domingo, 16 de setembro de 2012

Poemas do Viandante (356)

Jean-Michel Basquiat - Earth (1984)

356. CELEBRAMOS O AÇO QUE PERFURA O ROSTO DA TERRA

Celebramos o aço que perfura o rosto da terra
e, incapazes de escutar os anjos,
não ouvimos os gritos que dela chegam,
inundam as florestas que perderam a bênção,
o gesto com que ungias o coração do mundo
e asseguravas a todas as coisas a ordem.

Somos os irados peregrinos que olham
para o incêndio que te lavra nas entranhas,
e descobrem na lava os escombros
com que escondes a abissal cicatriz que nós,
filhos pobres e insaciáveis do velho Prometeu,
pelo aço não mais deixaremos de tracejar.

A precária caravela perdeu-se no mar de trevas,
e as ruas são apenas uma ferida aberta
em teu corpo esguio de mulher tardia,
aquela que chegou dentro de um segredo,
o rumor nascido para além da fronteira,
a noite polar em que dormindo aguardavas.

Mater silenciosa, o que fizeram do teu silêncio?
Ouve-se o ruir das paredes na planície fria
e mil anátemas são lançados sobre o portal,
onde o dia e a noite em discórdia se separam,
rasgando mais e mais a pele suave da tua face,
que o aço incansável não para de perfurar.

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