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sábado, 16 de dezembro de 2023

Sonetos de Outono (12)

Jan Van Goyen (atrib.), Dirt Road with Farmhouse and Board Fence, 1629

Adeus, Outono, o aprazado tempo

chegou com folhas mortas, água fria,

vento de Norte e a saudade súbita

de quem partiu e não virá jamais.

 

Recolho a casa, deixo as ruas sujas,

praças vazias, a memória trémula

do verso esquivo e das sombras ténues,

onde escondia o ardor do fogo.

 

Ramos despidos clamam, vozes duras,

vozes de Inverno, flores, sal e lágrimas.

Os dias decrescem no rumor das nuvens.

 

Grande mistério é a noite escura

onde um deus aguarda a hora próxima

para lançar na terra o sol e a sombra.

 

Dezembro de 2023 

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Sonetos de Outono (11)

Antonio Tápies, A caída, 1982

Eis o tropel dos dias passando grave

pela diáspora da vida simples,

pela aurora doutro tempo a vir.

Eis o silêncio desta noite sôfrega.

 

Amargas dores, corações rasgados.

O abandono é semente ávida,

germina fácil no mortal terreiro

onde o ser em névoa fria se oculta.

 

Não veneremos o clamor dos deuses

sujos de sangue ou da cal da morte,

filhos de rosas sem o véu da cor.

 

Sim, é de ferro o anel de ouro.

Sim, é nocturna essa luz do dia.

Sim, é de sombra a alva nau de Outono.

 

Dezembro de 2023


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Sonetos de Outono (10)

Alfred Sisley, Bank of the Seine in Autumn, 1876

Como um pássaro já ferido canto

uma canção feita silêncio e dor.

Oiço o ritmo ancestral na fímbria

das folhas secas, no vazio da alma.

 

Trago em mim cada Outono vivo,

cada Outono preso aos dias passados,

ao calendário feito de erva fresca

e de memórias para sempre mortas.

 

Deixo que o ser na luz se revele livre,

na liberdade do mistério aberto

como um livro de orações sagradas.

 

Vou pela estrada sem destino claro,

sem o fulgor dos dias de Estio, acesos

no esquecimento do ardor da noite.

 

Dezembro de 2023 

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Sonetos de Outono (9)

 
Vincent van Gogh, Camino con sauces podados, 1889

Nascem desejos em turvado céu.

As nuvens correm no silêncio vivo,

anunciam chuva entre os ramos secos.

Flores e frutos da memória caem.

 

Os dias obscuros, uma fria tristeza,

pálido sol, rosas de cor amarga,

eis o Outono no lençol de linho

tecido em dia de tempestade e fúria.

 

Soltam-se ventos sobre as ruas vazias.

Olho a tarde em abrigo cálido,

deixo correr ao vento o sal do mar.

 

Pobres, os lábios exaltados sopram

velhas canções de vinho, luz e mágoa.

Eu oiço, oiço-te, ó voz silente.

 

Dezembro de 2023


quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Sonetos de Outono (8)

Caspar David Friedrich, Autumn, 1826

 As cegas sombras do Outono pairam

sobre as ruas vazias da cidade velha.

O tempo corre entre folhas secas

presas nos ramos de cansadas árvores.

 

Ouvem-se gritos de amargura tensa,

rasgam a tarde como corvos tintos

pela tristeza de perdidas guerras,

velhos ardores dum império findo.

 

Deixo o espírito vogar nas sombras,

a tarde as traz presas ao corpo gélido,

ao abandono da memória breve.

 

Passo o cabo das tormentas, ergo

as mãos aos astros no licor amargo

dos dias de chuva, no frio mar da morte.


Novembro de 2023


sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Sonetos de Outono (7)

Camille Pissarro, Outono, 1876

Sol de Outono, matinal promessa

de novos mundos, novas terras, nova

luz no orvalho da aurora pálida,

nos desavindos corações sombrios.

 

Traz o fulgor a estes dias cegos,

às noites frias onde o musgo verde

amadurece na memória muda

de um presépio esquecido, morto.

 

Oiço o silêncio da floresta viva.

Vejo-o dançar na cornucópia alegre

destas cidades de cristal e pedra.

 

Canto o devir vão da manhã de bruma,

o abandono do jardim perene

ao sal de fogo, aos sinais de Inverno.

