Marc Chagall - Caim e Abel (1911)
A narrativa bíblica sobre Caim e Abel não nos fala apenas do traumático que é a ruptura da fraternidade. É certo que o episódio desenha o modelo de todas as guerras - civis e outras -, mas há mais do que isso. Há duas camadas de sentido presentes. Numa primeira, a mais superficial, vê-se Caim ressentido com Abel e Deus perante a diferença com que são tratados. Uma leitura sociológica diria que a diferenciação entre os homens é causa de ressentimento e geradora de perturbações no comportamento dos indivíduos e na ordem pública. Não deixando de fazer sentido, esta leitura é limitada e tornaria o agrado de Deus para com Abel uma mera injustiça.
Em Génesis 4: 6-7 é dito a Caim e perante o seu ressentimento: "Por que estás irado? E por que está abatido
o teu semblante? Se praticares o bem, sem dúvida alguma poderás reabilitar-te
(...)”. Fica sugerido uma falta prévia, a prática de um mal não determinado, que terá estado na origem na diferenciação de tratamento dado às oferendas de Abel e de Caim. É esta misteriosa falta prévia que é o núcleo da história de Caim e Abel. O mal, esse mal originário, é misterioso. E é ele que dá que pensar, pois gera os outros, como aqueles que se simbolizam no homicídio de Abel pelo irmão e todos os que decorrem na relação entre seres humanos. Isto significa, também, que a diferenciação é já o resultado da acção do mal.