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domingo, 15 de dezembro de 2024

Signo sinal 24. Línguas de fogo

Raimundo de Oliveira, Pentecostes, 1964 (Gulbenkian)

A súbita irrupção de línguas de fogo abriu os homens ao incêndio de uma revolução vocabular. Das planícies dos céus caíram palavras em forma de labaredas sobre o lago das águas silenciosas. A mudez foi rasgada, e a fala brotou em todas as línguas conhecidas e desconhecidas, em todos os idiomas vivos, mortos e por nascer. Ouviram-se palavras que nunca poderiam ser ditas, pois a sua existência pertencia ao grande império do impossível.

sábado, 9 de novembro de 2024

Signo sinal 23. Abandono

Amadeo de Souza-Cardoso, sem título, 1915 (Gulbenkian)

O rosto que se distorce é o signo da derrelicção do homem, desse abandono a que cada um se entrega, deixando-se enredar numa teia de sinais contraditórios, aqueles que, esquivos ou imperativos, vêm das suas pulsões e os outros que nascem fora de si, mas que tomam conta do castelo interior deixado ao acaso dos dias e à impaciência dos desejos.

domingo, 6 de outubro de 2024

Signo sinal 22. Anunciação

Fernando Calhau, sem título #375 (Gulbenkian)

A súbita irrupção de um triângulo de luz branca sobre uma paisagem de cinza e carvão é um sinal que se abre diante dos olhos incrédulos, até que se torne, sem que o espectador descubra a razão, o signo de uma transcendência que rompe a ordem das coisas e anuncia não o caos mas um novo e mais luminoso cosmos. 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Signo sinal 21. Natureza

Lucien Clergue, Maïs, Camargue, 1960

Também a natureza nos recorda a cada instante que tudo é símbolo e que cada coisa é mais do que ela, pois é signo que se entrega à nossa decifração e sinal de que neste mundo um número infinito de outros mundos se tocam e cruzam, deixando cada um deles um símbolo como atestação do segredo que lhe dá existência.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Signo sinal 20. Elementos

Carlos Calvet, Os 4 elementos, 1959 (Gulbenkian)
Onde existem esses quatro elementos que os antigos viam na origem de tudo? Água, terra, ar e fogo são sinais e símbolos, e como todos os sinais e todos os símbolos habitam em nós. Com eles, os homens construíram imagens do mundo e, depois, entraram nelas como se entrassem na sua própria casa.


domingo, 14 de julho de 2024

Signo sinal 19. Diluição

Rui Filipe, Baixa-Mar, 1973 (Gulbenkian) 

Tudo é sinal, a indicação de uma outra coisa, a promessa do que está ausente, indício do que passou. E nessa árdua tarefa de assinalar, o sinal dilui-se, perde a sua materialidade e flui como a água do mar batida pelo vento, transformada em ondas que trazem e levam as secretas mensagens que o oceano estende pelo vazio dos grandes areais.

domingo, 2 de junho de 2024

Signo sinal 18. Escuridão

Jorge Molder, O Fazer Suave de Preto e Branco (da série), 1981 (Gulbenkian)

Na escuridão, procuramos em silêncio sinais de luz, relâmpagos que iluminem a noite escura da alma, cintilações que orientam no caminho aquele que decidiu empreender a viagem para dentro de si, levado pela esperança de encontrar os signos que lhe abrirão o portal para o segredo vivo que o habita.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Signo sinal 17. Fim do mundo

Juan José Aquerreta, Amor en el fin del mundo, 1991
Pode-se pensar em palavras monstruosas ou em impulsos tresloucados provenientes de um coágulo sanguíneo. Pode-se meditar na força da gravidade e no seu poder de esmagamento ou na violência idiomática da guerra. Aí haverá sempre o signo do fim do mundo, desse evento que rasgará o silêncio das planícies e aniquilará a saliência das montanhas. Se do amor houver sinal, então um outro mundo começa a despontar com um manto de auroras e a promessa de cascatas caindo para o lago do futuro.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Signo sinal 16. Identidade

Nikias Skapinakis, Objecto não Identificado - XLII, 1968 (Gulbenkian)

Objectos não identificados são como países ainda não descobertos. Têm fronteiras que lhe determinam o contorno, possuem um corpo como se fora uma imenso território. Por vezes, arvoram um pavilhão que deles será símbolo, mas ainda não têm um nome que lhes permita saber o que neles há de luz e o quinhão que suportam de trevas. Correm pelo espaço, navegam pelo tempo, procuram em cada recanto a identidade que lhes trará uma denominação e o passaporte para o pensamento.

domingo, 26 de novembro de 2023

Signo sinal 15. Suspensão

Rudolf Schlichter, O mundo inanimado, 1926

Suspender o movimento do mundo, abolir os efeitos do tempo, proibir a mobilização contínua dos homens. Então, pode-se contemplar a imagem diluída da eternidade, uma imagem sem vida, mas que é o signo que abre a porta ao que é sempre vivo, àquilo de onde a morte foi expulsa e a que não poderá retornar, pois ali não é a sua pátria, nem o poder dos seus exércitos pretorianos é suficiente para derrubar as invisíveis muralhas e conquistar uma praça que nunca lhe pertencerá.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Signo sinal 14. Mêlée

Júlio Pomar, Mêlée, 1968

Os corpos incautos perdem-se no combate, misturando-se braços e pernas, o sangue que escorre das feridas abertas pelo desejo de superação. Antes de suplantar o adversário ou de vencer o inimigo, há que defrontar-se a si mesmo, fazer um pacto e estabelecer um longo armistício. Nessa hora, o adversário desaparece e o inimigo, descobre-se, não passa da figuração do medo que há dentro de si. 