 

Novembro de 2023


quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Sonetos de Outono (6)

Wassily Kandinsky, Autumn in Bavaria, 1908

Dança comigo esta valsa viva.

Os corações tão desejosos cantam

os dias de Outono, a chegada alegre

do vinho novo, sangue, sol e água.

 

No céu, os pássaros desenham símbolos,

inscrevem letras na paisagem fria,

presos no voo entre terra e nuvens,

soltos no fogo que alastra trémulo.

 

Oiço o silêncio no rugir do vento

ou no rumor das tuas mãos abertas,

leves, na dádiva da noite escura.

 

Toco os teus lábios com o vinho novo,

bebo-te, casta, no deserto árido.

Viajamos ébrios na vertigem muda.


Novembro de 2023


sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Sonetos de Outono (5)

William B. Post, White Mountains, N. H. from Fryeburg Maine, 1900-1910

Folhas de Outono, caminhamos livres

na liberdade da floresta rude.

Vamos curvados no carril do tempo

e levantamos aos céus olhos lívidos.

 

Na cornucópia da abundância vemos

as velhas árvores caídas, mortas

no desmedido desejar dos dias.

Sinais do vento que passou silente.

 

Estreitas ruas levam do mar à morte,

onde os anjos te aguardam cegos

para a terrível luz das ervas secas.

 

Pela penumbra avistamos luas,

pequenos sóis de gelo e âmbar,

a cintilante flor de luz e fogo.


Novembro de 2023

sábado, 4 de novembro de 2023

Sonetos de Outono (4)

Camille Corot, Italian Landscape near Marino in Autumn, 1826 – 1827

Dias de Outubro. Uma ave canta

e eu medito na ruína próxima,

a casa pobre, o nome ferido

por entre sombras e silêncios secos.

 

Erguem-se pássaros de luz e trevas.

Os rios deslizam devagar, sem rumo.

Subitamente, o mar cala a voz

nas ondas frias, no vagar do vento.

 

Não tenho herança a deixar na morte,

nem a memória reterá o nome

por mim herdado ou talvez roubado.

 

Oiço-te, pássaro da noite a vir.

És a renúncia ao fulgor dos dias.

És os escombros duma vida vã.

 

Outubro de 2023


quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Sonetos de Outono (3)

Dórdio Guimarães, Casas de Malakoff - Paris, 1923

Chegou a hora de dobar o fio

das tardes calmas pela luz cobertas,

das noites ébrias no cruel temor

escrito a negro em coração cansado.

 

Rompem as árvores a linha da sombra,

abrem os ramos outonais ao vento,

as aves poisam, são crianças de água

abandonadas no desvão das ruas.

 

Atravessei maravilhado o bosque,

ouvi o fogo crepitar nos campos,

vi uma cruz de dor na terra rude.

 

Escuto os lobos murmurar ao longe,

dentro da minha carne crua e fria.

As folhas caem, e eu caio com elas.


2023

 

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Sonetos de Outono (2)

Georges Rouault, Automne, 1936

Ó pura ascese destes dias de sombra.

Ó pura glória do devir sem mácula.

Corro outonal pelo desvão do tempo

e canto livre das mágoas da vida.

 

Uma elegia flutua na voz do vento,

toca na pele das mulheres nuas,

toca a suave nostalgia da morte

com a ciosa luz do puro amor.

 

Deixo aos anjos o reger dos dias,

o vão cuidado com a vida breve,

as horas presas em sombrio silêncio.

 

Busco na boca das mulheres sôfregas,

incendiadas no furor do fogo,

a água morta do meu sangue vivo.


2023

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Sonetos de Outono (1)

George Morland, Peasants in front of a Hut, ca. 1790

Um doce frémito anuncia o tempo

onde o vinho correrá nas bocas

e o silêncio como sombra amena

virá solícito sarar as mágoas.

 

As folhas secas são sinais de morte,

signos etéreos de uma vida a vir

entre a dança das violetas trémulas

e o desejo frio de corpos pálidos.

 

Longe, o Inverno apressado marcha

com passos rudes e prenúncios negros.

Tudo estremece no cansado mundo.

 

Alegres, castos, elevemos cálices

de vinho puro, a vida flui nos lábios

e o coração fulgura vivo e ávido.


2023