Claude Joseph Vernet - Mar tempestuoso (1748)
370. O ESTRANHO DESÍGNIO DE TRAZER O OCEANO COMIGO
O estranho
desígnio de trazer o oceano comigo,
de escutar o
mar na rebentação da noite,
de avistar
na campina as velas que passam
na planície
de água, a vinha nunca vindimada.
Essas são as
minhas viagens: sonhar acordado
o Atlântico que
de mim se afasta e se abre
para o mundo
que o coração não quer amar.
Sou o
navegador que se perdeu das águas,
fundeou no
cais como numa perífrase,
e no meio de
tantas palavras arpoou no silêncio,
para que, ao
olhar a floresta, a força voltasse
e trouxesse
com ela o espaço vazio
que se
esconde na velha paliçada de sílabas,
a aurora em
que o sentido se ergue no nascente.
Não sei já
onde termina o espaço e começa
o tempo, a
ondulação incerta trazida pelo vento,
a casa que
abriga se chega a intempérie.
O poeta vive
no dia em que o espaço e o tempo
se desintegraram,
escura amálgama, lama
que mancha a
alma, a cobre de detritos,
e, como se
fora argila, se desfaz em pó.
Pertenço à
estirpe dos poetas oceânicos,
aqueles a
quem o destino decretou a cegueira,
homens que
amam o mar mas vivem em terra,
rodeados de
insectos e aves selvagens.
O farol roda
no buraco vazio da noite,
ilumina as
catedrais de pedra por um instante
e recolhe-se
no espaço onde o tempo desapareceu.