sábado, 31 de dezembro de 2011

Peregrinatio ad loca infecta

O ano vai acabar, mas a peregrinatio ad loca infecta parece não ter fim. É aquilo que compete a nós, seres mundanos. Por vezes, consolamo-nos com a ideia de estarmos no mundo mas não lhe pertencer. Mas isso é ainda uma idealização, uma fuga mundi, no sentido pleno da expressão. É nesse mundo que nos compete peregrinar, visitar os locais de perdição, os tomados pelos miasmas da doença, aqueles onde nos esquecemos de quem somos. Se fomos enviados a esta terra e a este mundo, não será uma blasfémia dizer que não lhe pertencemos? Um novo ano vai entrar, segundo o calendário que tomámos por nosso. Se for essa a vontade do Altíssimo, e enquanto essa vontade permanecer, continuará a pregrinatio ad loca infecta. A que outros lugares poderíamos nós, pobres mortais, peregrinar, presos à nossa finitude? Uma boa viagem.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Poemas do Viandante


234. POEMAS PARA AFRODITE (XV)

se descanso
no côncavo desvão
do teu ventre
oiço o rumor
do sangue
a arder
inundando a pele
de sede e calor.

Poema que encerra o ciclo Poemas para Afrodite. Este texto substitui o original, ainda perdido num disco rígido que se transtornou.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (22)


Inverno esquecido,
em luminosa neblina,
pelo sol traído. 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

J.S. Bach - Christmas Oratorio BWV 248



Para quem, em peregrinação, por aqui passe, o Homo Viator deseja um Santo Natal. Exultemos e regozijemo-nos pelo nascimento do Salvador. Na desolação do presépio, nasceu um menino, e como todas as crianças, esta que nasce incansavelmente há mais de dois mil anos representa a convicção de que a vida vale a pena ser vivida, que a morte será derrotada. Oiçamos a Oratória de Natal de JS Bach. Cada nota exalta o nascimento de Cristo.

[J.S. Bach - Christmas Oratorio BWV 248 - Part I 'For the First Day of Christmas' - Mvt. I]

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (21)


árvores, montanhas
sobre um fio de água sonâmbula:
ali a águia sonha.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (20)


caminhos de terra
são rios de argila e calcário
no corpo da serra.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (19)


manhã clara e breve,
onde as folhas d'outono
cantam ao de leve.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (18)


abre-se a lua
sobre a noite sem mistério:
silêncio p'la rua.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (17)


astro tão sombrio
a lua na noite escura:
musgo puro e frio.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (16)

Le Merle Noir (Olivier Messiaen)

voa, no fim da tarde,
o melro negro anunciando
a noite que em ti arde.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Haikai do Viandante (15)


caída no chão,
ergue-se vermelha a rosa:
fogo e luz na mão.

Arvo Pärt - Most Holy Mother of God


No dia da Imaculada Conceição, uma composição belíssima de Arvo Pärt, nas extraordinárias vozes do Hilliard Ensemble, as quais tivemos o supremo prazer de escutar em Leira, há já alguns anos.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Allegri - Miserere Mei


Há alturas na vida que a única coisa que apetece fazer é entoar um Miserere. Pelo mal que fizemos? Não, pelo bem que não tivemos talento de fazer.

Haikai do Viandante (14)


da noite, o véu
cai negro, leve e pesado,
um rumor no céu.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Poemas do Viandante


241. Antígona

pobre princesa
conduzes o infeliz cego
e na tua fronte altiva
vem já desenhado
o rosto da morte

a poeira de tebas
o irmão insepulto
são flores que anunciam
o destino infausto
trazido por mãos cruéis
pousadas nas trevas do poder

domingo, 27 de novembro de 2011

Poemas do Viandante

240. Etéocles e Polinices

foi dura a batalha
e de sangue nunca a terra se cansa
pobres flores as que
édipo semeou

são cardos e joio
a palha seca
que o vento pela sombra
de tebas levou

sábado, 26 de novembro de 2011

Haikai do Viandante (13)


o dia amanhece
luz e sombra, jardim onde
a rosa floresce

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

domingo, 13 de novembro de 2011

Haikai do Viandante (12)


cada folha caída
pelo tempo frio de outono
ó luz renascida

Salve Regina, Arvo Pärt


Um salto no tempo, do tempo de Pergolesi (1710-1736) para o nosso, para Arvo Pärt, do Stabat Mater para a Salve Regina. Mas não por acaso, sempre sob a égide de Maria.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Stabat Mater, de GB Pergolesi (2)


