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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Danças e narrativas

Juan Genovés Candel - Narracíon (1982)

O meu avô estava já paralisado. Um dia pediram-lhe para contar uma história que ele tivesse vivido com o seu mestre. Então ele contou como esse homem santo que era o seu mestre tinha o costume de saltar e dançar quando rezava. E ao contar isto o meu avô levantou-se, e o relato envolveu-o de tal maneira que ele começou a saltar e a dançar para mostrar como o seu mestre fazia. Desde esse instante ficou curado. (Martin Buber, apud José Tolentino Mendonça, Atual do Expresso, 27/09/2013).

Esta singular história que Martin Buber conta do seu avô não serve apenas para sublinhar a extrema importância do acto de contar e ouvir histórias na economia da vida humana. Ela sublinha a natureza profundamente física - corporal - daquilo que se convencionou chamar a experiência espiritual do homem. Saltar e dançar, essas formas de suspensão momentânea da gravidade, implicam uma libertação do corpo daquilo que o prende (literal e metaforicamente à terra) e a sua concentração no acto de orar. Ao saltar e dançar todo o ser se funde numa unicidade e é essa unicidade que opera a relação com o sobre-humano. Tudo isto, porém, está enquadrado num processo de transmissão narrativo. A narrativa tem o poder de desencadear as operações mais fundas e secretas que se escondem no interior do ser humano, aquelas que o podem levar à dança e, como no caso do avô de Buber, à cura.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Suspender a gravidade

Caspar David Friedrich - Angels in Adoration (1826)

Nas explicações do senso comum irreligioso, a religião surge muitas vezes como o produto do medo perante o desconhecido ou, no melhor dos casos, como uma resposta ingénua aos mistérios do mundo e da vida. Não se quer, desse modo, perceber a dinâmica biológica da religião. Ela é - para além de outras coisas - uma luta contra as limitações da nossa natureza biológica, um protesto contra a humilhação que o espírito do homem sente perante o peso do corpo. No acto religioso - na oração, por exemplo - manifesta-se o desejo de suspender a gravidade, como se o homem respondesse a uma solicitação das alturas.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Oração da manhã

Dizia o velho Hegel que a leitura dos matutinos é a oração da manhã do homem moderno. Dois séculos passaram sobre o dito e à imprensa veio juntar-se um sem fim de meios de comunicação. Mas a que Deus ora o homem moderno? Quando me levanto e abro a Internet e percorro os jornais e blogues o que descubro? Sim, pode-se sempre cultuar o espírito do tempo, mas não é bem ele que aparece em tudo o que é, para o homem moderno, motivo de oração matinal. O que aparece é a espuma. Não é a espuma, porém, uma forma de ocultação da água? O que se esconderá nessa espuma? A que deus oraremos nós homens ainda modernos? Não valerá mais voltar à ingenuidade do homem tradicional e invocar o Deus bíblico? Talvez já não nos seja consentida tanta ingenuidade e não tenhamos outros remédio do que o politeísmo que a comunicação nos traz de manhã, à tarde e à noite. Mas se Cristo aqui estivesse como e a quem oraria ele pela manhã? Mas não é Ele que cada um de nós é?