segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Poesia do Viandante (698)

Agnes Martin, Esta lluvia, 1960

698. chuvas de dezembro

chuvas de dezembro
envoltas
no desvão da dor
caem no terraço
do olvido
e abrem os dedos
da solidão
na fronteira da fantasia

(23/12/2016)

domingo, 30 de dezembro de 2018

Micronarrativa (6) A carta

Alexey Titarenko, Old woman, St. Petersburg, Russia, 1999

Estou tão cansada que nem forças tenho para desdobrar o papel e ler a carta. O que poderá ela dizer que eu não saiba já. As palavras que escreveste pesam como chumbo e o meu corpo cansado mais do que para a tua memória inclina-se para a terra.

sábado, 29 de dezembro de 2018

No bosque

Carlos Morago, Arboleda, 1998

Um bosque é o suficiente para alimentar o romantismo que nos habita. Desesperado, talvez por um desgosto de amor ou por um desastre financeiro, ter-se-ia suicidado entre as árvores. O local não deixa de ser convidativo aos grandes gestos, mas a verdade é bem diferente. Não se lhe conheciam paixões ou interesses. Entrou no bosque, é certo, mas o seu corpo nunca foi encontrado. A versão mais razoável é a que conta um amigo que o acompanhou. Chegado à clareira, ao anoitecer, disse-lhe. É aqui que vou ficar. Logo o corpo começou a sofrer uma estranha metamorfose. Quando a luz da manhã chegou, ele era aquela árvore que ali vê. A mais alta e imponente de todas. O resto são fantasias.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Pintura e haikus (4)

Arnold Böcklin, Château en ruine, 1847

Murmúrios de luz
sobre montes e ruínas.
Sombras do crepúsculo.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Impressões 13. Passam

Sergio Larrain - Magnum Photos, Bolívia, Potosi, 1957

Passam e trazem com elas a morada do silêncio, um olhar de inquirição, uma sombra sobre o corpo. Passam e são o dia e a noite, o princípio de esperança e o fundo desespero. Passam e acordam na memória o rasto de uma nuvem esquecida.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Poesia do Viandante (697)

Frantisek Kupka - Discos de Newton (1911-12)

697. discos de newton

discos de newton
sombreiam o som
do arco-íris
soltam solstícios
na casa
do sol
esculpem
lápides de luz
ao soltarem-se da sombra

(22/12/2016)

domingo, 23 de dezembro de 2018

Presenças

Bartolomé Esteban Murillo, El regreso del hijo pródigo, 1668

No seu núcleo mais misterioso - e por isso mesmo mais espiritual - o nascimento do Menino Jesus não será outra coisa se não o regresso do filho pródigo. Os textos das tradições sagradas possuem uma espécie de circularidade, na qual um mesmo sentido é dito de maneiras diversas, remetendo as narrativas umas para as outras, como se lutassem para que um sentido decisivo, embora obscuro, não se perca. Seja no nascimento, seja no regresso, estamos sempre confrontados com a chegada do que não se espera, com o inusitado de uma presença que anula o absurdo da ausência. No nascimento do Menino, é o filho pródigo que se torna presente. No regresso do filho pródigo é o Menino que se afasta da sua ausência.

sábado, 22 de dezembro de 2018

A rainha da noite

Milton Greene, Marilyn Monroe, 1953

Todas as histórias que se contam sobre a sua morte são apócrifas. Servem para serenar a razão e tranquilizar os súbditos. Eu vi como tudo aconteceu. Como sempre, ela estava vestida de negro. Naquela noite, ao contrário do hábito, não deambulou entre os presentes, nem dançou. Sentou-se no chão descalça. A parede de vidro deixava perceber a noite cerrada sem lua nem estrelas. O que se via do seu corpo era luminoso. Fiquei fascinado. Não era o único. O fascínio, porém, logo deu lugar ao sobressalto quando ela começou a perder o brilho. Depois, sobreveio a comoção. Corremos para ela. Não estava morta nem viva. Tinha-se apagado, literalmente.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Haikai urbano (41)

The New York Times Photo Archives, 43rd Street and Broadway. New York, 1937

As neves de Inverno
rasgam rumores nas ruas.
Vultos em silêncio.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Dezoito anos

Kurt Hielscher, Parsberg castle, Germany, 1931

Era filha única e a mais bela rapariga da região, se não mesmo do país. Pretendentes? Não lhe faltavam, mas foram todos rejeitados. Nunca se soube se a rejeição nascia dela ou da intransigência do pai. Correm as duas versões. No dia em que fez dezoito anos fechou-se na torre, na da direita. Nunca mais de lá saiu. Uma criada servia-a. Passava os dias à janela. Quando o pai morreu, nada se alterou a não ser que, passados dois anos, parece ter-lhe nascido uma criança, uma rapariga. Como? Não se sabe. Desde a morte do pai que nenhum homem foi visto no castelo. A criança? Olhe para a janela da outra torre. Está lá desde que fez dezoito anos, precisamente no dia da morte da mãe.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Impressões 12. Quimeras