Uma outra versão do Stabat Mater, de Pergolesi. A imagem que o autor do vídeo escolheu para acompanhar a peça musical é eloquente. Não é meramente uma mãe que chora a morte do seu filho. É ao mesmo tempo as dores da alma no parto do Verbo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Stabat Mater, de GB Pergolesi



Stabat mater dolorosa
juxta Crucem lacrimosa
dum pendebat Fillius

(todo o texto aqui)

Nunca me canso de ouvir. Esta é a versão de que mais gosto (sopranista, embora aqui seja ainda uma criança, e contratenor). Não sei do que mais gosto, se do texto, se da composição de Giovanni Battista Pergolesi, se das excepcionais interpretações do Concerto Vocal, Sebastien Hennig e René Jacobs, Na transição que vai do primeiro verso Stabat mater dolorosa ao último paradisi gloria. Amen, o luto da mãe de Cristo transforma-se na vitória da vida sobre a morte, e percebemos como uma cena pascal é, ao mesmo tempo, a promessa do verdadeiro natal.

domingo, 6 de novembro de 2011

Haikai do Viandante (11)


árvore ao luar
ébrio fantasma nocturno
que oiço cantar

sábado, 5 de novembro de 2011

Haikai do Viandante (10)



sombras de azul
relembram aves sonâmbulas
sonhando o paul

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Haikai do Viandante (9)


o sol sobre a água -
uma planície de fogo
nuvens a arder

Poemas do Viandante

239. Ifigénia

no quadro de tiepolo
a lâmina no ventre
sussurra-me a armada
levada pelo vento

e os aqueus partem para a guerra
vão viris e livres
navegam num mar de sangue
que desceu do teu corpo
e limpou a terra

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Poemas do Viandante

238. Ulisses

pobre ulisses o mar encapelado
é uma sombra suave
sobre o teu ombro
e a ira do deus
um refrigério na tarde

penélope escolheu
e as núpcias de ferro
estão consumadas

não suspires ainda
a noite só agora começa

domingo, 30 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

237. VIDA

a vida – a noite a trouxe ­–
um mistério
de silêncio
promessa de luz
cântico de água
no fogo do
pensamento

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Haikai do Viandante (8)


nas margens do rio
desliza feroz a mágoa - 
prisão e voragem

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Haikai do Viandante (7)


abre-se ao terror
da noite a velha árvore - 
murmúrios de luz

domingo, 23 de outubro de 2011

Haikai do Viandante (6)


Chuva de Outono
enche a noite de cansaço.
Um punhal na lua.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Um espectáculo odioso


A miserável morte de Muammar Kadhafi, mais uma das execuções, pela plebe em delírio, de inúmeros ditadores mais ou menos odiosos, a que tenho assistido ao longo da minha vida, deixa-me, como sempre, um traço de amargura no fundo do coração. Compreendo que numa cultura fundada na lei de talião se possa comemorar com exuberância este tipo de acontecimentos. Mas a minha consciência de ocidental, mesmo que o Ocidente tenha cometido inúmeras atrocidades, sente uma veemente repulsa por estas iniquidades. São duas as fontes culturais da minha repulsa. Por um lado, a ética da justa medida aprendida com os gregos. A justa medida, interpretada nos nossos dias, significa a sensatez da pena, a racionalidade de um processo jurídico a que o réu deve ser submetido, mesmo que ele nunca o tenha permitido aos seus adversários. Mas a lei da razão herdada dos gregos, na cultura Ocidental, foi enriquecida pelo convívio com a grande novidade cristã, o perdão do inimigo, a lei do amor como princípio fundamental das condutas individuais. Este é o núcleo duro dos valores éticos fundamentais do Ocidente. É este núcleo que deve ser cultivado quotidianamente, mesmo, ou ainda mais, numa sociedade que, como a nossa, está a perder o norte. A razoabilidade aristotélica e o sacrifício do Cristo são o suficiente para tudo julgar, condenar e perdoar. O perdão não significa a eliminação da pena, mas a sua razoabilidade e a sua limitação, de forma a que a pena não seja um acto de vingança. Kadhafi tinha direito àquilo que terá negado a muitos, a ser julgado por um tribunal independente, num processo justo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

