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domingo, 30 de abril de 2017

Das sensações

Eugene Hutchinson - Hands (Texture) - (anos 1940s)

Condicionadas por filosofias como as de Platão ou, na Idade Moderna, de Descartes, algumas concepções da vida espiritual ocidentais desprezam a dimensão corporal do espírito e com elas a própria natureza espiritual das sensações. É através das sensações, porém, que o mundo se abre em símbolos para o homem e que o próprio homem se simboliza a si mesmo. E sem essa dimensão simbólica não há vida espiritual possível.

sexta-feira, 31 de março de 2017

A queda do silêncio

Misonne Leonard - Impressionistic photography (1942)

Há imagens, como esta fotografia de 1942, que são símbolos visíveis do silêncio. Olhamos para ela e compreendemos, de imediato, que todos os  ruídos do quotidiano estão suspensos. Mas o ronronar da chuva e o barulho dos passos não são uma forma de ruído que desmente a imperatividade do silêncio? Não. O murmúrio da chuva e o chapinhar dos passos na terra são a forma como, naquela hora, o silêncio cai sobre os homens.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O reconhecimento

Maurice Denis - Os peregrinos de Emaús (1895)

O episódio dos discípulos de Emaús (Lucas 24:13-34) onde se narra a aparição de Cristo ressuscitado a dois discípulos é marcado por dois momentos ligados ao reconhecimento. O primeiro é o da ausência do reconhecimento, a incapacidade demonstrada em atentar na identidade do outro que segue caminho com eles. O segundo momento é o do reconhecimento dessa identidade. Esse reconhecimento, porém, não se dá numa situação trivial, como a conversação doutrinal da viagem, a qual se mostrou incapaz de gerar o reconhecimento, mas no momento em que é mobilizado um símbolo, a fracção e bênção do pão. 

É o símbolo que desencadeia o processo de reconhecimento, o que torna manifesto que todo o reconhecimento do outro, de qualquer outro, implica a suspensão da trivialidade e a mobilização de uma dimensão simbólica onde esse outro ganha sentido e valor. O paradoxal no texto é que o reconhecimento conduziu, de imediato, ao desaparecimento de Cristo. Reconhecer o outro não significa, então, prendê-lo numa esfera significativa, circunscrevê-lo em conceitos. Isso significaria reduzi-lo à trivialidade que se liga à significação usada na vida quotidiana. O outro, seja o Cristo ou o homem comum, pertence a uma dimensão simbólica e só esta permite conjugar o reconhecimento desse outro com o mistério, nunca desvendável, que o constitui.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O cavalo de Tróia

Lovis Corinth - The Trojan horse (1924)

Nos dias de hoje tornou-se natural interpretar as narrativas míticas como uma reminiscência - por norma, distorcida - de acontecimentos reais. O efeito é rasurar a carga simbólica que a narrativa mítica traz consigo e, através dessa rasura, pôr de lado a natureza espiritual que o mito concentra em si e desencadeia naquele que o escuta e o perscruta. O cavalo de Tróia não foge à regra. As leituras ficcionais ou científicas anulam o ensinamento espiritual que o mito traz consigo. Muitas vezes, o espírito ilude-se a si mesmo e, julgando-se vencedor da aventura espiritual que elegeu, traz para si, como se fosse um prémio, o cavalo de Tróia que tornará patente a sua derrota e a ilusão em que persistia. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O infinito da vida

Frantisek Kupka - O princípio da vida

Sim, todos sabemos que a vida - a vida biológica - tem um princípio, um começo. Se pensarmos, todavia, a vida tal como ela se revela no homem, facilmente somos seduzidos pela ideia de que ela, a vida, não tem princípio nem fim. E é esta sedução pelo infinito da vida que se torna símbolo e é deste símbolo que toda a vida espiritual, nas suas múltiplas dimensões, é exegese e realização.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Amanhecer e anoitecer

Albert Dubois-Pillet - O Marne ao amanhecer (1888)

O estranho encontro entre a aurora e o fluxo das águas de um rio constitui-se num símbolo do próprio devir espiritual. Olhamos e pressentimos que a luz nascente vem arrastada pelas águas, que a tornarão a levar para que a noite chegue. É assim também que o rio do tempo arrasta a luz do espírito: amanhecer e anoitecer são os trabalhos e os dias da vida espiritual.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O jogo das labaredas

