Juan Genovés Candel - Narracíon (1982)
O meu avô estava já paralisado. Um dia pediram-lhe para contar uma história que ele tivesse vivido com o seu mestre. Então ele contou como esse homem santo que era o seu mestre tinha o costume de saltar e dançar quando rezava. E ao contar isto o meu avô levantou-se, e o relato envolveu-o de tal maneira que ele começou a saltar e a dançar para mostrar como o seu mestre fazia. Desde esse instante ficou curado. (Martin Buber, apud José Tolentino Mendonça, Atual do Expresso, 27/09/2013).
Esta singular história que Martin Buber conta do seu avô não serve apenas para sublinhar a extrema importância do acto de contar e ouvir histórias na economia da vida humana. Ela sublinha a natureza profundamente física - corporal - daquilo que se convencionou chamar a experiência espiritual do homem. Saltar e dançar, essas formas de suspensão momentânea da gravidade, implicam uma libertação do corpo daquilo que o prende (literal e metaforicamente à terra) e a sua concentração no acto de orar. Ao saltar e dançar todo o ser se funde numa unicidade e é essa unicidade que opera a relação com o sobre-humano. Tudo isto, porém, está enquadrado num processo de transmissão narrativo. A narrativa tem o poder de desencadear as operações mais fundas e secretas que se escondem no interior do ser humano, aquelas que o podem levar à dança e, como no caso do avô de Buber, à cura.