Jardim e utopia

Pierre Bonnard - O grande jardim (1898)

Poder-se-á pensar que a raiz da propensão utópica no mundo ocidental se encontre na República platónica. O livro de Platão, porém, é demasiado abstracto para incendiar a imaginação popular. É no Génesis bíblico que encontramos o fundamento dessa propensão. O Jardim do Éden, esse lar primeiro do homem, não é apenas o modelo de todos os jardins que o engenho do homem ocidental constrói, é o objecto perseguido em cada utopia que ele desenha. Estas utopias, tão diferentes entre si, não são mais do que a aspiração do filho pródigo ao retorno à casa paterna, ao lar originário.

domingo, 21 de junho de 2015

Condição lunar

Georges Rouault - ... ao chegar a noite, saiu a lua (1930)

O homem é a lua sobre a terra. Como ela, ele pode reflectir uma luz cuja intensidade o ultrapassa e cuja origem está fora e muito acima dele. Esta sua condição lunar acentua-se quando a luz que o ilumina é interceptada e ele fica na escuridão. Também nessa hora ele é como a lua, é lua nova e às trevas ele tem o condão de acrescentar outras trevas.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Filhos pródigos

Aristide Maillol - L'enfant prodigue (1889)

Por vezes surge a pergunta: quem é o viandante? A resposta é muito simples. O viandante é o filho pródigo que procura a casa onde nasceu, que busca acolher-se ao lar e à pátria onde pertence. Na verdade, cada um de nós é um filho pródigo e, por isso, está a caminho de casa. Cada um de nós é um viandante.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Os quatro elementos

Ivonne Sánchez Barea - Aire I (1997)

A velha doutrina dos quatro elementos - terra, água, ar e fogo - tinha, na sua ingenuidade e inocência míticas, um potencial de descrição da realidade mais elevado do que aquilo que se pensa hoje em dia. Certamente, esse potencial não estava ligado a uma descrição física do universo, mas a uma descrição do homem, dos seus estados múltiplos possíveis. Não se pode dizer que esses elementos caracterizassem diversas formas de espírito humano, mas antes que seriam metáforas que designavam formas de ser que continham tanto o corpo como o espírito. Fundamentalmente, são metáforas das possíveis metamorfoses psicossomáticas, no sentido grego dos termos presentes nesta palavra, pelas quais pode o ser humano passar,

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Do mediador

Vincent Van Gogh - Roots and Tree Trunks (1890)

Quantas vezes o homem se julga uma folha a levitar, como se o seu domínio fosso o do alto? O império do homem, porém, é o do meio, aquele que fica entre o céu e a terra. Por isso, ele precisa do tronco e das raízes. Não apenas porque a sua natureza assim o exige, mas porque o céu e a terra precisam de um mediador, daquele que, na sua viagem, os une, estabelecendo a ponte que une aquilo que está afastado.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Puras silhuetas

Man Ray - Silhouette of Lee Miller, Paris (1930)

Entre as trevas que se temem e a luz que não se suporta, repousamos na sombra como quem encontra o compromisso certo que permite a continuação da vida. E tudo o que somos, pensamos, fazemos e sofremos vem marcado por esta condição sombria, por esta mistura que nos torna em puras silhuetas.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

O imperativo musical

Ferdinand Schmutzer - Vienna (1901)

Escondestes estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. (Mateus, 11:27)

O que solicita a música ao espírito do homem? Que ele diminua, que se torne pequenino. Que o homem se torne pobre em espírito! Eis o imperativo musical. A música, como se fosse a emanação de um outro mundo, não se dirige à razão, mas ao que está acima dela e quer tornar-se o próprio do homem, a sua propriedade, a sua natureza.

sábado, 28 de junho de 2014

O caminho do meio


Erguer-se, tornar-se flexível perante os elementos, resistir quando tudo se desfaz. Enraizar-se na terra funda e crescer para os céus. Assim é o homem, o que está sempre a meio caminho, voz da mediação, o terceiro que liga o que está em baixo ao que está em cima. O que está a meio caminho é também aquele que toma o caminho do meio.