236. SERENIDADE

chegaram os dias propícios
a aragem toca
o arvoredo
um gato corre
e o sol recolhe-se
para lá dos montes

no silêncio da noite
respiro
e deixo vir a tua voz
cantar sobre a luz
que dardeja
a serenidade

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Últimos dias

Brjullow: Der letzte Tag von Pompeji


Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos. Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afecto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela.  (S. Paulo, 2 Timóteo, 3: 1-5) 

A meditação sobre a expressão últimos dias é fundamental na tradição cristã. Se entendermos por últimos dias aquelas que antecedem a parusia de Cristo, a sua segunda vinda, então todos os dias são os últimos dias. A possibilidade do retorno de Cristo na alma do homem não é um acontecimento distante. Isso implicaria a temporalidade e o decurso histórico. Mas o fundamental não estará nesse fim da história, onde Cristo retorna, mas no que está para além da história e da temporalidade. Eternamente, Cristo está a retornar para julgar os vivos e os mortos. Por isso, a descrição paulina dos últimos dias aplica-se tanto à época em que viveu como à nossa, ou a qualquer outra. Esses últimos dias serão trabalhosos, pois a vinda de Cristo, a sua descida na alma humana é obstaculizada pelo amor-próprio nas múltiplas modalidades que Paulo de Tarso descreve. Vivemos, de facto, os últimos dias, e vivemos a corrupção fundada no egoísmo. Isso é verdade socialmente, mas também o é para cada um de nós. Daí, a necessidade da conversão do ego ao totalmente Outro, a esse vazio que espera o nosso vazio para o preencher.

domingo, 16 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

235. DESERTO

no desconcerto que são os dias
espero ainda um vislumbre
a força da água a correr
o vento vindo
do vazio

aí germina o deserto
e os cactos
e o amor que nasce
em quem toma
o deserto pela casa
onde nasceu

O templo vazio


O templo, no qual Deus, seguindo a sua vontade, quer poderosamente reinar, é a alma do homem. Deus a formou e criou justamente bem igual a si mesmo, como lemos ter Nosso Senhor dito: "Façamos o homem segundo a nossa imagem e semelhança!" (Gn 1,26). E foi também o que ele fez. Tão igual a si fez a alma do homem que, dentre todas as esplêndidas criaturas por Ele maravilhosamente criadas, não há, nem no reino do céu nem sobre a terra, nenhuma que se iguale tanto a Ele, a não ser unicamente a alma humana. Por isso, Deus quer ter esse templo vazio, a ponto de ali não haver nada mais do que Ele só. (Mestre Eckhart, Sermões Alemães: Sermão 1 "Intravit Jesus in templum et coepit eicere vendentes et ementes")

Este excerto de Eckhart permite surpreender duas questões essenciais, ambas respeitantes à alma. Em primeiro lugar, é nela que reside a imagem e semelhança com Deus. Poderíamos contrapor a materialidade do corpo à alma, mas isso pouco nos ajudaria, para além de nos deixar reféns de um conjunto de dualismos de natureza aporética. A segunda questão poderá esclarecer esta. Deus quer a alma como um templo vazio. É no vazio que reside a natureza da alma. Esse vazio, devido à sua relação com o templo, é uma abertura. O que é solicitado ao crente - no fundo, a todo o cristão - é a abertura de si-mesmo. Mais que esta ou aquela acção, o que está em jogo é o esvaziar da alma de tudo o que indevidamente a ocupa, sejam preocupações mundanas, sejam vontades e ilusões próprias, seja, inclusive, o plano de salvação pessoal. O vazio é o vazio, e tudo o que se coloca nesse vazio torna-se num obstáculo à presença de Deus no templo. O que está em jogo então não é a minha salvação pessoal ou do mundo, ou seja do que for, mas a da presença do Criador na sua criatura. Essa presença é a própria salvação da criatura e luz para o mundo criado. Inopinadamente, o cristianismo, naquilo que nele é mais essencial, revela um estranho parentesco com disciplinas espirituais bem distintas dele, como o budismo zen ou o tibetano. Fazer em si o vazio para que o Vazio o preencha.

