terça-feira, 25 de setembro de 2012

Poemas do Viandante (365)

Odilon Redon - Port Breton

365. OS GESTOS COM QUE DESENHAVAS A LEVEZA DOS DIAS

Os gestos com que desenhavas a leveza dos dias
tornaram-se pesados. A tirânica ofensa trazida
pelo passar do tempo, pelo rumor inquieto das águas,
as que correm enfurecidas sob o véu da tempestade,
tornou-se gelo, pedra, chumbo em teus ombros.

O fulgor que te habitava apagou-se
e a linha do horizonte perdeu distância.
Os barcos não passam de sombras no mar,
onde já não distingues neblinas e crepúsculos,
a promessa de um mundo para lá das frias águas.

Tudo isso estava cifrado na carne vigorosa,
uma ameaça suspensa na verdura dos anos,
o grito do corvo na aurora vazia do mundo.
Mas que importa aos que exultam de saúde
a herança sombria que transportam consigo?

O peso que te comprime e inclina o corpo
é a vida triunfante que, cansada do velho olhar,
corre lúcida e bela para um novo cais.
Os barcos virão num lampejo de céu azul
e como tu outro sentirá o vento da primavera.

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