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domingo, 27 de outubro de 2013

Um rasgão no véu

James Ensor - Calvário

Porque todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado. (Lucas 18:14)

Como, numa sociedade como a nossa, poderá ser recebida esta palavra de Lucas? Os tempos modernos têm na sua essência a exaltação do eu. Tudo está organizado para fortalecer e glorificar esse eu exaltado, um eu que, segundo o ethos moderno, deve seguir o seu interesse próprio. A própria medida do comportamento racional é-nos dada pelo acordo da acção com a defesa do interesse próprio. A humilhação do eu é, portanto, um desafio à lógica dos nossos dias, uma proposta que não pode ser olhada a não ser com desdém. Um escândalo, para retomar uma velha palavra. Mas não será o escândalo um rasgão no véu com que a realidade se cobre?

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Renúncia a si e interesse próprio

Giotto di Bondone - A renúncia aos bens (antes de 1300)

Deves saber que até agora nunca ninguém, nesta vida, renunciou a si que não encontre a que renunciar ainda. Poucas pessoas tomam isso em consideração e preservam na renúncia a si. (Meister Eckhart, Instructions Spirituelles, 4)

Os homens medievais não eram diferentes dos homens de hoje. As mesmas paixões e as mesmas virtudes ligam-nos, apesar das diferenças históricas e sociais. O que os distingue, verdadeiramente, é o ideal que orienta a vida de cada um. Sublinho ideal e com isso quero dizer que entre o ideal e a realidade há uma efectiva distância.

O ideal de renúncia à vontade própria era um princípio orientador da vida medieval, que transbordava das instituições religiosas para a vida secular. Ora, hoje em dia, esta ideia é completamente estranha ao nosso modo de vida e à forma como as novas gerações são educadas. Aquilo que a sociedade apresenta como racional é a busca do interesse próprio e a satisfacção da vontade individual ou dos desejos pessoais.

Ao mesmo tempo que os mecanismos de socialização incentivam o egoísmo, quando não o narcisismo, são impotentes para criar as condições materiais para que todos possam satisfazer esse  interesse próprio e perseguir aquilo que o desejo e a vontade lhes ditam. Quando Sarte, em Huis Clos, diz que o inferno é os outros, devido a frustrarem o nosso desejo, apenas apreende uma parte do problema. 

É o próprio mecanismo das sociedades modernas que é infernal, pois necessita, pela sua natureza, de incentivar até ao paroxismo a vontade e o desejo de cada um, ao mesmo tempo que se estrutura de forma que até as necessidades mais básicas são praticamente impossíveis de satisfazer por grande parte das pessoas. Talvez se chegue, um dia, à situação em que aprender a renunciar a si seja mais que uma condição da vida religiosa, para se tornar a condição de possibilidade da existência de sociedades humanas equilibradas num planeta exaurido nos seus recursos.