De facto, os pobres sempre os tendes convosco, mas a Mim não me tendes sempre (Jo 12:8).
Tratará este versículo do Evangelho de João da facticidade da pobreza? Estaria Jesus a informar os circunstantes acerca das ilusões existentes nas futuras, embora ainda muito longínquas, políticas sociais de erradicação da pobreza? Estaria a reafirmar como inelutável - uma espécie de condenação ontológica - a pobreza entre os homens. Se assim fosse, estar-se-ia a reduzir os textos evangélicos a uma espécie de manual de sociologia e de ideologia política. Não é nestes jogos de linguagem, para utilizar a expressão de Wittgenstein, que as palavras evangélicas se devem integrar e ler.
Se as colocarmos no âmbito da sotereologia, no jogo de linguagem da salvação, elas terão uma leitura mais pertinente e adequada. Podemos ousar ler o versículo da seguinte maneira: cada um de nós terá sempre em si os pobres, aquilo que é ontologicamente diminuído, aquilo é eternamente um ser e um não ser, uma existência precária e efémera. Os pobres não nos são exteriores, não são pobres sociais, gente sem bens materiais, mas aquilo que em nós nos desvia de algo mais essencial, da riqueza imperecível e eterna. Os pobres em nós podem inclusive ser as riquezas materiais, os bens intelectuais, a glória vinda da honra e da fama. Os pobres são as nossas múltiplas inclinações para o efémero, o inconsistente, a ilusão.
Esse que nem sempre temos também não é alguém exterior, mas o que está no mais fundo de nós. Mas esse «a Mim não me tendes sempre» não é o prenúncio da morte de Jesus? Sim. Mas o texto evangélico não é apenas - ou não é essencialmente - uma narrativa de factos históricos. Aquele que não temos sempre é, paradoxalmente, O que está sempre no mais fundo de nós mesmos, O que a nossa preocupação com os pobres - no sentido acima referido - nos faz perder constantemente. A semântica do versículo joga-se nessa tensão entre pobres e Mim, entre a pobreza da nossa materialidade e a riqueza do espírito que nos habita. Não, por acaso, o contexto evangélico (Jo 12: 1-11) contrapõe o dinheiro para os pobres e o dinheiro gasto em perfume, com que Maria perfumou o Senhor. A nossa riqueza, isto é, a nossa atenção e o nosso cuidado deve ser dado ao Espírito que é a verdade mais funda que exista em cada ser humano.