Izis, Place de la Concorde, Paris, c. 1958

Arcos de água e luz, quimeras que ligam uma à outra margem da escuridão.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Poesia do Viandante (696)

Julião Sarmento - Sismo (1984)

696. um sismo cisma

um sismo cisma
sentado no cimo
da cabeça de richter
vem trémulo
e tremente
e temente
trazendo
no terror da terra
na luz do aluvião
o dedo de deus

(22/12/2016)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Micronarrativa (5) O branco e o negro

Chris Killip, Cookie in the Snow, Seacoal Beach, Lynemouth, Northumberland, UK, 1991

Exausto, o homem inclina-se perante o vento. Os pés pisam pesados a palidez da neve e o coração, tocado pelo pulsar do sangue, floresce em pensamentos negros ateados pela brancura da paisagem. 

domingo, 16 de dezembro de 2018

Pintura e haikus (3)

Karl Briullov, A Mother Waking Up from Her Child´s Crying, 1831

Um choro na noite
e a mãe logo estremece.
Temor e terror.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Meditação Breve (90) Apontar

Ernst Haas, View from Notre Dame, Paris, 1955

Apontar para algo é destacá-lo de um horizonte indefinido, torná-lo singular e, mais que tudo, trazê-lo à vida. O acto de apontar não é uma mera sinalização, mas uma acção criadora que traz ao mundo de quem observa a novidade de um novo ser.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Micronarrativa (4) Compaixão

Tereza Zelenkova, The Unseen, 2015

Não é desejo de ficarem incógnitas, nem cumprimento de imperativo religioso. Apenas, compaixão. A sua beleza é tão cintilante que não há quem possa olhar-lhes o rosto e não seja de imediato levado pela morte.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Poesia do Viandante (695)

Joan Hernández Pijoan, Núvol rosa, 1991

166.  de nuvem a núvol

de nuvem a núvol
assim chego
a la plaça de catalunya
e canto
em catalão
un cel càlid
ennuvolat
de nuvens núbeis
e novelos de rosas

(22/12/2016)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Impressões 11. Mundos

John Martins, Soap Bubles, sd

Bolas de sabão são reminiscências de mundos que um criador, através do sopro, cria para logo os deixar dissolver  no oceano incompreensível da eternidade.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Micronarrativa (3) Liberdade

Joaquin Sorolla, Otra Margarita, 1892

Guardada por dois polícias, ela encolhe-se no banco e olha desconfiada, como se, no fundo do seu espírito, soubesse que a sua prisão não era o fim da liberdade, mas apenas o começo.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Pintura e haikus (2)

Hans Vredeman de Vries, Arquitectura fantástica com personagens, 1568

Colunas de pedra
e sombrias canções de amor.
Sonhos de Verão.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Chegar a tempo

Gerda Taro, Two Republican soldiers with a soldier on a stretcher, Navacerrada Pass, Segovia front, Spain, 1937

Como podem eles comigo? Está luminoso o sol. Já não me dói nada. Sim, sinto-me tão pesado, a cabeça parece feita de chumbo. Vou morrer? Sim, vou morrer. O sol, como é luminoso. Não sei se esta luz é bela, como era a que iluminava a minha casa. Aqui não há beleza. Irei morrer, eles não chegarão a tempo. Ao menos que viesse uma ambulância. Terá valido a pena? E se não tornar a ver o sol, nem a ouvir a voz das raparigas ou o vento a sussurrar na noite? Estão outros a cair e os que me levam vão tão devagar. As balas chegam depressa, demasiado cedo, mas os homens são lentos, demasiado lentos. O corpo agora quase não o sinto e a cabeça pesa tanto. Chegarão a tempo? Chegarão?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Poesia do Viandante (694)

Julián García Flaquer - Máquina de dibujar (1981)

694. desenho do desejo

desenho do desejo
a máquina
uma geometria
de suplício
na hidráulica
da espera
uma gramática
de vento
terror de tempestade

(22/12/2016)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Meditação Breve (89) Torres

Andreas Feininger, Sixth Avenue and Rockefeller Center, New York, ca1940

Houve uma altura em que os homens construíram torres para chegarem à morada dos deuses. Hoje, abandonados à sua sorte, constroem-nas para esconderem, entre o orgulho do artifício, a desmedida da sua pequenez.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Impressões 10. Diante do espelho

Oscar Ghiglia, Donna allo specchio

Diante do espelho, a mulher deixa que um segredo lhe deslize pela face, paire, por instantes, no silêncio do quarto e se recolha na sombra onde se esconde o coração.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Micronarrativa (2) Revelação

Ingmar Bergman, do filme Morangos Silvestres, 1957

Não te orgulhes da tua juventude, ela passará depressa. Olha o espelho e o que vês nele é o que serás quando os dias se tornarem cinzentos e a derradeira noite se aproximar.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Micronarrativa (1) Diluição

Alexey Titarenko, Man and Shadow, St. Petersburg, 1994

Um homem abandona-se à própria sombra. Os contornos desfazem-se, a imprecisão apossa-se da figura, o corpo perde solidez, até que um fluido desliza pela parede e um rasto de penumbra corre na sujidade do chão.

