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sexta-feira, 31 de março de 2017

A queda do silêncio

Misonne Leonard - Impressionistic photography (1942)

Há imagens, como esta fotografia de 1942, que são símbolos visíveis do silêncio. Olhamos para ela e compreendemos, de imediato, que todos os  ruídos do quotidiano estão suspensos. Mas o ronronar da chuva e o barulho dos passos não são uma forma de ruído que desmente a imperatividade do silêncio? Não. O murmúrio da chuva e o chapinhar dos passos na terra são a forma como, naquela hora, o silêncio cai sobre os homens.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Um furacão contínuo

Gaspard Dughet - O Furacão

O hábito linguístico tornou corrente tomar o furacão como imagem das grandes perturbações da vida. Esta imagem - ou esta metáfora já morta - tem um efeito consolador e tranquilizador, pois esconde que a vida, e não apenas uma parte dela, é uma grande perturbação, um furacão contínuo, contra o qual não há defesa possível. Resta apenas o silêncio interior para que o redemoinho das coisas encontre o seu lugar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Sobre a discussão

Emil Hansen - Discussion (Blue)

No mundo ocidental, a valorização da discussão - sob a denominação de discussão crítica - oculta duas coisas essenciais. O culta o seu real valor e a sua impotência na vida do espírito. O real valor da discussão é o da substituição da violência física pela confrontação simbólica. Esta substituição, contudo, é uma necessidade social e nada tem a ver com o caminho para a verdade. Os limites da discussão estão na sua própria natureza. A confrontação simbólica através de palavras é ainda uma paixão, onde os egos se afirmam e se defendem. O caminho do espírito começa, todavia, quando o ego se cala e abandona o palco onde representa o seu triste papel.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Paisagens desconhecidas

Jean Metzinger - Landscape (1904)

O estranho silêncio das paisagens desconhecidas abre-se perante o espanto do viandante. E ele não sabe o que mais admirar, se a novidade com que os seus olhos se deparam ou se o silêncio com que é recebido. E assim penetra no desconhecido à espera de um sinal que lhe indique o caminho ou de uma voz que o chame.

sábado, 31 de janeiro de 2015

O ardor silencioso

Tal-Coat - Do ardor (1972)

Não é a impassibilidade dos estóicos que o viandante busca, tão pouco é o entusiasmo dos exaltados aquilo a que aspira. Na viagem, procura o ardor silencioso que move o coração e que, preso ao segredo que o habita, ilumina o mundo.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O espaço do silêncio

Fernando Roscubas y Vicente Roscubas - Espaços de silêncio (1994)

Os lugares de silêncio, nos dias de hoje, são pequenas bolhas na superfície da terra. O ruído, nas suas múltiplas formas, tomou conta do mundo e impõe aos homens - a alguns deles, pelo menos - uma terrível provação, a de criarem, através de uma dura ascese, um espaço de silêncio dentro do ruído geral. Nele, esperam ouvir a voz silenciosa que por eles chama.

domingo, 8 de junho de 2014

Se a tempestade se aproxima

Léonard Misonne - A Storm Arrives

Há violentas tempestades que, vindas da revolução dos elementos, se abatem sobre o Viandante. Essas, porém, são tempestades benignas. Terríveis são as que nascem no coração do homem. Partem do centro vital, espalham-se por cada recanto do ser, abalando todos os interstícios. Quando se aproximam, o melhor é o Viandante esperá-las em silêncio. Deixar que esse silêncio revele o terrível que se aproxima, para que a verdade então se manifeste.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A silenciosa escuta

Edward Weston - Near Neshanic, New Jersey (1941)

Por isso, Jesus, sabendo que viriam arrebatá-lo para o fazerem rei, retirou-se, de novo, sozinho, para o monte. (João, 6:15)

