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terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Encontrar a vida

Maurice Denis - Orpheus and Eurydice (1910)

Como todos os mitos, o de Orfeu e de Eurídice presta-se a interpretações múltiplas e diferenciadas. Podemos, por exemplo, pensar que Orfeu desce ao reino da morte para resgatar a sua própria alma, o seu princípio de vida que estaria morto pelo envolvimento na vida quotidiana. O que o mito nos diz, então, não é que o homem não pode olhar esse princípio - a alma - que o constitui. Diz-nos antes que não o pode contemplar em qualquer lugar e movido por qualquer desejo de certificação. Todo aquele que quer assegurar-se da sua vida já a perdeu. Só quem abandonar qualquer desejo de segurança e de certeza poderá encontrar essa mesma vida.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Sem porta nem janelas

Juan Rulfo - Barda tirada en un campo verde

Muros, linhas divisórias, estremas, fronteiras, um exercício continuado de territorialidade, um jogo de exclusão e inclusão, uma campanha sem fim contra o medo. Mas não é na máxima segurança que está a autêntica insegurança? Não é ali, onde tudo está fechado, que o vento não corre? Enquanto o espírito viver murado e preso a fronteiras não escutará a voz que por ele chama. Surdo e errante julgará que a vida só será possível na oclusão e no fechamento de si.  Pobre mónade, sem porta nem janelas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Do ponto de partida

Múltiplas são as armadilhas que espreitam o caminho do viandante. Uma das mais obstinadas é a do sentimento de necessidade de um princípio ou ponto de partida. Esse sentimento de necessidade extrema de um princípio seguro obsidia aquele que caminha. Quando se caminha há a estranha sensação de incompletude, de falta, de uma falta originária. A inquietação dissemina-se e o viandante não sabe onde colocar os pés nem qual o lugar que ocupa. Esse sentimento de falta de um princípio toca toda a viagem, fazendo com que ela seja percepcionada como coisa pouco sólida, pois não existe a solidez de um fundamento. Em vez de caminhar, ele fica preso na busca desse princípio originário, desse alicerce sólido que lhe permitiria caminhar com toda a segurança. Mas tudo isto é mera distracção, fuga perante a realidade. E a realidade é crua: não há fundamento, nem ponto de partida, nem solidez ou segurança. A viagem não começou nunca, apenas estamos já nela e não há companhia de seguros que nos assegure um destino ou a tranquilidade da marcha. Há apenas o entregar-se a ela, puro e livre.

domingo, 16 de maio de 2010

Segurança

O maior perigo vem da busca de segurança. Muitas vezes, na ânsia de fazer proselitismo, o que se oferece às pessoas é a ilusão da segurança, de uma segurança que acaba no outro mundo mas que começa já neste. Mas a vida está longe de ser segura e a verdade nunca trouxe segurança a ninguém. Por que razão a via haveria de ser segura?