Théodore Chassériau - Paz
'Naquele tempo, o Senhor designou setenta e dois discípulos e enviou-os
dois a dois, à sua frente, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir. Disse-lhes:
«A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto, ao dono da
messe que mande trabalhadores para a sua messe. Ide! Envio-vos como cordeiros
para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem alforge, nem sandálias; e não vos
detenhais a saudar ninguém pelo caminho. Em qualquer casa em que entrardes,
dizei primeiro: 'A paz esteja nesta casa!' E, se lá houver um homem de paz,
sobre ele repousará a vossa paz; se não, voltará para vós. Ficai nessa casa,
comendo e bebendo do que lá houver, pois o trabalhador merece o seu salário.
Não andeis de casa em casa. Em qualquer cidade em que entrardes e vos
receberem, comei do que vos for servido, curai os doentes que nela houver e
dizei-lhes: 'O Reino de Deus já está próximo de vós. (Lucas 10,1-9.) [Comentário de João Paulo II aqui.]
Em A Metamorfose, Franz Kafka tematiza a transformação espiritual negativa. Alguém acorda transformado num gigantesco insecto. Uma transformação do corpo como símbolo da degradação da condição humana, da degradação do espírito. O texto de Lucas também tematiza uma metamorfose, mas esta de natureza completamente oposta. O sinal dessa metamorfose reside nas últimas palavras O Reino de Deus já está próximo de vós. Poder-se-á fazer uma interpretação política, dizendo que uma teocracia se aproxima. Mas o cristianismo representou um ruptura com as expectativas teocráticas da comunidade judaica. Outra linha de interpretação é ler a frase a partir de um ponto de vista escatológico e pensá-la como aproximação do fim do mundo e o advento do Reino de Deus. Mas o tempo fez perder fulgor a essa interpretação.
Se se pensar o Reino de Deus como uma experiência interior de carácter espiritual, tudo ganha um inesperado sentido. O que está em jogo será a transformação de si mesmo à imagem e semelhança de Cristo, o arquétipo ou modelo de homem que o cristianismo trouxe à humanidade. Será a metamorfose do homem animal no homem espiritual. O texto, no início, refere os lugares e sítios onde o Senhor haveria de ir. Isso deixa-nos perceber que há um processo que vai desta intenção inicial e a promessa final da sua chegada. Este processo é o da metamorfose. Mas como poderá o homem fazer esse caminho e onde terá de caminhar?
Terá de caminhar entre lobos. Mas os lobos talvez não sejam os perigos e ciladas que existem na vida natural e social, mas as nossas próprias ilusões, a desordem no nosso ser ou no reino que somos. Caminhar entre lobos não significa declarar-lhes guerra, exarcebá-los e excitá-los. Isso seria pôr no cerne do caminho a dialéctica do conflito. O caminho da metamorfose é o da pacificação de si mesmo, o da aceitação da sua natureza. Que a paz esteja nesta casa significa não apenas a pura ausência de conflito mas a afirmação da serenidade, o sossego de sua casa, a cura do que há de patológico em nós como o cerne do processo de metamorfose. A serenidade da paz é a possibilidade de realizar o arquétipo que habita no fundo do homem, a possibilidade de deixar vir Aquele que é.
Em A Metamorfose, Franz Kafka tematiza a transformação espiritual negativa. Alguém acorda transformado num gigantesco insecto. Uma transformação do corpo como símbolo da degradação da condição humana, da degradação do espírito. O texto de Lucas também tematiza uma metamorfose, mas esta de natureza completamente oposta. O sinal dessa metamorfose reside nas últimas palavras O Reino de Deus já está próximo de vós. Poder-se-á fazer uma interpretação política, dizendo que uma teocracia se aproxima. Mas o cristianismo representou um ruptura com as expectativas teocráticas da comunidade judaica. Outra linha de interpretação é ler a frase a partir de um ponto de vista escatológico e pensá-la como aproximação do fim do mundo e o advento do Reino de Deus. Mas o tempo fez perder fulgor a essa interpretação.
Se se pensar o Reino de Deus como uma experiência interior de carácter espiritual, tudo ganha um inesperado sentido. O que está em jogo será a transformação de si mesmo à imagem e semelhança de Cristo, o arquétipo ou modelo de homem que o cristianismo trouxe à humanidade. Será a metamorfose do homem animal no homem espiritual. O texto, no início, refere os lugares e sítios onde o Senhor haveria de ir. Isso deixa-nos perceber que há um processo que vai desta intenção inicial e a promessa final da sua chegada. Este processo é o da metamorfose. Mas como poderá o homem fazer esse caminho e onde terá de caminhar?
Terá de caminhar entre lobos. Mas os lobos talvez não sejam os perigos e ciladas que existem na vida natural e social, mas as nossas próprias ilusões, a desordem no nosso ser ou no reino que somos. Caminhar entre lobos não significa declarar-lhes guerra, exarcebá-los e excitá-los. Isso seria pôr no cerne do caminho a dialéctica do conflito. O caminho da metamorfose é o da pacificação de si mesmo, o da aceitação da sua natureza. Que a paz esteja nesta casa significa não apenas a pura ausência de conflito mas a afirmação da serenidade, o sossego de sua casa, a cura do que há de patológico em nós como o cerne do processo de metamorfose. A serenidade da paz é a possibilidade de realizar o arquétipo que habita no fundo do homem, a possibilidade de deixar vir Aquele que é.
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