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Poesia do Viandante (693)

Jesús de Perceval - La gruta (1966)

693. a graça declina

a graça declina
na gruta
redime em silêncio
o segredo
e secreta sela
de glicínias
o desejo
de figos e água fria

(22/12/2016)

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Haikai urbano (40)

John Florea, Cologne, Germany, 1945

Tudo se desfaz
na angústia da espera.
Cidade em ruínas.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Meditação Breve (88) Peregrinação

Bernice Kolko, Pilgrimage, Ixtapalapa, 1958

Toda a peregrinação é a resposta a uma voz. Ao ouvir o chamamento, o peregrino faz-se ao caminho e dirige-se ao seu destino, esse lugar sagrado onde reside a voz que o chama. Ao chegar, descobre que aquela voz, que de tão longe o chamava, não é senão a sua própria voz.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Impressões 9. Jogo de Xadrez

Alfred Eisenstaedt, Russian chess players, 1954

Sentado, em silêncio, o público olha e espera, enquanto os jogadores pensam no ataque fatal, no destino irremissível de um Rei abandonado pela Rainha e caído do trono.

domingo, 25 de novembro de 2018

Haikai do Viandante (362)

George Inness, A Breezy Autumn, 1887

Os campos desertos,
sombras de sol e silêncio.
Vendaval de Outono.

sábado, 24 de novembro de 2018

A casa

Deborah Turbeville

A casa era grande e a porta estava aberta. Não hesitei. Recebeu-me o silêncio. Uma luz suave vacilava ao cair. Por vezes, irrompia um cântico. Parecia gregoriano, mas não era uma língua humana o que se ouvia. Passei por elas muitas vezes, mas nunca deram por mim. Iam e vinham. Sentavam-se aqui ou ali. Vi-as deitadas. Sempre silenciosas até que se juntavam e o canto voltava. Nessas alturas, o meu coração abrasava. Não sei se deambulei ali dias, meses, anos. Sei que um dia exclamei “estou morto!” Nesse instante, tudo desapareceu. Eu estava na rua e esperava o autocarro. Ele chegou, entrei e sentei-me. Então o canto voltou e elas sentaram-se à minha volta. Uma murmurou: a tua casa aguarda-nos.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Poesia do Viandante (692)

Salvador Soria, Integración de lo destruido 91-H, 1991

692. a destruição desce

a destruição desce
pelo poema
um sinal
uma sirene
a matéria da vida
bate e rebate
com o martelo
da solidão
no cinzel da cizânia

(21/12/2016)

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A sombra

Pierre Dubreuil, Jazz, 1939

A música que se escutava naquele dia talvez não pertencesse a este mundo. Quem sabe? As coisas são muito mais estranhas do que parecem. Os músicos tocavam e o par, o único que se atrevia na pista, dançava extasiado. Talvez estivessem apaixonados. Os seus corpos unidos pelo ritmo pareciam ter-se libertado do império da gravidade. Quando o frenesim cedeu ao que se podia chamar um andamento larghissimo, o par quase parou. Uma invulgar - não sei que outra palavra possa utilizar - emanação desprendeu-se deles. É aquela sombra que vê na parede. Eles desapareceram há muito, mas a sua sombra ali está, inamovível, para comprovar que eram tão reais como eu ou você, ou esta música que nos envolve ao dançarmos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Pintura e haikus (1)

Nicolas Poussin, A Dance for the Music of Time, 1634-36

Um Janus bifronte
ouve a música do tempo.
Princípio e fim.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Meditação Breve (87) Músicos de rua

August Sander, Street Musicians in Cologne, 1928

Os músicos de rua não são seres humanos, mas anjos que desceram dos céus para trazerem ao inóspito deserto das cidades sobrepovoadas uma reminiscência da água que corre no paraíso.

sábado, 17 de novembro de 2018

A placenta

Alfred Eisenstaedt, Richard Schafer studying complicated formula on blackboard at the IAS, 1947

Como era habitual, chegava cedo, sentava-se e contemplava as fórmulas. Bem o pode afirmar, vivia para a álgebra. Não me interrompa, peço. Deixe-me contar o que se passou. Por vezes, levantava-se, pegava no giz e ensaiava alguma coisa e tornava a sentar-se. Apenas falava com o empregado que lhe trazia comida. Era parco nas palavras. Nesse dia, parecia inquieto. Desenhou o círculo que se vê no centro do quadro. Não sei álgebra para lhe dizer se é um zero ou a letra o. Sei que depois de o desenhar, espetou o dedo no centro do círculo. Este abriu-se - parecia uma placenta, assegura quem viu -, sugou-o, enquanto ele cantava, e tornou a fechar-se. Estes são os factos, o resto não passa de especulação.