A solidão surge nesta passagem de João em contraponto não com a vida em comunidade mas com o exercício do poder. Aquilo que cabe a cada um de nós reger não é os outros homens mas a si mesmo. O poder é o lugar expressamente rejeitado por Cristo. Todos conhecemos a sua palavra: o meu reino não é deste mundo (João, 18:36). De onde é então o seu reino? Melhor do que uma resposta dada pelo hábito, será meditar o versículo em epígrafe. Ele dá-nos uma indicação essencial: ao rejeitar um reino, o reino humano de natureza política, ele indicou o caminho do outro, o caminho da solidão.  Trata-se de um estranho reino, cuja notícia apenas pode chegar pela silenciosa escuta na solidão, mesmo que essa solidão seja rodeada pela presença da comunidade.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Um grão de areia no deserto

Frantisek Kupka - A via do silêncio (1900)

Qual é o poder do silêncio? O poder do silêncio é a sua impotência. O silêncio enquanto silêncio não tem poder. O silêncio puro é impotente. (Raimon Panikkar, Mystique plénitude de Vie)

Raramente reparamos que a palavra, o uso da palavra, é uma forma de potência, apesar de nunca esquecermos de sublinhar o poder da palavra, sobre o qual se constroem inúmeros desvarios. O silêncio não é apenas impotência, mas convite a uma atitude essencial, convite à perda de poder. Só pode abdicar do poder aquele que alguma vez o teve. Quem escolhe o silêncio não é o que está impedido de falar, mas o que, tendo a potência do logos, dela abdica para se tornar um grão de areia no deserto.

sábado, 27 de abril de 2013

O silêncio e o nada

Odilon Redon - O silêncio

O silêncio não diz nada (rien), talvez porque é o nada (néant) que «diz» o silêncio. Compreendo que o nada (néant) é silencioso e que apenas podemos perceber o nada (néant) no silêncio. (Raimon Panikar, Mystique plénitude de Vie, p. 162

Há no mundo de hoje uma enorme poluição sonora. Não há lugar algum para onde possamos ir sem que o ruído nos invade. O pior, porém, são as palavras que nunca se calam dentro de nós. Esta poluição é o sintoma de um medo profundamente enraizado. Medo de quê? Medo de enfrentar esse nada que fala no silêncio, medo de se abrir para ele, medo de nos esvaziarmos para que ele seja nada em nós. O silêncio é a abertura para além do domínio das imagens sonoras, para além da multiplicidade das línguas e da pluralidade das palavras. No silêncio, escutamos, vazios, o Logos, esse nada anterior a todos os seres, esse verbo anterior a todos os sons. E isso aterroriza-nos, como o silêncio dos espaços infinitos já aterrorizava Pascal.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Solidão e mistério

Carlo Carra - Solitudine (1917)

Vivemos num tempo ambíguo relativamente à solidão. Por um lado, não apenas somos convocados para a vida em rebanho, como essa vida nos entra porta dentro sem que tenha sido convidada. Por outro lado, são inúmeros os seres humanos que vivem solidões indesejadas, abandonados à sua sorte, solidões que doem desesperadamente. A vida em rebanho e essa solidão indesejada são as duas faces da mesma moeda. Essa moeda é a alienação, o estranhamento a que as sociedades modernas parecem querer condenar os homens. Alienação significa aqui o estranhamento a si mesmo, à sua natureza mais funda, o estranhamento à essência que nos torna verdadeiramente humanos. 

Essa alienação tem ainda o condão de ocultar a necessidade que cada ser humano possui de solidão. Não da solidão negativa fruto da impotência, mas de uma solidão que permita o encontro de cada um consigo mesmo, com aquilo que de mais secreto habita no fundo dos homens. Essa solidão exige o silêncio. Em primeiro lugar, o silêncio exterior, o afastamento da algazarra feérica que anima a vida do rebanho. Em segundo lugar, o silêncio interior, o abandono das ilusões, mas também dos desejos e receios com que, continuamente, nos enganamos. A solidão, a verdadeira solidão, não implica o corte radical com os outros, mas uma vida temperada onde o estar só e o estar acompanhado se equilibram. Esse equilíbrio é uma condição necessária para que cada um se confronte com a verdade que traz em si, com o mistério que foi cifrado ao ser concebido e ter vindo à vida.

