Henri Matisse - A dança (1909-10)
Talvez tenha sido Paul Ricoeur que tenha dito que a dança é uma luta contra a gravidade. Ao dançar, o corpo fluidifica-se, abole alguns limites, redefine as fronteiras do possível. Quanto mais exigente tecnicamente for um estilo de dança maior a ambição que nele se esconde. Que ambiciona um corpo ao dançar? Tornar-se um corpo mais eficiente e com maior capacidade performativa? Tornar-se numa aparência arrebatadora para o espectador? Tornar-se fonte inesgotável de um prazer subjectivo? Tudo isso pode ser verdade, mas é secundário. Ricoeur, se não me falha a memória, tem toda a razão, o corpo pretende suspender o efeito da gravidade. O que significa, porém, esse desejo? Significa simplesmente que o corpo aspira a não ser corpo. A gravidade faz parte da corporalidade. A nossa experiência do corpo é concomitante ao nosso sentimento de subjugação à gravidade. Quando o corpo dança, quando responde ao anseio de suspender a gravidade, ele responde ao seu mais secreto desígnio. Ele pretende tornar-se puro espírito. Quando os corpos dançam é o espírito que neles se esconde que se manifesta. A dança é sempre uma hierofania.