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segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Prisioneiros

Lorenzo Viani - I carcerati (1912-15)

Pelo menos desde Platão e a famosa Alegoria da Caverna que se elaborou a estranha concepção de que somos todos, de alguma forma, prisioneiros. Esta ideia, de uma fecundidade ainda não devidamente avaliada, conduziu, no Ocidente, a uma série de processos de emancipação. Não será, porém, a ideia de que o mundo e o corpo são uma prisão para o espírito uma derradeira prisão de que o homem precisa de se libertar? Não será essa cisão entre o espírito e o corpo, o espírito e o mundo, a mais perniciosa das ilusões. A crença de que o espírito está prisioneiro é, na verdade, a própria prisão a que o homem voluntariamente se sujeita.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Saltar sobre a sombra

Lothar Reichel - Jumping the puddle (circa 1970)

À nossa própria sombra, ensina-nos a experiência, podemos empurrá-la, arrastá-la, caminhar a seu lado. O que é pedido aos homens, contudo, é mais do que isso. Pede-se-lhes que saltem sobre ela, que quebrem o elo que os liga a ela, e que se libertem da acção gravítica que, sobre eles, a sombra exerce. Libertar-se não é outra senão saltar sobre a sua própria sombra.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Liberdade condicional

Ivonne Sánchez Barea - Liberdade condicional (2000)

De certa maneira, o que relativiza já a afirmação, a velha discussão sobre se o homem possui livre-arbítrio ou é completamente determinado na sua acção é ociosa. Talvez seja mais sensato pensar o homem sob a figura da liberdade condicional. Como a liberdade condicional de um condenado, também a liberdade condicional de cada homem pode, a qualquer instante, ser revogada. Não por um qualquer juiz exterior, mas por si mesmo, pela submissão àquilo que, pelo ardil do desejo, o prende. Se a nossa liberdade é sempre condicional, o caminho do homem na Terra é um infinito processo de libertação.

domingo, 17 de novembro de 2013

A libertação do destino

Raquel Forner - Destinos (1939)

Se o viandante se põe a caminho não é para cumprir um destino ou para certificar a inexorabilidade de um fado. Não, o pôr-se a caminho do viandante visa enfrentar o destino e dissolver a fatalidade. A vida espiritual é a aprendizagem íntima de ser livre, a conquista da liberdade. Não da mera liberdade social, mas da liberdade que nasce da emancipação da fria e cruel necessidade, que nasce da libertação de todos os fados e de todos os destinos.

domingo, 5 de maio de 2013

Um espaço para a liberdade

Giorgio de Chirico - El enigma de la fatalidad (1914)

O determinismo - crença de que tudo o que acontece se regula por uma causalidade necessária - é uma espécie de secularização do fatalismo metafísico. Uma providência inescrutável determina a priori a ordem do mundo e o destino de cada um. Muito curiosamente, não foi a ciência moderna que libertou os homens da pesada mão da fatalidade mas as religiões, na sua dimensão de experiência espiritual. A liberdade foi uma criação do espírito religioso - e de forma absolutamente acentuada do espírito do cristianismo - que abriu uma brecha entre a fatalidade metafísica e o determinismo secular, lembrando aos homens que são feitos para a liberdade, fornecendo-lhes mesmo métodos de emancipação e de libertação da subjugação à pura necessidade. Na verdade, aquilo que está em causa nas religiões - apesar de tantas vezes obscurecido - é esta possibilidade de ser livre, é esta proposta de emancipação da fatalidade do mundo.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Verdade e libertação

Lecomte du Noüy - White slave (1888)

Naquele tempo, dizia Jesus aos judeus que n'Ele tinham acreditado: «Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.» Replicaram-lhe: «Nós somos descendentes de Abraão e nunca fomos escravos de ninguém! Como é que Tu dizes: 'Sereis livres'?» Jesus respondeu-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que comete o pecado é servo do pecado, e o servo não fica na família para sempre; o filho é que fica para sempre. Pois bem, se o Filho vos libertar, sereis realmente livres. Eu sei que sois descendentes de Abraão; no entanto, procurais matar-me, porque não aderis à minha palavra. Eu comunico o que vi junto do Pai, e vós fazeis o que ouvistes ao vosso pai.» Eles replicaram-lhe: «O nosso pai é Abraão!» Jesus disse-lhes: «Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão! Agora, porém, vós pretendeis matar-me, a mim, um homem que vos comunicou a verdade que recebi de Deus. Isso não o fez Abraão! Vós fazeis as obras do vosso pai.» Eles disseram-lhe, então: «Nós não nascemos da prostituição. Temos um só Pai, que é Deus.» Disse-lhes Jesus: «Se Deus fosse vosso Pai, ter-me-íeis amor, pois é de Deus que Eu saí e vim. Não vim de mim próprio, mas foi Ele que me enviou. (João 8,31-42) [Comentário do Concílio Vaticano II aqui]

O texto de hoje gira em torno do tema da libertação. É grande a perplexidade dos judeus ao escutarem a ideia de libertação, pois eles nunca foram escravos, como poderão ser libertos? Esta reacção denota que a questão da libertação ultrapassa o par antitético escravo – homem livre. Tão servos podem ser os escravos como os homens livres. Aquilo que emerge no texto está antes – no sentido de ser mais essencial – da mera categorização social e política. O que nos ensina João?