domingo, 25 de novembro de 2012

Sobre as águas

Lyonel Feininger - Regatta (1943)

Sopra o espírito sobre a água e os barcos, levedados no silêncio das tardes, correm, desenham esteiras no mar, precipitam-se para o porto que os aguarda. Assim são os homens, pequenas caravelas empurradas pelo vento. As pegadas que deixam na terra, logo se apagam. Quando chega a noite, alguns tremem outros cantam. O espírito, porém, permanece fiel a si mesmo e, no obscuro arbítrio que o rege, sopra onde quer, mesmo que sejamos incapazes de sentir, nestes dias de cinza e chumbo, o hálito dos deuses.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Solidão e silêncio

George Pierre Seurat - Port-en-Bessin (1888)

A aprendizagem da solidão e do silêncio  não significa um exercício de afastamento dos outros, uma negação da dimensão social e comunitária que nos constitui, o pôr fim à comunicação, mas uma viagem para si próprio, para aquilo que há de mais fundo em nós. Todo o nascimento significa um acto de separação, mas um acto de separação que constitui um nós. Ao nascer, a criança separa-se da mãe. O corte do cordão umbilical, porém, significa que agora há novas realidades. Não apenas um novo ser, mas uma nova comunidade entre mãe e filho, um terceiro termo. O importante é que o nós instituído, os vários nós que se instituem, sejam um caminho para uma cada vez mais completa individuação. Tornar-se indivíduo é o enfrentar o mistério que nos constitui. Este exige a solidão e o silêncio. O essencial é tornar-se só mesmo estando com os outros, silenciar-se mesmo se comunicamos e partilhamos palavras. Solidão e silêncio não são coisas negativas que se sofram, mas aquilo que activamente se procura nessas horas em que estamos rodeados e conversamos. Só aqueles que amam a solidão e o silêncio têm alguma coisa para dizer. Mas nada melhor do que a silenciosa conversa de solitários.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Silêncio


Silenciar o tumulto do pensamento, deixar lentamente que ele se desvaneça, e esperar na escuridão do espírito que uma palavra venha iluminar as trevas. O que vier virá na liberdade, livre e inesgotável, tão inesgotável como o silêncio que sobre o espírito cai.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Do ruído e do silêncio


Continuação da leitura do diário de Thomas Merton. Escreve sobre o ruído mecânico. Não comenta a natureza desse ruído, apenas aponta a sua presença, o seu crescimento no universo onde vive. Um ruído de máquinas. Enquanto leio, lá fora, o ruído não cessa. Os carros que passam, uma máquina talvez no jardim de uma escola, as pessoas que emitam os carros e são agora máquinas que resfolegam, apitam, fremem e no fremir ouve-se o bater desamparado das células. Alguns de nós anseiam pelo silêncio, por essa dádiva que é suspender a mecanicidade ruidosa do mundo. Mas isto não passa de uma ilusão. A tarefa tornou-se absolutamente mais complexa e exige de nós aquilo que dificilmente poderemos dar. O fundamental não é encontrar uma pátria do silêncio ao lado das várias nações ruidosas. Essa pátria já não existe, foi tomada de assalto e colonizada por hordas turbulentas. O exercício fundamental é aprender a instalar-se no silêncio que habita o ruído. Este, o ruído, possui uma natureza negativa. Nega o silêncio, mas essa negação é a esperança, talvez a única, para quem precise de se instalar no infinito silêncio onde algo o espera. Essa negação é um nada e é neste nada que teremos de aprender a fazer a nossa casa, e a descobri-lo como o único silêncio possível nos dias de hoje. Escutar no ruído tremendo que nos envolve o silêncio que ele mascara, e, mais do que tudo isso, encontrar o silêncio dentro do ruído que nos habita e que, demasiadas vezes, nós somos.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Sobre a morte de José Saramago

Nestes dias, aqueles que a morte de José Saramago ocupou, muitas coisas sem nexo foram ditas. Sublinho, no entanto, aquela que assumiu o cúmulo da irrelevância. Disse L'Osservatore Romano que Saramago "foi um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao fim numa confiança arbitrária no materialismo histórico, aliás marxismo." Como é possível dizer uma coisa destas? Em primeiro lugar, porque o materialismo dialéctico e o marxismo não passam de metafísica, de uma dada metafísica materialista, mas ainda e só metafísica. Em segundo lugar e mais importante, porque, tendo em conta aquilo que li de Saramago, só a metafísica o parecia interessar.