Boris Kustodiev - Fogueira (1916)

A fogueira não é apenas o centro de uma sociabilidade campestre, o lugar à volta do qual os homens se reúnem e dão livre curso à imaginação narrativa. Ela é também um sinal, um indício, em suma um símbolo. Eleva-se da terra para o céu, como se o destino de toda a matéria fosse rarefazer-se para se elevar ao alto. Aturdido, o homem fixa o olhar no jogo das labaredas e, sem dar por isso, recebe uma lição de metafísica.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

De ruína em ruína

Juan O'Gorman - De unas ruinas nacen otras ruinas (1949)

Nunca meditaremos o suficiente sobre um símbolo tão rico como o das ruínas. Nelas não se manifesta apenas a inconsistência física dos corpos, a degradação da vida material e o efémero da construção humana. Elas simbolizam a passagem e a morte, mas como todos os símbolos as ruínas também falam da vida, do sopro do vento, do trabalho do espírito. As ruínas nascem no momento em que o espírito se retira daquele modo de existência para que a vida se afirme de uma outra e mais rica forma. O espírito progride de ruína em ruína.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Pontos de contacto

Frantisek Kupka - Pontos de contacto (1934)

A expressão ponto de contacto traz nela uma carga semântica que se presta a uma simbolização da experiência, a qual transcende, pela sua própria natureza, a fisicalidade do tacto e do contacto. Contactar, literalmente, é uma dupla experiência. Passiva, pois recebe-se algo de um corpo exterior, e activa, já que tem uma dimensão exploratória de outros corpos. A vida espiritual é, ela própria, marcada por pontos de contacto, onde o viandante recebe algo que vem gratuitamente a ele, mas onde também é activo na abertura para aquilo que pode descer sobre ele. A viagem não é outra coisa senão um percurso que liga os múltiplos pontos de contacto.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A força do amanhecer

Max Pechstein - Dawn (1911)

O amanhecer é frequentemente usado - até à usura - para simbolizar o começo de algo novo. A persistência da sua força simbólica não deriva, contudo, da analogia entre o começo do novo dia e aquilo que na vida dos homens é tomado como novo. A força simbólica do amanhecer é muito mais profunda pois reside nas forças poderosas da natureza que se manifestam nessa hora e no impacto que essas forças têm sobre o corpo, a alma e o espírito dos homens.

domingo, 19 de abril de 2015

A janela aberta

Pierre Bonnard - La fenêtre ouverte (1921)

Tudo na vida dos homens tem o poder de se tornar símbolo de alguma coisa que o ultrapassa. Uma janela aberta não é apenas uma janela aberta mas o símbolo metafísico de uma abertura para a transcendência. A janela é a abertura simbólica que permite ao viandante transitar da imanência à transcendência, aventurando-se no além com todos os perigos e todas as promessas  que esse além contém.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

A noite e a luz

Benvenuto Benvenuti - Tramonto sul mare (1906)

Voltemos ao símbolo e à sua ambiguidade constitutiva. O pôr-do-sol simboliza muitas vezes o declínio, a anunciação do fim, o triunfo das trevas sobre a luz. Mas pode também significar algo completamente diferente. Pode significar a entrada no reino do mistério, a abertura para uma luz que não a luz que permite a visão sensível. Não por acaso, João escreveu: E a luz resplandeceu nas trevas. (Jo 1:5)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Um e o mesmo

Xaime Quessada - O piano (1957)

Não, não, a música não é um lenitivo ou um analgésico para as agruras da viagem. A música é um sinal que indica ao viandante que o mistério faz parte da sua viagem. Não é, porém, apenas um sinal do mistério, ela é ainda um símbolo. Na música, a voz que chama e aquele que escuta tornam-se um e o mesmo, como se, na viagem, o viandante, o caminho e o sempre adiado destino fossem um e o mesmo.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Um caminho de vida

Salvador Dali - Cavaleiros do Apocalipse (1970)