sábado, 15 de outubro de 2011

Destinos e limbos

O último poema da série Poemas para Afrodite, que deveria ter sido postado ontem, sofreu um singular destino. Encontra-se encerrado no limbo de um disco rígido externo ao qual o autor deste blogue deixou de ter acesso. Diversas tentativas, mesmo profissionais, para entrar em contacto com o conteúdo do disco mostraram-se infrutíferas. Naquele limbo digital encontra-se, entre muitas outras coisas, toda a produção poético do autor do blogue, da qual, para muitos dos casos, não há qualquer outra cópia. Há muito que deixei de escrever em papel, e aquilo que fora escrito em papel há muito que estava em suporte digital e o papel devolvido ao pó da terra.

Mais que digno de lamentação, o caso coloca uma questão interessante. Se nem uma empresa super-especializada em recuperação de dados, a que penso recorrer em breve, conseguir salvar o acervo do disco, então toda aquela poesia que lá se encontra, e da qual não tenho qualquer duplicado, desaparecerá. Será o sinal definitivo de que não merecia qualquer atenção. Veremos o que vai acontecer.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

233. POEMAS PARA AFRODITE (xiv)

a tua pele
sob esta mão
um mar de cetim
e se te olho
no fundo
dos olhos
tudo treme
e dança em mim

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

232. POEMAS PARA AFRODITE (xiii)

respirar
o suor do teu
ventre
e fazer
desse corpo
um abrigo
feroz e doce
fresco e quente

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

231. POEMAS PARA AFRODITE (xii)

põe em mim
o calor
dos teus dedos
e arranca
deste corpo
cada um
dos teus
segredos

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

230. POEMAS PARA AFRODITE (xi)

entre as tuas coxas
repouso
a boca
e bebo água
e vinho
e ébrio abraço-te
se cantas viva
e louca

domingo, 9 de outubro de 2011

Da inefabilidade do poema

Poderemos ainda pensar o insondável que se manifesta, ao vir à linguagem, na poeticidade do poético? Se considerarmos esse insondável como um logos apofântico, cuja revelação, permitiria um regime de veridicção, afastamo-nos decisivamente desse núcleo originário de onde brota aquilo que toma forma de poema. O que toma a forma de discurso, mesmo poético, não possui a raiz nesse discurso, mas naquilo que é o prévio do discurso, nesse rumor que percorre o ser e o impele para a palavra. No entanto, esse rumor não deixa de ser o rumor do próprio logos, nessa ânsia de manifestação. Introduzir a metáfora do rumor terá alguma vantagem? Faz-nos abandonar o campo da negação, campo dado em metáforas como insondável ou inefável. Esse rumor, porém, indica ainda um acontecer e a produção (poiésis) desse acontecer. Será nos conceitos de dynamis e energeia que se abre o caminho para a poeticidade do poético. Mas o trajecto terá de ser entendido à rebours da lógica do discurso filosófico. A exploração dos conceitos de dynamis  e de energeia não visa a sua definição e precisão lógico-discursiva, mas uma viagem para o domínio pré-conceptual como preparação para para o salto - trata-se efectivamente de um salto para a consciência comum e também científico-filosófica - para a experiência da dynamis (potência) e da  energeia (acto). Dando, sem análise crítica, como boas as traduções canónicas por potência e acto do par dynamis e energeia, podemos dizer que há que fazer a experiência da potencialidade e da actualidade, não apenas a escuta de ambas, mas a experiência do operar agónico que as conduz e as constitui, para nós, como rumor. Aqui está já presente o logos, mas ainda não cindido e submetido a um regime de veridicção. Neste conflito e amplexo erótico, são expelidas as matérias que o poema fixa através das múltiplas estratégias da escrita poética, mas a poeticidade reside no tumulto da agonía, e o poeta vive na fronteira entre o caos agónico e o cosmos lógico-sintáctico. A inefabilidade do poema reside, aos nossos pobres olhos, no facto de ele ser ao mesmo tempo um guarda-fronteiriço e um emissário desse mundo que se subtrai, na vitória da lógica e da sintaxe, à experiência humana,

