terça-feira, 24 de julho de 2012

Poemas do Viandante (309)

309. AINDA PODEMOS SONHAR REGATOS DE ÁGUA LÍMPIDA

ainda podemos sonhar regatos de água límpida
e caminhos de terra batida no segredo da floresta
mas são sonhos de citadinos exaustos
marcas ligeiras na palidez da face
a nostalgia de quem há muito perdeu o lugar
e do mundo apenas conhece o fluir do trânsito
a angústia das horas-de-ponta na vida assim desvivida

sonhos são exercícios de culpa trazidos pela noite
máscaras de veludo para amortecer a dor
um pequeno manual para actos de contrição
aprendemo-los na longínqua infância
como uma garantia contra o desvario
os espinhos que a vida traz
amuletos para a má-fortuna ou amor ardente

pego no sonho que me trouxeste
e abro-o para descobrir a sua verdade
a ferocidade da roseira coberta de espinhos
o sangue a golfar na raiz da vida
e todas as noite que terei para dormir
esquecido da cidade e dos que nela morrem
perdido na água pura da floresta que me espera

2 comentários:

  1. Nota 20 e com direito a doutoramento honoris causa! Muito bom, evocando Camões de passagem...

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  2. Muito obrigado, Maria. Talvez não seja possível escrever em português sem - directamente, como é o caso, ou indirectamente - evocar Camões. Nada a fazer.

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