João Queiroz - Sem título (?)
291. UM PORTO EM RUÍNAS DEBRUÇADO SOBRE O MAR
um porto em
ruínas debruçado sobre o mar
batido pelo
sal furioso das águas
iam e vinham
e voltavam irascíveis
atiravam-se
violentas sobre a pedra
e rosnavam
no seu hálito marinho
uivavam se a
rocha se erguia e resistia
e tornavam
sempre e sempre
movidas pelo
frio do vento
e um desejo
de vingança inscrito nas ondas
uma
fotografia de família lembrava a tempestade
um rasto de
árvores arrancadas e raízes ao sol
o silêncio
das palavras por dentro da fúria
tudo isso
fotografado de longe
agora
impresso em papel brilhante
o desespero
de guardar na memória o imemorável
a hora em
que o perigo se inclina sobre nós
e uma ave de
veludo lembra o anjo da morte
se clareia
sobre a cidade
apagam as
luzes e deixam que o dia venha
com o seu
cortejo de ofícios
o sólido
argumento da dor iluminada
a pressa
esquiva da urgência fatal
as ruas
crescem de pessoas e de passos
fantasmas
especados sob o império do sol
candelabro
de sete braços
a
impenitência de dormir pelos jardins
o trigo
joeirado é agora pão
e sento-me
para transformar o mundo
incendiar os
castelos e vilas fronteiriças
abrir rombos nas linhas inimigas
paciente
espero pela audácia da noite
enquanto
escrevo uma carta de amor
sob o véu
vermelho da distância
um copo de
vinho e pão sobre a mesa
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