Guillermo Pérez Villalta - O discurso da verdade (1978)
Naquele tempo, aglomerava-se uma grande multidão à volta de Jesus e
Ele começou a dizer: «Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas
não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas. Pois, assim como Jonas foi
um sinal para os ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta
geração. A rainha do Sul há-de levantar-se, na altura do juízo, contra os
homens desta geração e há-de condená-los, porque veio dos confins da terra para
ouvir a sabedoria de Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! Os
ninivitas hão-de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão-de
condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui
está quem é maior do que Jonas.» (Lucas 11,29-32) [Comentário de Rafael Arnaiz
Baron aqui]
O que haverá de reprovável em pedir um sinal? Não é natural que os
homens peçam sinais como forma de provar uma pretensão ou confirmar uma
alegação? Não será antes reprovável aceitar a palavra do outro apenas fundada
no princípio de autoridade que esse outro se arroga, mas que é contestada pela multidão?
Talvez fosse estranho já esse pretensão para os homens daqueles dias, mas para
nós, homens educados nos princípios do Iluminismo, nada há de mais estranho que
a pretensão de Cristo.
O texto dá duas pistas para resolver a questão. Salomão, o rei, foi
reconhecido pela Rainha do Sul. Jonas, o profeta, foi reconhecido pelos
habitantes de Nínive. Mas Aquele que se apresenta agora – e este agora é um eterno
agora – não é reconhecido por ninguém, apesar da sua dignidade real ser maior
que a de Salomão, apesar do seu dom de profecia ser maior que o de Jonas. A
ausência de reconhecimento significa, neste contexto, que os que pedem um sinal
quebraram um laço fundamental, esqueceram alguma coisa que deveriam reconhecer
em cada hora. Tornaram-se estranhos, alienaram-se da sua própria natureza,
perderam o contacto com a realidade.
O não reconhecimento do Outro é o arquétipo de todos os não
reconhecimentos, o do não reconhecimento do próximo e o do não reconhecimento
de si mesmo. Não há, porém, a recusa de um sinal, mas a proposição do mais
surpreendente dos sinais, o sinal de Jonas, metáfora anunciadora da morte e
ressurreição de Cristo, o novo sinal deixado aos que pedem sinais. O carácter
surpreendente do sinal reside na sua inverosimilhança. Não é verosímil que
aquele que foi engolido por uma baleia seja por ela cuspido com vida, não é
verosímil que Aquele que vai morrer na cruz triunfe sobre o sepulcro.
Sobre a inverosimilhança deste sinal foi construída uma religião e
edificada uma comunidade de fé que transporta o sinal de geração em geração.
Mas o que contém esse sinal? O que sinaliza ele? Claramente, ele sinaliza a
perversidade das gerações, a sua incapacidade de reconhecimento, a sua
alienação, mas sinaliza a possibilidade de desalienação, a restauração da via
do reconhecimento. O sinal, pela sua natureza paradoxal, faz lembrar um koan da tradição do Budismo Zen. Um
sinal que ultrapassa a razão e que convoca o homem para a margem do discurso, muito
para lá daquilo que as palavras podem dizer, como se o sinal fosse uma
convocação ao viver, o que ultrapassaria infinitamente a dimensão cognitiva
presente naqueles que exigem sinais.
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