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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Uma mesma realidade

Lima de Freitas - O Contemplador de Mundos (1997)

Um dos passos fundamentais na vida do espírito é a compreensão do equívoco que separa contemplador e coisa contemplada. Esta dualidade funda-se na que opõe produtor e contemplador. Na verdade, em qualquer área da vida do espírito, aquele que produz, aquele contempla e a coisa contemplada são uma mesma e única realidade, fruto do acto de produção que é ao mesmo tempo um acto de contemplação ou vice-versa.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

O sonho

 Franz Marc - O sonho (1912)

O sonho, o que fazer com ele? Para além de visão profética do futuro a acontecer ou de forças pulsionais inconscientes que, motivadas por um passado traumático, se revelam, o sonho é uma pura presença que vale por si mesma e não tanto como uma manifestação de um passado realizado ou de um futuro a acontecer. Como um quadro, um poema ou uma sonata, o sonho dá-se a fruir como um objecto estético frágil e efémero, uma combinação momentânea do espírito, que, inquieto, logo sopra noutra direcção. Exige não uma terapia ou uma acção preventiva, mas a mais pura das contemplações.

domingo, 26 de julho de 2015

A solidão no monte

Henri Matisse - The Sorrows of the King (1952)

Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l'O para O fazerem rei, retirou-Se novamente, sozinho, para o monte. (João 6:15)

Platão ainda viveu a ilusão do Rei-Filósofo, a possibilidade de compreender o poder como o lugar da justiça e do bem. Cristo, porém, não tem qualquer ilusão. Perante a possibilidade de ser aclamado rei, retira-se para a solidão do monte. Este gesto de recusa do poder não é importante apenas para compreender a figura do Cristo. É decisivo para se perceber a natureza do poder. Mais decisivo, contudo, é aquilo que é contraposto à ocupação do poder, a solidão no monte. O que significa isso? O monte simboliza a possibilidade de ver de cima, de compreender, de perscrutar o horizonte, de contemplar. A solidão do monte diz-nos que, para o homem, a contemplação é o bem mais precioso, infinitamente mais precioso do que o poder.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Aprender a quietude

JCM - Time on space (2008)

Podemos pensar que a viagem espiritual é como um mergulho nas águas inóspitas do oceano. Isso, porém, é uma ilusão fundada no voluntarismo que tomou conta da nossa cultura. Na verdade, a viagem espiritual é antes um aprender a estar quieto e silencioso, um aprender a deixar que o espírito se derrame sobre si, como as águas do oceano se derramam sobre as velhas rochas, para que, lentamente, uma vida nova cubra a pedra rude com um verde belo e vigoroso.  

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Da realização do real

Albert Gleizes - Contemplação (1944)

Um estranho equívoco apoderou-se da ideia de contemplação. Pensa-se que é uma alienação do real, uma absorção do ego em si mesmo ou em algum objecto que o fascina e que, nesse fascínio, não é mais do que a projecção desse ego. A contemplação, porém, pouco tem a ver com os desvarios do ego. Contemplar é o encontro de duas presenças que, nesse instante, se tornam numa pura realidade. Não é uma alienação, mas, no verdadeiro sentido da palavra, uma realização. Na contemplação, a realidade realiza-se, torna-se efectiva, torna-se real.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A verdade de si

Caspar David Friedrich - Homem e mulher contemplando a Lua (1820)

Na contemplação de um objecto, não é a verdade do objecto contemplado que se revela, mas a do próprio contemplador. Não que os objectos ou o mundo sejam um espelho, mas o facto de alguém escolher este ou aquele objecto para contemplação é uma autêntica epifania daquilo que é. Revelo a minha verdade nos objectos que escolho para olhar e na forma como o meu olhar paira sobre eles. 

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Uma estranha presença

Jean de Beaumetz - The Cruxifixion with a Carthusian Monk (1389-1395)

Esta intromissão anacrónica de um monge cartuxo na crucificação de Cristo não é um devaneio artístico nem, tão pouco, um acto arrebatado de fé, mas uma meditação sobre a natureza dos acontecimentos religiosos. O que Jean de Baumetz faz é abolir a história, dissolver o tempo. Mas não pretende negar nem história nem tempo, mas tornar evidente que o acontecimento histórico e temporal da morte de Cristo não pertence à história, mas à eternidade. A morte do Cristo, bem como o seu nascimento e a sua ressurreição, por serem eternos, podem acontecer a cada instante do tempo. O monge cartuxo representa cada um de nós contemplando esse acontecimento central na história da humanidade ocidental. Central, porque não pertence a essa história, e por não lhe pertencer move-a, organiza-a, prescreve-lhe, no silêncio da eternidade, o seu secreto fim. A estranha presença não é a do monge perante o Cristo crucificado, mas a presença de Cristo perante cada um de nós, aqui e agora.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Estar em vigília

Thomas Merton diz, em Semences de contemplation, que "não esperamos na contemplação, evadir-nos da luta, da angústia ou da dúvida." Procurar o caminho do espírito não é uma estratégia de alienação. Se me ponho a caminho não é para fazer disso um analgésico para as dores que o mundo, ou a vida, ou as ilusões que eu próprio crio. Pôr-se a caminho é manter-se atento e desperto. Em vigília. Estar em vigília é abrir-se para o conflito entre a minha mundanidade e aquilo que está para além dela e nela se oculta. Estar em vigília é aceitar plenamente a angústia da incerteza ou o tormento da dúvida sobre o caminho que se tomou. O caminho do espírito não é uma diminuição da nossa natureza humana. Pelo contrário, é o começo de nos tornarmos verdadeira e completamente humanos.