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segunda-feira, 13 de junho de 2016

A grande batalha

Yves Klein - La Grande Bataille

Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. (João 14:27)

A vida é entendida, muitas vezes, através da metáfora da guerra. É compreendida como uma sucessão de batalhas. Por maiores que sejam os conflitos que um ser humano atravessa na existência, está ainda perante pequenas batalhas. A grande batalha é a da paz que foi doada aos homens, lhes foi deixada em herança. Grandes são os perigos que ela traz consigo, pois o maior dos perigos está ligado ao que é misterioso, e nada é mais misterioso do que essa paz que o homem herdou e que o mundo não compreende.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O espírito e a espada

Esteban Vicente - Séries Alison - Harmonia (1976)

Não cuideis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas a espada. (Mat. 10: 34)

A grande ilusão da vida espiritual é a harmonia. Quantas vezes as pessoas julgam que a vida espiritual tem como missão proporcionar-lhe uma existência bem ordenada, perfeita, onde o desacordo consigo e com o mundo desapareça, uma vida de paz, ordem, coerência e conformidade consigo mesmo. A vida espiritual, porém, não veio trazer a paz mas a guerra. Veio trazer a desordem, o desacordo, a desconformidade consigo e a incoerência. A vida espiritual não é uma sessão de auto-ajuda, mas a viagem por uma paisagem em guerra. Quem quiser adentrar-se no caminho do espírito tem de aprender a manejar a espada.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Metamorfoses de si

Théodore Chassériau - Paz

'Naquele tempo, o Senhor designou setenta e dois discípulos e enviou-os dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. Disse-lhes: «A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe. Ide! Envio-vos como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos detenhais a saudar ninguém pelo caminho. Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' E, se lá houver um homem de paz, sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário. Não andeis de casa em casa. Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei do que vos for servido, curai os doentes que nela houver e dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós. (Lucas 10,1-9.) [Comentário de João Paulo II aqui.]

Em A Metamorfose, Franz Kafka tematiza a transformação espiritual negativa. Alguém acorda transformado num gigantesco insecto. Uma transformação do corpo como símbolo da degradação da condição humana, da degradação do espírito. O texto de Lucas também tematiza uma metamorfose, mas esta de natureza completamente oposta. O sinal dessa metamorfose reside nas últimas palavras O Reino de Deus já está próximo de vós. Poder-se-á fazer uma interpretação política, dizendo que uma teocracia se aproxima. Mas o cristianismo representou um ruptura com as expectativas teocráticas da comunidade judaica. Outra linha de interpretação é ler a frase a partir de um ponto de vista escatológico e pensá-la como aproximação do fim do mundo e o advento do Reino de Deus. Mas o tempo fez perder fulgor a essa interpretação.

Se se pensar o Reino de Deus como uma experiência interior de carácter espiritual, tudo ganha um inesperado sentido. O que está em jogo será a transformação de si mesmo à imagem e semelhança de Cristo, o arquétipo ou modelo de homem que o cristianismo trouxe à humanidade. Será a metamorfose do homem animal no homem espiritual. O texto, no início, refere os lugares e sítios onde o Senhor haveria de ir. Isso deixa-nos perceber que há um processo que vai desta intenção inicial e a promessa final da sua chegada. Este processo é o da metamorfose. Mas como poderá o homem fazer esse caminho e onde terá de caminhar?

Terá de caminhar entre lobos. Mas os lobos talvez não sejam os perigos e ciladas que existem na vida natural e social, mas as nossas próprias ilusões, a desordem no nosso ser ou no reino que somos. Caminhar entre lobos não significa declarar-lhes guerra, exarcebá-los e excitá-los. Isso seria pôr no cerne do caminho a dialéctica do conflito. O caminho da metamorfose é o da pacificação de si mesmo, o da aceitação da sua natureza. Que a paz esteja nesta casa significa não apenas a pura ausência de conflito mas a afirmação da serenidade, o sossego de sua casa, a cura do que há de patológico em nós como o cerne do processo de metamorfose. A serenidade da paz é a possibilidade de realizar o arquétipo que habita no fundo do homem, a possibilidade de deixar vir Aquele que é.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Guerra santa

Jackson Pollock - War (1947)

Esse conflito que nos dilacera, abre o peito e rasga a carne, essa guerra santa entre o desejo de tudo nos apropriarmos e o mandamento de tudo entregar, é a essência da própria vida sobre a Terra. Em cada um, defrontam-se - numa guerra sem fim - duas injunções, dois imperativos, como se ele fosse possuidor de duas vontades; ou não será melhor dizer: como se ele fosse possuído por duas vontades? Não se pense que um imperativo vem de dentro de nós e outro nos é exterior. Pura ilusão dualista. Essas duas injunções são irmãs, irmãs inimigas que combatem pelo domínio da nossa vida. Se uma é inscrição do biológico e a outra do espírito, isso não significa que uma nos seja própria e outra estranha. O conflito que nos dilacera traz consigo uma teleologia, uma finalidade: a paz. O que a guerra interna nos ensina é a exigência de uma pacificação. A sabedoria está em encontrar o caminho não para a derrota de uma das irmãs inimigas, mas uma via de reconciliação e de reconhecimento dos direitos das partes em confronto. 

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Paz e liberdade


A longa análise que Michel Foucault, em É Preciso Defender a Sociedade, faz das posições do conde Henri de Boulanvilliers acaba por fazer pensar, mais uma vez, na difícil relação que o Cristianismo tem com a história e a política. A ideia central de Boulanvilliers, segundo a leitura foucaultiana, reside em ver o desenvolvimento tanto do direito como da política como uma forma de continuação da guerra e do direito de conquista. Contrariamente ao que dirá posteriormente Clausewitz, a norma pressuposta é que a política seja a continuação da guerra por outros meios. Também a liberdade, para o aristocrata francês do século XVII, reside no poder de limitar a liberdade dos outros, i. e., de submeter os mais fracos. Estas duas ideias são centrais no argumentário de Boulanvilliers a favor das prerrogativas  da aristocracia franca sobre os derrotados gaulo-romanos (que constituiriam o terceiro estado) e contra a pretensão absolutista da monarquia francesa.

Ora aquilo que Cristo traz ao mundo é um princípio de paz contra o direito e a supremacia fundados na guerra, bem como uma liberdade cuja finalidade é a libertação de tudo aquilo que cativa o espírito do homem e o subjuga. Paz e liberdade (entendida como desapego, segundo Eckhart) que cada um deve realizar na sua existência e, através dessa realização pessoal, fazê-las entrar no tecido social e enfrentar a longa tradição da crueldade e da sujeição. Independentemente do comportamento da Igreja, muitas vezes demasiado mundano, o Cristianismo semeou um conjunto de valores que acabaram por fundar, contra a experiência histórica da violência, os princípios de civilidade mais elevados que, até hoje, foram trazidos à humanidade. Que esse mesmo Cristianismo tenha sempre uma relação tensa com a dinâmica social - mesmo, e talvez de forma mais acentuada nesse caso, quando era social e politicamente dominante - não admira, pois nem a paz nem a liberdade, como libertação e desapego, são valores deste mundo. E é este carácter adversarial da religião cristã relativamente à longa tradição histórica que marca um princípio de esperança para os homens, independentemente do comportamento efectivo dos que se dizem cristãos ou da própria instituição que suporta esses valores. Os valores - a paz e a liberdade - estão aí como uma injunção.