sábado, 22 de março de 2014

Solidão e fragilidade

STEFANO RELLANDINI - REUTERS - Veneza, capital da região do Veneto

Retomemos a solidão, agora para a compreender a partir da fragilidade do homem. A solidão, a solidão essencial, não pode ser compreendida nem como a prova da força e de afirmação orgulhosa do homem, nem como o sintoma de uma fraqueza tal que o torna inapto para a vida com os outros. A fragilidade que está sob a solidão pode ser compreendida a partir do equilíbrio do barqueiro sobre as águas. A solidão, a solidão essencial, é sempre o difícil equilíbrio de alguém sobre as águas da sua própria fragilidade. A solidão manifesta-se, deste modo, como um bem precioso que, pela sua fragilidade e a fragilidade onde assenta, se pode perder e tornar irrecuperável.

terça-feira, 4 de março de 2014

Para além do homem

Francis Bacon - Man Kneeling in Grass (1952)

                                         Digno de compaixão é o homem que não ultrapassa o homem (Séneca).                                                                                       
Ser mais que homem é o desejo inscrito no coração da humanidade, como se a ideia de se ser aquilo que se é fosse escandalosa e digna de compaixão. Nesta ânsia de ultrapassagem podemos pensar com Nietzsche o sobre-homem, mas também podemos pensar o não homem, a não humanidade. Esta não significa obrigatoriamente uma inumanidade entendida como barbárie e ferocidade animal, mas algo que seja incomensurável com o homem. Por exemplo, Deus que permanece inefável para o discurso humano.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Na ira dos elementos

Antonio Muñoz Degrain - O Tejo. Chuva

Nos dias como o de hoje, onde a natureza parece revoltada e, na sua raiva, ameaça a frágil disposição dos objectos humanos, a relação do homem com a terra parece emergir naquilo que tem de mais fundamental. O homem sente-se pertença daquilo que o ameaça e escuta na ira dos elementos o seu próprio grito.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O jardim abandonado

Raoul Dufy - O jardim abandonado (1913)

Quando se pensa no jardim do Éden, pensa-se sempre na história da expulsão do homem e do duro destino que lhe coube. O mito, com o fascínio que exerce, acaba por ocultar uma outra vertente da narrativa. O homem foi posto no jardim para cuidar dele. O jardim era, desse modo, algo que precisava do cuidado do homem. Ao ser expulso, o jardim foi abandonado. Podemos supor, na nossa imaginação, pois é a ela que os mitos se dirigem, que esse lugar, ao perder o jardineiro, se tornou selvagem e espera pelo retorno do homem. Dito de outra maneira, há um jardim que espera por nós, pois precisa do cuidado do homem.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O mistério do mal

Marc Chagall - Caim e Abel (1911)

A narrativa bíblica sobre Caim e Abel não nos fala apenas do traumático que é a ruptura da fraternidade. É certo que o episódio desenha o modelo de todas as guerras - civis e outras -, mas há mais do que isso. Há duas camadas de sentido presentes. Numa primeira, a mais superficial, vê-se Caim ressentido com Abel e Deus perante a diferença com que são tratados. Uma leitura sociológica diria que a diferenciação entre os homens é causa de ressentimento e geradora de perturbações no comportamento dos indivíduos e na ordem pública. Não deixando de fazer sentido, esta leitura é limitada e tornaria o agrado de Deus para com Abel uma mera injustiça. 

Em Génesis 4: 6-7 é dito a Caim e perante o seu ressentimento: "Por que estás irado? E por que está abatido o teu semblante? Se praticares o bem, sem dúvida alguma poderás reabilitar-te (...)”. Fica sugerido uma falta prévia, a prática de um mal não determinado, que terá estado na origem na diferenciação de tratamento dado às oferendas de Abel e de Caim. É esta misteriosa falta prévia que é o núcleo da história de Caim e Abel. O mal, esse mal originário, é misterioso. E é ele que dá que pensar, pois gera os outros, como aqueles que se simbolizam no homicídio de Abel pelo irmão e todos os que decorrem na relação entre seres humanos. Isto significa, também, que a diferenciação é já o resultado da acção do mal.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Dar-se à luz

Marc Chagall - O nascimento (1910)

Sobre os animais seus irmãos, o homem tem uma vantagem raramente aproveitada. Como eles, o homem é dado à luz. Mas este ser dado à luz por uma mãe é apenas a condição de possibilidade para que cada um se dê uma e outra vez à luz. Dar-se à luz é a única tarefa verdadeiramente humana. Quem nasceu de mulher ainda não nasceu efectivamente. Há que aprender a nascer de si e a morrer para si, para voltar a nascer. Não se trata de renascer, mas de vir uma e outra vez a uma luz sempre nova, sempre virginal. Homem é aquele que empreende a infinita tarefa de dar-se à luz.