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Poesia do Viandante (691)

Willi Baumeister, Apolo, con figura dispuesta oblicuamente, (1922)

691. um ardiloso apolo

um ardiloso apolo
vai por campos
de juncos e rosas
e cego escuta
no sibilo da serpente
no grito do grifo
a música do medo
a alegria das musas

(21/12/2016)

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Impressões 8. A medida humana

Alfred Eisenstaedt, Multnomah Falls, OR, 1938

Um grego, Protágoras, tomado pela ilusão, disse, um dia, que o homem era medida de todas as coisas. Talvez pensasse que não haveria razão acima da razão humana. O mais certo, porém, é que apenas, perante o desmedido, ensaiasse uma fuga da inultrapassável pequenez humana.

sábado, 10 de novembro de 2018

Haikai urbano (39)

Gustave Caillebotte, Paris Street-Rainy Weather, 1877

A chuva desliza
sobre as ruas da cidade.
Sombras de Outono.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Meditação Breve (86) Bandeiras

Thomas Hoepker, Celebrating the German reunification in Berlin. Waving the German flag at Berlin’s Brandenburg Gate, October 3, 1990

Que estranha relação há entre o coração dos homens e o ondular colorido das bandeiras. As mãos erguem-nas como se o corpo fosse demasiado pesado para elevar aos céus o devaneio exuberante do sentimento.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Poesia do Viandante (690)

Joan Hernández Pijoan - Casa i xiprer (1988)

690. o súbito cipreste

o súbito cipreste
no caminho de casa
é uma gramática
de recordações
recortada
na morfologia
do memória
na sintaxe
do sentimento

(21/12/2016)

domingo, 4 de novembro de 2018

Impressões 7. Distorção

Erwin Blumenfeld, Portrait, Solarised and Cut, 1937

Ali, onde a imagem se distorce, começa o longo e sinuoso caminho que conduz à verdade. Desfeita a ilusão da bela imagem, estilhaçado o véu, a realidade surge por dentro da incongruência.

sábado, 3 de novembro de 2018

Meditação Breve (85) Entre mundos

Alexey Titarenko, Untitled, (Three Women Selling Cigarettes), St. Petersburg, Russia, 1992

É sempre dolorosa a passagem entre mundos. Na terra de ninguém, a vida torna-se avara e turva. Resta apenas agarrar o que estiver à mão. O tempo passa, o velho mundo dilui-se, mas a maioria fica presa no limbo de onde é impossível avistar o que os deuses, para perdição dos homens, trouxeram.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Haikai urbano (38)

Erwin Blumenfeld, Fashion photo for Vogue at the Eiffel Tower, Paris, France, 1939

Do cimo da torre
um anjo vela a cidade.
Luzes e rumores.

sábado, 27 de outubro de 2018

Poesia do Viandante (689)

Jackson Pollock - Burning Landscape (1943)

689. fogos de verão

fogos de verão
abismam-se
em ânsia
de água
e verde-musgo
no vitral
do inverno

(21/12/2016)

domingo, 30 de setembro de 2018

Impressões 6. Geometria

Kurt Hielscher, Wiesenkirche, Soest, Westfalen, 1931 

Não há, no mundo, ordem maior que a da geometria. Ela desceu sobre os homens para os retirar do caos e dar-lhes a claridade que afugenta os monstros, as tempestades ou a inquietude do coração.

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Haikai do Viandante (361)

John Stewart, Entrée du Vallée d'Ossau, 1852

Um cântico preso
ao silêncio da montanha.
Murmúrios de água.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Meditação breve (84) Loucura

Raoul Hausmann, Corbeilles de lumière, 1931

Loucura é o desejo de descrever o mundo até ao ínfimo pormenor, não esquecer nada, anotar cada sobressalto trazido pelo vento, a sensação de passar os dedos pelo corrimão ou a indiferença com que se desce o último degrau de uma escada que se conhece desde sempre. Loucura é não suportar um cemitério tecido de esquecimento.

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Impressões 5. Passado

Jean Dieuzaide, Catalogne romane, San Jaime de Frontanya, 1957

Por que é o passado tão perfeito? Porque é o paraíso de onde, sem apelo, foste expulso e ao qual, apesar da beleza do seu chamamento, nunca voltarás.