Poemas do Viandante

229. POEMAS PARA AFRODITE (x)

a tua na minha
língua
é onda
mar revolto
um campo
de musgo
onde preso
me solto

sábado, 8 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

228. POEMAS PARA AFRODITE (ix)

se despida
a luz te toca
estremeço
e tudo em mim
é desejo e ânsia
e pura vontade
de morte
e recomeço

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

227. POEMAS PARA AFRODITE (viii)

deixar correr
o sémen
em teus lábios
e escutar
o murmúrio
do corpo
na cama coberta
de naufrágios

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

226. POEMAS PARA AFRODITE (vii)

se te toco
o rosto
dás-me
nessa boca
um licor de rosas
e mosto

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

225. POEMAS PARA AFRODITE (vi)

nessa distância
de mar e
assombro
deixo a língua  correr
da brancura
do seio
ao fogo
do ombro

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

224. POEMAS PARA AFRODITE (v)

a mão
em teu colo
fremente
e a boca
sôfrega
repousa
na nascente

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

223. POEMAS PARA AFRODITE (iv)

adormeço
no teu corpo
e espero
a manhã
para acordar
em alvoroço


domingo, 2 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

222. POEMAS PARA AFRODITE (iii)

toco-te
a espádua
e bebo
o vinho
na tua boca
de água

sábado, 1 de outubro de 2011

Poemas do Viandante

221. POEMAS PARA AFRODITE (ii)

abandona a roupa
pelo chão
e deixa a luz
trazer
um mistério
de seda
ao império
da minha mão

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

220. POEMAS PARA AFRODITE (i)

o olhar aberto
à tua pele
o mar do corpo
à míngua
e trémulo
o ventre
respira-te ao sabor
desta língua

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

219. PROMESSA

os sonhos de água
naquelas noites
de invernia
acodem-me agora
brandos e leves –
promessas
de amor
se chega o dia

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A Igreja e os modernos

Bento XVI, nesta sua viagem à Alemanha, relembra a necessidade de ser firme na fé contra os ventos de secularização e exprime o receio de que na Alemanha o catolicismo se protestantize, deixando ao livre-arbítrio de cada um aquilo em que quer acreditar. Referiu também que a Igreja está demasiado instalada e com pouca espiritualidade. Todos estes temas acabam por ser diversas faces de um mesmo e único problema, o da relação, ainda difícil, entre a tradição católica e a modernidade ocidental. A autonomia da consciência, a valorização da experiência, a capacidade crítica da razão, levantaram um conjunto de obstáculos à transmissão de uma tradição que, muitas vezes, se ancorou na infantilização das consciências, na negação do valor da experiência dos indivíduos e da capacidade crítica da razão. O problema não reside em que cada um acredita no que quer, isso é apenas um sintoma marginal. A questão está na experiência da fé e na entrega ao espírito sentidas como um imperativo que, em cada um de nós, constitui o seu próprio e singular mistério. Talvez a Igreja Católica esteja demasiado instalada porque perdeu o sentido último daquilo que a constitui e o substituiu por uma moralidade e por uma estética de duvidoso gosto. Nós, os modernos, com a cultura da razão que os tempos permitiram, com a autonomia da consciência que se conquistou e com o livre-arbítrio dado por Deus não precisamos tanto da Igreja - a quem manifestamente falta autoridade para falar do assunto - para aconselhamento sobre a moralidade sexual ou a política, mas precisamos de uma Igreja madura na experiência do Espírito, capaz de acolher e orientar o caminho para Deus, sabendo discernir os espíritos, digamos assim. O perigo de secularização não vem do século, mas de dentro das próprias instituições religiosas, onde parece que, há muito, tudo se tornou insípido, vulgar e banal. Basta escutar as homilias das missas dominicais. Como tocar os homens modernos se o discurso é estereotipado, vagamente moralizador, adocicado e onde não há sinal da presença do mistério que faz do homem um ser à imagem e semelhança de Deus?

