Mostrar mensagens com a etiqueta Forma. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Forma. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sem forma nem figura

Jacint Salvadó - Informel (1959)

A vida do espírito, nas suas diversas manifestações, é fluida, sem contornos definidos, por vezes parece um lago calmo ao entardecer; outras, um rio caudaloso na força do meio-dia. É o terror sentido perante a fluidez e o informal que leva os homens a projectar sobre ela esta ou aquela figura, a atribuir-lhe esta ou aquela forma. Ela, porém, nunca se conforme e irrompe ora selvagem ora murmurante, destruindo incessantemente as formas com que o nosso medo a tenta cobrir. Ela, a vida do espírito, é o que não tem forma nem figura. É apenas um puro fluir.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Entre o caos e o cosmos

Álvaro Lapa - Sem título (1964)

A vida do espírito é vista como um mundo organizado, um cosmos em oposição ao caos. Esta visão dicotómica, contudo, falha o essencial. Toda a actividade espiritual, seja qual for a sua natureza, está entre o caos e o cosmos. Não é a completa ausência de forma nem a forma pura definitiva e eterna. Ela é o processo contínuo de transição, onde estruturas formais se libertam do caos, ganham um sentido que se desvanece pois outras estruturas tomam o seu lugar, numa busca de perfeição sempre ameaçada pelo retorno ao informe e à queda no abismo hiante.

sábado, 8 de agosto de 2015

Como um arquitecto

Ángel Orcajo - Arquitecturas IV (1986)

A viagem espiritual - essa aventura que nos cabe ao recebermos o dom da vida - é tão excessiva que não há imagens que esgotem o seu sentido. Por isso, recorrentemente é necessário voltar à viagem e a uma nova imagem, como, por exemplo, a da arquitectura. A viagem é um exercício de projecção e de construção de estruturas arquitectónicas, um exercício em que o viandante, como o arquitecto que extrai o cosmos do caos, retira do informe e do não sentido aquilo que ostenta uma forma e ganha um sentido. 

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Criador de formas

Frantisek Kupka - A forma do azul (1931)

Muitas são as formas que se deparam ao viandante no caminho que faz. Num primeiro tempo, fica fascinado com a multiplicidade que o mundo exterior lhe apresenta. Num segundo tempo, cresce nele a dúvida sobre a origem daquelas formas. Seriam mesmo formas exteriores? Por fim, avançado na idade, o viandante descobre que tudo o que vê é a projecção daquele que vê. O bem e o mal, o branco e o azul, o sólido e o líquido, todas as formas têm a forma do seu olhar, da pureza ou da imundície que lhe habita o espírito. O viandante é um criador de formas, que o afastam ou o aproximam do que não tem tem forma.

sexta-feira, 1 de março de 2013

A forma e a vida

Vincent Van Gogh - The Red Vineyard (1888)

Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo: «Escutai outra parábola: Um chefe de família plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, construiu uma torre, arrendou-a a uns vinhateiros e ausentou-se para longe. Quando chegou a época das vindimas, enviou os seus servos aos vinhateiros, para receberem os frutos que lhe pertenciam. Os vinhateiros, porém, apoderaram-se dos servos, bateram num, mataram outro e apedrejaram o terceiro. Tornou a mandar outros servos, mais numerosos do que os primeiros, e trataram-nos da mesma forma. Finalmente, enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: 'Hão-de respeitar o meu filho.’ Mas os vinhateiros, vendo o filho, disseram entre si: 'Este é o herdeiro. Matemo-lo e ficaremos com a sua herança.’ E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no. Ora bem, quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?» Eles responderam-lhe: «Dará morte afrontosa aos malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros que lhe entregarão os frutos na altura devida.» Jesus disse-lhes: «Nunca lestes nas Escrituras: A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular? Isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos? Por isso vos digo: O Reino de Deus ser-vos-á tirado e será confiado a um povo que produzirá os seus frutos. Os sumos sacerdotes e os fariseus, ao ouvirem as suas parábolas, compreenderam que eram eles os visados. Embora procurassem meio de o prender, temeram o povo, que o considerava profeta. (Mateus 21,33-43.45-46) [Comentário de Ireneu de Lyon aqui]

O confronto de Jesus com fariseus e sumos sacerdotes sublinha que alguma coisa se tinha perdido na tradição de Israel. Os representantes intelectuais e sacerdotais dessa tradição não entregavam o fruto a quem de direito. Na verdade, o seu saber erudito e a sua praxis religiosa tornaram-se meras formas secas, de onde o espírito e a vida tinham sido expulsos. A tradição mosaica transformara-se em letra morta e a vida dos homens, sem o fruto que lhes era devido, secava, perdia o rumo, abria-se à errância.

O texto vai mais longe na disputa com os representantes da tradição de Israel. Eles não são apenas acusados de não dar fruto. São acusados de se terem apropriado daquilo que não lhes pertencia e de o terem assassinado. A rejeição da pedra angular não é um rejeição fundada na ignorância mas no deliberado não reconhecimento da Verdade, numa vontade de falsificar a realidade e de impor uma normatividade a que nenhuma vida já animava. O Reino já não era por eles convenientemente administrado.

O confronto central joga-se, deste modo, entre a forma vazia e a vida plena. Não é que as formas morais, religiosas e espirituais sejam destituídas de importância. Contudo, quando tomadas por si mesmas, quando se separam da vida – e por vida há que entender uma ampla gama que vai do espírito ao corpo – deixam de dar fruto. Fórmulas ocas e rituais vazios matam o espírito, expulsam-no, não permitem que ele se derrame sobre os homens e os faça viver nele.

Mas sempre que o espírito e a vida são rejeitados transformam-se noutro momento e noutro lugar na pedra angular de um novo edifício, de uma nova comunidade e forma de vida, que possa produzir novos frutos, para que a tradição persista numa nova figura.