Surpreendentemente, ensina-nos que a liberdade é uma questão de aprendizagem, que ela implica um processo – um processo de libertação – e, sendo assim, ela, a liberdade, não é um dado natural do homem. Essa aprendizagem está indicada na primeira fala de Cristo, que a tradução acomoda de tal forma a uma visão banal que se perde a originalidade do texto grego. Ele poderia ser traduzido antes assim: se permanecerdes (ou persistires) na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos. A relação ao logos (palavra ou verbo, de preferência a mensagem) não é de uma mera adesão do espírito, não é uma fidelidade de crença, mas antes um permanecer na palavra. Na fidelidade ou na crença, a relação do fiel ou do crente em relação ao objecto da sua crença ainda é marcada pela exterioridade. O texto de João propõe outra coisa, propõe um estar em (estar no logos), um ser em. Creio, pois estabeleci-me e persisti no logos.

A aprendizagem, o discipulato, é essa persistência no logos. Ao viver no logos (na palavra), conheço a verdade. A verdade, porém, não é o mero acordo entre uma proposição e a realidade. A palavra grega utilizada no texto (ἀλήθεια) remete para a ideia daquilo que se desoculta, que se revela. E é isso que se desoculta pela persistência no logos (na palavra ou no verbo) que liberta o homem. Não menos misteriosa, porém, é a palavra grega (ἐλευθερώσει) utilizada para a ideia de libertação. Ela remete para ἐλεύθερος que significa livre e livrado (ou libertado) de uma obrigação, i. e., desobrigado.

Todo o diálogo com os judeus está marcado por uma incompreensão essencial. Estes falam da sua natureza e julgam-se livres segundo a natureza, pois nunca foram, social ou politicamente, escravos. Mas o que Jesus lhes diz é que essa natureza representa uma obrigação que os torna servos, que os obriga à servidão. É uma natureza que, em última análise, se pode dizer desnaturada. Só a verdade liberta. Mas a verdade não é da dimensão do discurso mas da vida vivida na palavra (logos), de uma vida que permite desocultar uma outra natureza, desocultação que liberta e desobriga o homem da servidão a essa natureza desnaturada. O pecado, mesmo entendido como errância, não é outra coisa senão a servidão, enquanto a aprendizagem pela permanência no logos é desocultação daquilo que nos desobriga e, desse modo, nos retira da servidão e torna livres.

terça-feira, 19 de março de 2013

Conferir realidade

Johan Thorn Prikker - A noiva (1892-3)

Jacob gerou José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo. Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo. José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.» Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. (Mateus 1,16.18-21.24a) [Comentário proveniente da liturgia grega aqui]

O texto escolhido para hoje estabelece o vínculo entre uma filiação e uma função. Contudo, o vínculo funda-se num mistério e exige uma atitude. A função do Filho de Maria é a de ser Cristo, o Messias, aquele que salvará o povo da errância. O vocábulo σωσει (terceira pessoa do singular do futuro do indicativo do verbo σωζω) remete para um amplo campo semântico. O verbo σωζω significa libertar, proteger, curar, preservar, salvar, mas também guardar, guardar na memória, perdoar, não matar. Na figura e função de Cristo encontramos plasmadas todas estas significações. O vínculo com a filiação – que faz a conexão com David – mostra que esta função tem uma natureza real. Real porque se inscreve numa determinada estirpe, a de David, que tem por função reinar, mas real também porque produtora de realidade.

A salvação, a obra do Messias, é então uma obra de conferir realidade ao que a tem diminuída. Por isso, por esta dimensão ontológica da função atribuída ao Filho de Maria, se percebe por que motivo ele é um libertador, um protector, um salvador, um guardador. Liberta os homens de um determinado estado em que eles se encontram diminuídos, protege-os da queda nesse estado, cura-os e guarda-os da deficiência ontológica em que se encontram. É esta função que, apesar de real, se inscreve no mistério.

