René Magritte - O Filho do Homem (1964)
Naquele tempo, ao chegar à
região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus
discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» Eles responderam:
«Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias
ou algum dos profetas.» Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu
sou?» Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de
Deus vivo.» Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas,
porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no
Céu. Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha
Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te ei as chaves do
Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que
desligares na terra será desligado no Céu.» (Mateus 16,13-19) [Comentário de Bento XVI aqui]
O texto trata da instituição da Igreja, o momento em que Cristo coloca
Simão como fundamento dessa Igreja. Esta acto instituinte, contudo, deve ser
recolocado no contexto, e este é o de um inquérito. O Mestre interroga o seus
discípulos, e interroga-os não sobre qualquer matéria de natureza teórica,
sobre alguma coisa que eles pudessem saber pelo estudo, mas acerca da própria
natureza do Mestre.
O inquérito não deixa de ser surpreendente e marcado por clara ambiguidade.
A primeira questão interroga acerca da crença corrente na opinião pública. A
ambiguidade está na expressão, corrente no Antigo e no Novo Testamentos, com
que Cristo se designa a si mesmo, o Filho do Homem (ben Adam). Essa expressão,
em hebraico e na cultura judaica, remete para a referência homem e desse modo a
questão poderia ser reformulada da seguinte forma: “Quem dizem os homens que é
o homem?”, o que permite perceber que a questão se dirige à essência do próprio
homem. O que sabem os homens de si mesmos?
Os homens sabiam pouco, pois viam em Cristo um homem puramente
particular, mas não aquilo que é essencial em todos os homens. Na verdade, não
se reconheciam a si mesmos na figura do Mestre. A segunda parte do inquérito é
dirigida aos discípulos, e Simão reconhece o Mestre. O que leva Cristo a tomar
Simão como o alicerce da sua Igreja é o reconhecimento da profunda identidade
entre o Filho do Homem (bem Adam) e o Filho do Deus Vivo. Este reconhecimento
de Cristo por parte de Simão Pedro é, concomitantemente, o auto-reconhecimento
de Pedro. Todo o homem é filho de Deus.
Os poderes conferidos a Pedro estão fundados no reconhecimento que tem
da própria humanidade, da sua origem, no reconhecimento do modelo pelo qual
todo o homem foi criado. Esse reconhecimento não nasce da carne e do sangue,
isto é, não nasce de uma sabedoria exterior, não vem pelo estudo ou pelo ouvir
dizer de uma tradição. O reconhecimento do Filho Homem nasce da vida interior,
da revelação do Espírito. A afirmação da sacralidade da vida humana e a
condição de possibilidade da afirmação da sua dignidade residem neste
reconhecimento alicerçado na revelação. E é sobre estes alicerces que se funda
uma nova comunidade, não uma comunidade natural, de natureza bio-social, mas
uma comunidade espiritual e moral que, pelo reconhecimento do Filho do Homem,
eleva os homens para lá da mera contingência da animalidade.
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