terça-feira, 18 de setembro de 2012

Poemas do Viandante (358)

Salvador Dali - Lilas del tiempo

358. O TEMPO NÃO É UMA HASTE OU UM BARCO

O tempo não é uma haste ou um barco,
não é a mão estendida sobre a vida
ou o sopro do vento contra a parede da tarde.
Feroz labirinto de sentido único,
ondulação que vai mas não volta,
espuma tão frágil que logo se dissolve.

Não sabemos de onde veio nem o destino,
apenas as rugas que sulcam a pele,
os dentes cariados com que o mundo devora
a vida, precária flor sobre a terra abandonada.
Lançamos-lhe armadilhas, metáforas, metonímias,
e ele corre serenamente sobre a paisagem,

traça sulcos e chama-lhe rios da memória,
por vezes toma um ar sério e glorioso,
outras não passa do velho andrajoso
que desenha ruínas a que chama história.
Ou gesta ou caminho ou outra coisa sem sentido,
pois o tempo é inimigo da semântica,

cavaleiro que não repousa sobre a terra,
sempre a meio caminho entre o nada que fabricou
e o outro nada que de longe o chama.
O tempo não é uma casa branca de orvalho
nem o rosto da lua na vastidão negra do céu,
mas o desejo que me prende ao que não aconteceu.

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