A experiência humana corrente é a da deficiência ontológica, é a da errância, é a da falta que o homem sempre sente mas que, mesmo se dotado de uma vontade poderosa, nunca consegue colmatar. É a sua natureza finita e falível, pensará submetido ao âmbito da experiência empírica. Que ele possa ser outra coisa, não pode deixar de ser, para si mesmo, um mistério. Este mistério requer o mistério da imaculada concepção do próprio Salvador. Ele é um homem mas não é um homem. A sua natureza plenamente humana é mais que humana e o mistério da sua concepção é o testemunho desse excesso de natureza.

Haverá um caminho para o homem compreender esse mistério? Segundo o texto, fica claro que existe um caminho para a compreensão do mistério. Para uma consciência moderna, educada na crítica e na recusa de qualquer autoridade que não a razão, é o mais terrível, cruel e decepcionante dos caminhos, o da obediência. José figura todos aqueles que se abriram ao mistério da natureza humana, ao mistério de que ela possa ser outra coisa para além de matéria corruptível, e obedeceram à voz interior que por eles chamava. Ele fez o que lhe foi ordenado, isto é, obedeceu e recebeu a sua esposa, abriu-se ao mistério, abriu-se àquele que, no fundo do seu ser, chamava por ele. Não rejeitando o filho de Maria, José não se rejeitou a si mesmo, não rejeitou o que de salvífico e libertador tinha em si mesmo, não rejeitou tornar-se efectivamente real, de se tornar naquilo que ele efectivamente era.

quarta-feira, 13 de março de 2013

A dinâmica do compromisso

Maria Helena Vieira Da Silva - Liberdade  (1973)

Naquela tempo, disse Jesus aos judeus: «Meu Pai trabalha intensamente, e Eu também trabalho em todo o tempo.» Perante isto, mais vontade tinham os judeus de o matar, pois não só anulava o Sábado, mas até chamava a Deus seu próprio Pai, fazendo-se assim igual a Deus. Jesus tomou, pois, a palavra e começou a dizer-lhes: «Em verdade, em verdade vos digo: o Filho, por si mesmo, não pode fazer nada, senão o que vir fazer ao Pai, pois aquilo que este faz também o faz igualmente o Filho. De facto, o Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo o que Ele mesmo faz; e há-de mostrar-lhe obras maiores do que estas, de modo que ficareis assombrados. Pois, assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho faz viver aqueles que quer. O Pai, aliás, não julga ninguém, mas entregou ao Filho todo o julgamento, para que todos honrem o Filho como honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou. Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna e não é sujeito a julgamento, mas passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo: chega a hora e é já em que os mortos hão-de ouvir a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão, pois, assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também deu ao Filho o poder de ter a vida em si mesmo; e deu-lhe o poder de fazer o julgamento, porque Ele é Filho do Homem. Não vos assombreis com isto: é chegada a hora em que todos os que estão nos túmulos hão-de ouvir a sua voz, e sairão: os que tiverem praticado o bem, para uma ressurreição de vida; e os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de condenação. Por mim mesmo, Eu não posso fazer nada: conforme ouço, assim é que julgo; e o meu julgamento é justo, porque não busco a minha vontade, mas a daquele que me enviou.» (João 5,17-30) [Comentário de Agostinho de Hipona aqui]

Duas portas para entrar no texto de João, o trabalho e a palavra. O trabalho do Pai e do Filho remete para uma ideia de dinâmica e de produção de obras. Isto permite perceber uma concepção do divino muito diferente de outras tradições onde Deus é pensado como estando afastado dos homens. A ideia aristotélica de Deus como motor imóvel é aqui superada pela ideia de trabalho mas também de compromisso que se exprime no vocábulo grego εργάζεται (ver aqui). O Pai trabalha continuamente e compromete-se também continuamente. Há assim uma dinâmica do compromisso, a qual constitui o modelo para o próprio Filho.

Este operar contínuo e este compromisso manifestam-se na palavra. O apelo que é feito aos homens é que escutem a palavra que lhes fala da dinâmica do compromisso de Deus para com eles. Se esta dinâmica não tem sábado, a que lhe deveria responder, por parte dos homens, também não. A disciplina da escuta não distingue o dia santo dos outros dias, pois todos os dias são santos, já que em todos eles a dinâmica do compromisso se efectiva.