Há múltiplas formas de pensar a simbologia dos quatro cavaleiros e respectivos cavalos que surgem no Apocalipse de João. Os símbolos são verdadeiros depósitos de sentido, permitindo encontrar neles significações contraditórias. A lógica que os rege, se de lógica podemos falar, não se coaduna com a interdição da contradição e com o terceiro excluído. No símbolo, identidade e contradição coabitam e o terceiro está incluído. Podemos ver nesses símbolos do texto de João a profecia de terríveis desgraças, mas não será desapropriado de compreender neles uma indicação do caminho espiritual, marcos na viagem do viandante que procura aquilo que por ele chama, aquilo que, numa outra linguagem, se poderá dizer o caminho da vida feliz. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A raiz luminosa

JCM - Raiz e Utopia (a descida da luz) (2007)

Muito facilmente se toma a raiz como o símbolo daquilo que liga o homem ao que é obscuro, à profundidade tenebrosa dos elementos telúricos, ao que se esconde e não se deve, em si mesmo, manifestar. Mas se as raízes do homem estiverem não nas trevas mas na luz, como compreender então a simbologia da raiz? A raiz será, nesse caso, a luz que desce para iluminar até aquilo que há de mais obscuro, será uma raiz luminosa.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A fenda

JCM - Mitologias (a fenda) (2007)

Pensa-se muitas vezes a fenda como  manifestação da entropia de um determinado sistema, digamos assim. Diz-se que se abriram fendas em qualquer coisa e entende-se que esse acontecimento contém uma ameaça. Mas, como em tudo aquilo que contém um excessivo poder simbólico, ela representa também uma abertura para uma outra luz, uma outra realidade. E estas duas faces, a do perigo que espreita e da luz que  chama, estão plenamente presentes quando se convoca a fenda para simbolizar o perigo de derrocada ou o início da iluminação.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Metamorfoses

JCM - Colour Dreams (Vila Nova da Barquinha) (2007)

Quantas vezes as metamorfoses do céu são símbolo daquilo que se passa no espírito do homem. Um olhar ingénuo, dir-nos-á que os fenómenos luminosos que o céu reflecte em nada estão relacionados com o que se passa no espírito do indivíduo. Esse, porém, é um olhar ingénuo que esquece que todos os fenómenos ópticos são relacionais e que o indivíduo está implicado nessa relação. E essa implicação não se relaciona apenas com o processo de formação das cores, mas também com aquilo que o levou a dirigir o olhar para um certo lugar e de uma certa forma. As metamorfoses do céu só chamam a atenção de alguém porque esse alguém encontra nelas o espelho das suas próprias metamorfoses. Também elas são símbolo.

domingo, 14 de setembro de 2014

Do símbolo (II)

JCM - Raiz e utopia (cemitério de guerra alemão na Normandia) (2007)

Ontem escreveu-se aqui que o símbolo "rasga uma clareira onde a realidade se realiza". Essa, porém, é apenas uma das potências operantes no símbolo, a capacidade de abrir um mundo. Tem também o poder contrário, o de perfazer ou acabar mundos da vida. A característica central do símbolo é a sua ambiguidade. Ele é o que abre, mas também o que encerra e torna acabado aquilo que foi começado e se manifestou no mundo.

sábado, 13 de setembro de 2014

Do símbolo

JCM - Raiz e utopia (a cruz) (2008)

Os símbolos não possuem apenas uma dimensão semântica. Melhor dizendo, os símbolos possuem uma dimensão semântica de tal forma densa que, ela mesmo, é um princípio de realidade. Não é a realidade que dá origem ao símbolo. Pelo contrário, é o próprio símbolo que rasga uma clareira onde a realidade se realiza, isto é, se torna real. Os símbolos são presenças no mundo daquilo a que poderíamos chamar sobre-realidade.

sábado, 2 de agosto de 2014

Folhas mortas

JCM - Folhas mortas (2014)

Exaustas, as folhas entregam-se à morte. Não porque a morte tenha triunfado, mas para que a vida volte de novo e, na exuberância e frescura do verde, se torne símbolo que oriente o viandante no caminho. Sempre que este se depara com folhas mortas é a vida plena e triunfante que espera.