Mesmo a blasfémia, se é que Saramago era um autor blasfemo, é um louvor a Deus. Mas a recorrência da temática religiosa nas suas obras, mesmo que sejam pequenas notas de raspão, é um confronto de uma subjectividade com o terrível silêncio de Deus. Em Saramago havia uma pulsão de neo-converso ao contrário. Era como se o escritor fosse uma espécie de Paulo de Tarso, mas aspirasse ser um João Evangelista ou, de outra forma, um daqueles monges do deserto que fazem a história inicial da mística cristã. Perante a impossibilidade, ele assumia-se então como um S. Paulo ainda quando tomava o nome de Saulo.

A obra e a personalidade do escritor são o exemplo de uma luta metafísica, uma luta trágica, e deveriam merecer uma atenção redobrada, em vez da lamentável nota de L'Osservatore Romano. Saramago é um exemplo de como a crença na subjectividade própria impede de escutar Aquele que fala no silêncio e na pobreza do deserto. A ânsia de encontrar Deus, de o fazer manifestar-se, e a ânsia de salvar o ego tolheram em Saramago o caminho, transformaram-no numa luta titânica desvairada e fecharam-no dentro de si e no mundo, sempre um pequeno mundo, por amplo que seja. Há aqui mais do que um simples negador, há aqui um exemplo do destino do Ocidente. E não apenas daqueles que não conseguem silenciar-se, não conseguem silenciar a ânsia e o desejo que povoa o ego empírico, para que possam escutar Quem fala, mas também um exemplo de como aqueles que detêm o depósito da palavra já não a percebem ou não conseguem dá-la a perceber.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O silêncio cresce

O silêncio cresce desmesurado. Uma quase impossibilidade de escrever ou de ler, um sabor amargo de indiferença por tudo o que toca o caminho. Como se as palavras se tivessem gasto e fosse impossível pegar-lhes.

sábado, 5 de setembro de 2009

Deixar vir

Deixar vir a noite com o seu silêncio, deixar vir a incerteza que a escuridão traz, deixar vir o sussurro da Voz que ecoa para lá do horizonte.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Terra da alegria

Quantas vezes o silêncio prolongado nada mais é do que a sombra do ruído? Há quantos dias ou meses não venho aqui? Perdi-lhe o conto e nem quero ver a data da última coisa que deitei neste mar de cinza. Terei esquecido a caminhada? Como seria possível fazê-lo? Apenas a dissolução da vontade tem crescido e o escrever tornou-se penoso. Olho a noite travestida de néon e vejo o desespero dos faróis a relampejar na avenida. Pequena cidade a minha, tudo nela tolhe o caminho. Aqui não ha quem peregrine. Mas que sei eu do mistério que há nesses outros todos que tenho vindo a desconhecer? Caminham como eu, por certo, e eu andarei tão perdido quanto eles. Mas andar perdido não é o destino daquele que ainda não chegou à terra da alegria?

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O mar da eternidade

O tempo passa tão rapidamente entre os trabalhos que a vida traz, que parece nada já existir para além do tempo que passa. Pesados grilhões são o tributo ao ardil do relógio, obscura volúpia que nos suga para o interior vazio que o habita. Agora que cheguei aqui, peço ao silêncio redentor a carícia da solidão. Fecho os olhos e penso na luz que me habita, nessa palavra que proferiu o meu nome e me trouxe ao mundo. Esqueço-me do tempo e calo o coração ao mergulhar no mar a que, à falta de melhor, chamo eternidade.