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Signo sinal 13. Uma fraca argila

José Manuel Espiga Pinto, Brincando com o «Cavalo de Tróia», 1983

Celebra-se no Cavalo de Tróia a astúcia de Ulisses, mas a hermenêutica do acontecimento não deve ficar pela superfície. A astúcia do inimigo é concomitante com a cegueira que o desejo de novidades faz cair sobre nós. O Cavalo de Tróia é o signo de uma queda perante os artifícios que exploram a fraca argila da nossa faculdade de desejar.

domingo, 13 de agosto de 2023

Signo sinal 12. Águas pluviais

Hugo Canoilas, A água da chuva a cair nas bacias oceânicas,2020-2022 (aqui)

Os símbolos sulcam as pradarias oceânicas, onde rebanhos de animais vorazes aguardam as águas pluviais. Esperam delas a pureza decantada na atmosfera, o doçura que equilibrará o excesso de sais e dará um rumo aos que se perdem nos signos dos tempo ou nos sinais de novos mundos.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Signo sinal 11. Turbilhão

Adelaide Cad’Oro, sem título, 1983 (aqui)

Como num deserto, as areias enovelam-se e batidas pelo vento erguem-se em turbilhão, adquirindo estranhas configurações para sinalizar aquilo que ainda não se vê, mas que o tempo traz consigo já pronto para se manifestar aos olhos de quem saber olhar.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Signo sinal 10. Uma sombra

James Craig Annan, Der Franciscaner, 1896
O silêncio fundido na solidão torna-se uma sombra a pairar pelo mundo. É um animal de fogo no gelo da terra, é uma floresta de água no caminho do incêndio. Vai e vem como um sinal que indica o caminho ou o signo do advento da Primavera.

domingo, 29 de novembro de 2015

Signo sinal 9. Ler os sinais

Winslow Homer - O sinal de perigo (1890)

A vida do espírito é um percurso entre sinais. Não há erro maior que o desprezo pelos sinais que, a cada instante, nos são enviados. Onde? Através de quê ou de quem? Em qualquer sítio e em não importa que situação. Ler os sinais é um exercício minucioso que nunca está completamente aprendido. Os sinais são, por vezes, tão dolorosos que não queremos olhar para eles. Eles, porém, não deixaram de se manifestar e de se oferecer à leitura.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Signo sinal 8. A leitura decisiva

Francisco Bores - A leitura (1934)

Uma das principais competências exigidas pela vida espiritual é a da leitura. Não propriamente a leitura de textos, mas a leitura de sinais e de símbolos. Na vida do espírito, mais importante do que a leitura dos diferentes discursos é a leitura daquilo que acontece, seja dentro do viandante seja no ambiente que o envolve. Porém a leitura decisiva será daquilo que não acontece. É preciso aprender a ler lá onde desapareceram todos os símbolos, os signos e os sinais. Ler o silêncio. Esta é a leitura mais difícil e a mais decisiva.

sábado, 4 de julho de 2015

Signo sinal 7. No ermo dos montes

Joan Miró - Ermida de Sant Joan d'Horta (1917)

Há lugares que funcionam como um sinal, um indicador. Uma ermida perdida no ermo dos montes não é apenas o sinal de uma antiga devoção. É um lugar onde o viandante recobra as forças para a viagem, é o sinal de que não entrou na errância, o signo que confirma que ele segue no caminho para o qual não há confirmação.

domingo, 5 de outubro de 2014

Signo sinal 6. No mais inesperado dos lugares

Ana Peters - Azul Prusi (1993)

Múltiplos são os matizes que se abrem na viagem. Aquilo que aos olhos do turista se mostra como insuportável uniformidade, o viandante vê-o com inúmeros cambiantes. A este não lhe interessa o pitoresco ou a descoberta de culturas diferentes, essa frouxa justificação para dar vazão ao medo da monotonia. A viagem é a própria vida em busca das raízes do ser, em busca da palavra que chamou o viandante à existência. Por isso, o olhar deste, ao contrário do turista, é profundo e demorado. Um sinal pode ser encontrado no mais inesperado dos lugares.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Signo sinal 5. Sinais de luta

JCM - Time on space. Baleal (2007)

Se a alma dos homens fosse visível como uma rocha, também nela avistaríamos múltiplos sulcos, impressões deixadas pelo tempo e pelas diversas experiências que a vida traz consigo. Nem sempre esses sulcos atravessarão planícies férteis ou vales amenos. Muitas vezes rasgam as encostas mais escarpadas. São então sinais de uma dura luta contra o que é fácil e cómodo. São rugas deixadas pelo crescimento da vida do espírito.