É esta efectiva operatividade, mediada pela palavra, que não só cura os paralíticos como ressuscita os mortos, aqueles que estão encerrados no túmulo. O morto é apenas uma intensificação do estado de alienação simbolizado pelo paralítico do texto de ontem. Se se considerar a tradição platónica, o corpo é visto como o túmulo onde está encerrada a alma, onde ela se encontra alienada. Mas esta tradição materializa demasiado essa ideia de alienação. Mais do que o corpo, o túmulo é as múltiplas formas como a alma se perde na errância, na distracção, naquilo que a prende ao que é transitório. O dinamismo operatório do Pai, imitado pela acção do Filho e anunciado pela Sua palavra, é o caminho de libertação e emancipação dessa escravatura imposto pelo prazer do efémero. O compromisso do Pai é o da libertação e emancipação dos filhos.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Liberdade e mística

Maria Helena Vieira da Silva - Liberdade (1973)
 
A mística, correctamente compreendida, é o reino da liberdade: liberta o homem tanto dos seus condicionantes transcendentes como dos imanentes, sem o deixar afundar-se numa libertinagem anárquica, porque lhe abre-lhe a via para realizar a sua identidade. (Raimon Panikkar, Mystique plénitude de Vie, p. 210)
 
Para além da liberdade de iniciativa - a possibilidade de iniciar uma acção determinada por si mesmo -, há uma outra liberdade, aquela que nasce da libertação daquilo que nos torna estranhos a nós próprios e que nos aliena. Quando Marx afirma a religião como o ópio de povo, percebe-se que ele próprio possui uma visão alienada do fenómeno religioso e não compreende que a emancipação efectiva não só é anterior à questão económica e política, como tem uma natureza muito mais radical. Emancipar-se significa libertar-se tanto das condicionantes interiores como das exteriores. Ora é isto que as diversas escolas místicas propõem como experiência pessoal, certamente dentro de comunidades, mas não como projecto colectivista. Encontramos assim uma outra porta de entrada na modernidade, de onde a experiência religiosa não terá de ser expulsa mas onde se pode constituir como o elemento central do ser moderno. As diversas libertações e emancipações modernas, desde o liberalismo racionalista ao marxismo, são apenas visões degradadas e decaídas de uma experiência da liberdade muito mais fundamental, aquela que é o objecto central da mística.


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Paz e liberdade


A longa análise que Michel Foucault, em É Preciso Defender a Sociedade, faz das posições do conde Henri de Boulanvilliers acaba por fazer pensar, mais uma vez, na difícil relação que o Cristianismo tem com a história e a política. A ideia central de Boulanvilliers, segundo a leitura foucaultiana, reside em ver o desenvolvimento tanto do direito como da política como uma forma de continuação da guerra e do direito de conquista. Contrariamente ao que dirá posteriormente Clausewitz, a norma pressuposta é que a política seja a continuação da guerra por outros meios. Também a liberdade, para o aristocrata francês do século XVII, reside no poder de limitar a liberdade dos outros, i. e., de submeter os mais fracos. Estas duas ideias são centrais no argumentário de Boulanvilliers a favor das prerrogativas  da aristocracia franca sobre os derrotados gaulo-romanos (que constituiriam o terceiro estado) e contra a pretensão absolutista da monarquia francesa.

Ora aquilo que Cristo traz ao mundo é um princípio de paz contra o direito e a supremacia fundados na guerra, bem como uma liberdade cuja finalidade é a libertação de tudo aquilo que cativa o espírito do homem e o subjuga. Paz e liberdade (entendida como desapego, segundo Eckhart) que cada um deve realizar na sua existência e, através dessa realização pessoal, fazê-las entrar no tecido social e enfrentar a longa tradição da crueldade e da sujeição. Independentemente do comportamento da Igreja, muitas vezes demasiado mundano, o Cristianismo semeou um conjunto de valores que acabaram por fundar, contra a experiência histórica da violência, os princípios de civilidade mais elevados que, até hoje, foram trazidos à humanidade. Que esse mesmo Cristianismo tenha sempre uma relação tensa com a dinâmica social - mesmo, e talvez de forma mais acentuada nesse caso, quando era social e politicamente dominante - não admira, pois nem a paz nem a liberdade, como libertação e desapego, são valores deste mundo. E é este carácter adversarial da religião cristã relativamente à longa tradição histórica que marca um princípio de esperança para os homens, independentemente do comportamento efectivo dos que se dizem cristãos ou da própria instituição que suporta esses valores. Os valores - a paz e a liberdade - estão aí como uma injunção.

domingo, 25 de maio de 2008

O cativeiro

O mundo é como a caverna de Platão. Dentro dele há apenas prisioneiros, mas prisioneiros de uma ilusão tenebrosa. Que ilusão será essa? É a ilusão que nos torna prisioneiros da imagem que de nós construímos. Somos então habitantes de uma dupla prisão. O mundo e o eu que se ata aos seus desejos e à avidez com que quer tomar para si o que não pertence a ninguém. Mas a libertação não significa uma fuga ao mundo, mas renúncia às suas próprias ilusões, à sua mesquinhez, à avidez que tudo coloniza. Liberto de si, aquele que peregrina nesta terra liberta-se também do mundo enquanto cativeiro.