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

218. TEMPO

a hora avança
traz no seio
a flor nocturna
uma luz
a casa esquecida
os bancos de pedra
sobre o tumulto
desfeito
das águas paradas
do rio

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Poemas do Viandante


217. PODERES

os teus poderes
tão exíguos
balançam
ao vento norte
ressoam
são sinos
nas manhãs frias
se acaba
a primavera

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Haikai do Viandante (5)


Noite e ruídos
sussurram entre as tílias.
Coração caído.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Haikai do Viandante (4)



Árvore ao vento,
traço de sombra no monte.
Uma folha cai.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Poemas do Viandante


216. EXÍLIO

contar estrelas
e sob o império
da lua
calcular constelações
pequenos barcos
no mar
a dor do exílio
no descampado
da vida

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Poemas do Viandante


215. SOMBRAS

chega a noite
com o seu manto
de claridade
e as sombras
rosas
de cetim
quando tocadas
pela fímbria
dessa mão

domingo, 11 de setembro de 2011

Haikai do Viandante (3)

Talasnal - Lousã

Sol de pedra e xisto,
na floresta onde o pássaro
lança mudo o grito.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

214. PLANÍCIE

entardecem
os ramos
da figueira
e o chão sulcado
de formigas
é uma planície
de folhas mortas
sobre o teu corpo
doce e maduro

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Schubert - Jessye Norman: Ave Maria



Ave Maria! Jungfrau mild,
Erhöre einer Jungfrau Flehen,
Aus diesem Felsen starr und wild
Soll mein Gebet zu dir hinwehen.
Wir schlafen sicher bis zum Morgen,
Ob Menschen noch so grausam sind.
O Jungfrau, sieh der Jungfrau Sorgen,
O Mutter, hör ein bittend Kind!
Ave Maria!

Ave Maria! Unbefleckt!
Wenn wir auf diesen Fels hinsinken
Zum Schlaf, und uns dein Schutz bedeckt
Wird weich der harte Fels uns dünken.
Du lächelst, Rosendüfte wehen
In dieser dumpfen Felsenkluft,
O Mutter, höre Kindes Flehen,
O Jungfrau, eine Jungfrau ruft!
Ave Maria!

Ave Maria! Reine Magd!
Der Erde und der Luft Dämonen,
Von deines Auges Huld verjagt,
Sie können hier nicht bei uns wohnen,
Wir woll'n uns still dem Schicksal beugen,
Da uns dein heil'ger Trost anweht;
Der Jungfrau wolle hold dich neigen,
Dem Kind, das für den Vater fleht.

Ave Maria!

Haikai do Viandante (2)

Schubert - Pavarotti: Ave Maria

A luz cobre a terra.
Flor de seda branca e turva
poisa nas giestas.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

213. OS DIAS DE SETEMBRO

chegaram os dias
de setembro
e os teus olhos
cerram-se
na tarde
esperam ainda
a consolação
essa vida prometida
para sempre
adiada

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Haikai do Viandante (1)

Shakuhachi/Shamisen Duo

Um pássaro voa,
pedra de espuma e mar.
Floresta sombria.

Adão e Eva


Uma simbólica essencial inscreve-se no mito de Adão e Eva. Não dirá tanto respeito à queda, mas à tarefa de ressurreição e de emancipação que se coloca aos seres humanos na sequência da queda. Homem e mulher tornam-se um para o outro caminho, mediação, possibilidade. A consumação da feminilidade de toda a Eva passa pela mediação de Adão e vice-versa, a consumação da virilidade de qualquer Adão passa pela mediação de uma Eva. Talvez o sentido mais profundo da indissolubilidade do matrimónio não resida na proibição da separação dos casais reais, mas na indissolubilidade entre o masculino e o feminino na experiência espiritual.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

212. Floresta (XII)

não há meses
estações
fronteiras
dentro da floresta
apenas traços de água
névoa
as folhas mortas
trazidas pela vida
e o deus
que te espera
no lugar aberto
do coração

domingo, 4 de setembro de 2011

Poemas do Viandante

211. Floresta (XI)

despida disseste
deixa arder
a tua língua
no meu sexo
para que entre em ti
a terra fértil
e obscura
a seiva lenta
a flutuar no fundo
do corpo –
essa lâmpada
acesa
no frio da noite