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sábado, 30 de abril de 2016

Dos náufragos

Andrés Cortés Aguilar - El Naufragio

É a condição de náufrago aquela que melhor retrata a situação do homem no mundo. O que nos ensina acerca da condição humana a metáfora do naufrágio? Duas coisas. A primeira, a mais evidente, mostra-nos que a linha que separa a vida da morte está sempre pronta a partir-se. A segunda, a mais surpreendente, mostra-nos que, tal como a água não é o elemento do homem, o mundo, onde ele é um eterno náufrago, também não é a sua casa.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

A condição humana

Susan Rothenberg - Beggar (1982)

Os homens, no jogo de comparações e invejas que entre si tecem, estão convencidos de que a riqueza, esse excesso de possibilidade de consumir, é o que há de mais desejável na existência. Vivem atormentados pelo espectro da indigência, de se tornarem, literalmente, mendigos. O que eles desconhecem é que a mendicância é a sua verdadeira e única condição. Não porque lhes faltem bens materiais, mas porque a carência é constitutiva do seu ser. A única condição verdadeiramente humana é a de ser mendigo. Uns iludem-se enchendo-se de bens, outros assumem a sua condição e aprendem a rogar o que lhes falta.

domingo, 22 de março de 2015

Estar à janela

Frances Hodgkins - At the window (1912)

Estar à janela é a condição mais equívoca do homem. Naquele que se senta à janela, cruza-se a nostalgia de estar do lado de lá, jogado no desconforto da viagem e na rudeza do desconhecido, com o temor que o prende ao conforto do que é familiar. Estar à janela é estar na fronteira, nessa linha imaginária que separa dois mundos. Na verdade, estar à janela é não estar em lado nenhum.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Por que duvidaste?

Norman Narotzky - All life is there (1984)

E logo Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste? (Mateus 14:31)

Esta pergunta - por que duvidaste? - fica sem resposta. Pedro não disse nada. Este silêncio, porém, é eloquente e dá que pensar. Situa-se no encontro conflitual entre fé e dúvida. Qual o significado do silêncio de Pedro? A finitude da sua humanidade indica que esse conflito é constitutivo do homem. Enquanto ser natural dotado de razão, o homem está cindido entre a crença absoluta e a dúvida. Pedro não respondeu pois a sua natureza era a resposta. Duvidar faz parte da condição humana. Para que apenas a fé mais pura brilhasse, seria necessário que Pedro, sendo humano, fosse mais do que um homem. E foi isto o que, por várias vezes e em diferentes circunstâncias, lhe foi pedido.

domingo, 25 de maio de 2014

Ruínas e memória

Lucien Clergue - Ruines, Arles (1954)

Mais que o memorial ou o monumento conservado, as ruínas representam uma espécie de fidelidade mnésica. A memória, na sua faceta restauradora ou comemorativa, tende a idealizar o passado, a despi-lo do tempo. mentindo assim sobre a nossa condição passageira. As ruínas, porém, mostram-nos o passado e o presente, evidenciam o trabalho do tempo. Recordam-nos vivamente que somos pó e ao pó voltaremos.

terça-feira, 4 de março de 2014

Para além do homem

Francis Bacon - Man Kneeling in Grass (1952)

                                         Digno de compaixão é o homem que não ultrapassa o homem (Séneca).                                                                                       
Ser mais que homem é o desejo inscrito no coração da humanidade, como se a ideia de se ser aquilo que se é fosse escandalosa e digna de compaixão. Nesta ânsia de ultrapassagem podemos pensar com Nietzsche o sobre-homem, mas também podemos pensar o não homem, a não humanidade. Esta não significa obrigatoriamente uma inumanidade entendida como barbárie e ferocidade animal, mas algo que seja incomensurável com o homem. Por exemplo, Deus que permanece inefável para o discurso humano.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Da natureza dos eclipses

Albert Bloch - Eclipse azul (1955)

Na verdade, um eclipse não é, para nós homens, essencialmente um acontecimento astronómico onde a luz de um astro é ocultada pela interposição de outro. Um eclipse é o símbolo da condição humana, da situação do homem na Terra. Entre o homem e a Luz há sempre a interposição de qualquer coisa. E o eclipse é tão continuado que o homem chega a pensar que a Luz não existe.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Duas árvores

Hercules Pieterszoon Seghers - Duas árvores (1.ª metade do séc. XVII)

A árvore não é apenas o símbolo da nossa condição actual, ao manifestar que somos seres que pairam entre a terra e o céu, seres cujas pulsões penetram no que há de mais sombrio na existência, mas cujas aspirações são guiadas pela luz que chega do céu, o qual não cessa nunca de nos convocar à elevação, apesar da terrível força da gravidade. As árvores - fundamentalmente quando surgem como um par - recordam-nos a nossa antiga condição mítica, aquela de onde fomos expulsos ao comer o fruto proibido. Olho o quadro de Seghers e reconheço de imediato a árvore da ciência do bem e do mal e a árvore da vida. E neste reconhecimento, o velho mito renova-se e continua vivo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Da condição do Homem

Vincent Van Gogh - Naturaleza muerta con pan (1887)

Então eles lhe disseram: Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes. (Mateus, 14:17)

Poderemos a partir desta citação de Mateus pensar a condição humana sobre a Terra? A questão central não será, nesse caso, os pães e os peixes, mas o senão. Ele remete-nos para o limite do que possuímos, para o limite dos nossos poderes, para a limitação do nosso ser. Neste senão ou num qualquer apenas expressa-se a natureza humana na sua finitude. Seja o que for o que possuirmos será sempre apenas isso. O que está para além disso é infinitamente mais e incomensurável com o nosso próprio ser. Mas este limite dado pela finitude é a única condição de possibilidade que o homem possui para ir além desse limite. Esta condição de possibilidade reside no reconhecimento da verdadeira situação humana. Só esse reconhecimento permite que algo desça sobre o homem e o multiplique, tal como a bênção do Cristo multiplicou pães e peixes.